Nunca Aceitei a Minha Nora, Mas Quando o Meu Filho Decidiu Divorciar-se, Não Consegui Impedi-lo: Uma História de Família, Orgulho e Perdão

— Não percebo como consegues viver assim, Francisco! — O tom da minha voz ecoou pela sala, mais alto do que eu pretendia. O meu filho olhou-me de lado, os olhos cansados, enquanto a Emily, a minha nora, fingia não ouvir e continuava a arrumar as compras na cozinha. O cheiro a café queimado misturava-se com o aroma adocicado do bolo que ela tentava salvar do forno.

Sempre fui uma mulher de ordem. Cresci em Coimbra, numa casa onde cada coisa tinha o seu lugar. A minha mãe dizia que uma casa desarrumada era sinal de uma vida desarrumada. Quando o Francisco me apresentou a Emily, há seis anos, senti logo um aperto no peito. Ela era simpática, sim, mas havia algo nela — talvez aquele jeito distraído, ou o facto de nunca conseguir encontrar as chaves — que me deixava inquieta.

— Mãe, por favor… — murmurou ele, tentando evitar mais uma discussão. Mas eu não consegui calar-me.

— Olha para isto! A mesa cheia de migalhas, os brinquedos do cão espalhados pelo corredor… E tu sempre gostaste de tudo impecável! — atirei, sem pensar nas consequências.

Emily parou por um segundo. Vi-lhe os ombros caírem. Ela não disse nada, mas o silêncio dela foi mais pesado do que qualquer resposta.

A verdade é que nunca consegui aceitar totalmente a Emily. Sempre achei que o Francisco merecia alguém mais parecido connosco — alguém que soubesse receber visitas sem stress, que não se esquecesse dos aniversários da família, que não deixasse a roupa por passar durante dias. Mas ele parecia feliz, e eu tentei convencer-me de que o amor era suficiente.

Naquela tarde, enquanto fingíamos normalidade à volta da mesa, percebi que algo estava diferente. O Francisco estava distante, respondia com monossílabos. Emily sorria menos do que o habitual. Quando ela saiu para passear o cão, aproveitei para perguntar:

— O que se passa contigo? Estás estranho.

Ele hesitou antes de responder:

— Vou pedir o divórcio à Emily.

O chão fugiu-me dos pés. Durante anos critiquei aquela rapariga, mas nunca pensei que isto pudesse acontecer. Senti um nó na garganta.

— Tens a certeza? — perguntei, quase num sussurro.

— Não aguento mais, mãe. Somos demasiado diferentes. Eu tento… mas ela vive num mundo à parte. Eu preciso de ordem, de estabilidade. Ela… ela aceita tudo como vem. Não me julga quando chego tarde do trabalho ou quando estou maldisposto. Mas sinto-me sempre deslocado nesta casa.

Fiquei calada. Por dentro, uma parte de mim sentiu alívio — talvez agora ele encontrasse alguém “melhor”. Mas outra parte… outra parte viu nos olhos dele uma tristeza profunda.

Nos dias seguintes, tentei manter-me afastada do assunto. Mas a notícia espalhou-se pela família como fogo em mato seco. A minha irmã Clara ligou-me:

— Ouvi dizer que o Francisco vai divorciar-se! O que é que se passou?

— São incompatíveis — respondi, tentando soar neutra.

— Achas mesmo? Ou será que tu nunca aceitaste a Emily?

As palavras dela ficaram-me a ecoar na cabeça. Será que eu tinha alguma culpa? Será que as minhas críticas constantes tinham minado aquela relação?

O Francisco mudou-se para minha casa durante uns tempos. Vi-o definhar aos poucos: comia pouco, dormia mal, passava horas a olhar para o telemóvel sem fazer nada. Um dia, apanhei-o a ver fotografias antigas no computador — ele e a Emily na praia da Figueira da Foz, a rir como se nada mais importasse.

— Sentes falta dela? — perguntei.

Ele não respondeu logo.

— Sinto falta de como ela me fazia sentir… livre. Mas não consigo viver naquele caos.

Tentei animá-lo com os meus cozinhados preferidos dele: arroz de pato, bacalhau à Brás… Mas nada parecia chegar-lhe ao coração.

Entretanto, comecei a receber mensagens da Emily. Primeiro foram coisas práticas — contas para dividir, papéis para assinar. Depois vieram os desabafos:

“Eu sei que nunca fui aquilo que esperavas para o Francisco… Mas tentei ser boa mulher para ele.”

“Acha que algum dia vou ser suficiente para alguém?”

Li aquelas palavras e senti uma pontada de culpa tão forte que quase me faltou o ar.

Um dia, decidi ir visitá-la sem avisar. Toquei à campainha e ela abriu a porta com os olhos inchados de tanto chorar.

— Dona Teresa… não estava à espera…

— Posso entrar?

Sentámo-nos na sala desarrumada — livros empilhados no sofá, chávenas por lavar na mesa baixa. Pela primeira vez reparei nos detalhes: fotografias do Francisco espalhadas pela casa, bilhetes de concertos colados no frigorífico, um cachecol do Benfica pendurado na cadeira dele.

— Eu nunca fui boa com estas coisas… — começou ela. — A minha mãe também era assim desorganizada. Sempre achei que as pessoas deviam ser aceites como são.

Senti as lágrimas a quererem saltar-me dos olhos.

— Talvez eu tenha sido demasiado dura contigo…

Ela sorriu tristemente.

— Só queria ter sido suficiente para ele… e para si.

Ficámos ali sentadas em silêncio durante minutos intermináveis. Depois levantei-me e abracei-a pela primeira vez desde o casamento deles.

Quando voltei para casa nessa noite, encontrei o Francisco sentado à mesa da cozinha.

— Foste vê-la? — perguntou ele.

Assenti.

— Ela sente muito a tua falta.

Ele baixou os olhos.

— E tu? Sentes falta dela?

Ele ficou calado durante tanto tempo que pensei que não ia responder.

— Sinto falta de alguém que me aceitava como eu sou… mesmo quando nem eu próprio me aceito.

Os meses passaram devagar. O divórcio foi-se arrastando entre advogados e papéis frios. A família dividiu-se: uns achavam que era melhor assim; outros culpavam-me por nunca ter dado uma verdadeira oportunidade à Emily.

No Natal desse ano, fiz questão de convidar ambos para jantar cá em casa. O ambiente estava tenso; ninguém sabia bem como agir. Mas quando chegou a hora da sobremesa, vi-os trocarem um olhar cúmplice — daqueles que só quem já partilhou uma vida reconhece.

Depois do jantar, sentei-me sozinha na varanda com um copo de vinho na mão e deixei as lágrimas correrem livremente pela primeira vez em muitos anos.

Será que alguma vez conseguimos aceitar verdadeiramente quem é diferente de nós? Ou será que passamos a vida inteira a tentar mudar os outros para caberem no nosso mundo pequeno?

Talvez tenha sido tarde demais para mim e para eles… Mas será tarde demais para aprender a amar sem condições?