No Aniversário, Entre Sombras: O Meu Combate Pela Paz Familiar
— Não me olhes assim, Rui. Eu só quero que este aniversário seja como antes — disse eu, tentando controlar o tremor na voz enquanto ajeitava os talheres na mesa da sala. O cheiro do arroz de pato começava a invadir a casa, mas o aroma não conseguia disfarçar o frio que se instalara entre nós.
Rui, o meu filho, desviou o olhar para o telemóvel. — Mãe, já falámos sobre isto. A Milene faz parte da família agora. Tens de aceitar.
Aceitar. Como se fosse fácil. Desde que Rui trouxe Milene para casa, há três anos, tudo mudou. A nossa casa — aquela onde cresci e criei o meu filho sozinha depois do divórcio — deixou de ser o refúgio de sempre. Milene era educada, mas havia nela uma distância, um olhar de quem está sempre a medir palavras e gestos. Eu sentia-me uma intrusa na minha própria sala.
No primeiro aniversário que passámos juntas, tentei envolver Milene nos preparativos. — Milene, queres ajudar-me a fazer o bolo? — perguntei-lhe, sorrindo.
Ela respondeu com um sorriso curto: — Obrigada, Dona Teresa, mas prefiro não atrapalhar.
Dona Teresa. Nunca fui Teresa para ela, quanto mais mãe. E Rui? Ele parecia não notar nada disto. Ou talvez notasse e preferisse ignorar.
Naquela noite, depois do jantar, ouvi-os a discutir no quarto deles. As paredes finas deixavam passar tudo.
— A tua mãe não gosta de mim — dizia Milene, num tom baixo mas carregado de mágoa.
— Não digas isso. Ela só precisa de tempo — respondia Rui, mas soava mais cansado do que convicto.
Senti-me esmagada entre dois mundos: o do meu filho e o da mulher que ele escolhera amar. E eu? Onde ficava eu nesta equação?
Os meses passaram e as pequenas farpas do dia-a-dia foram-se acumulando. Um prato mal lavado, um comentário sobre a forma como ela arrumava as compras, o silêncio durante o jantar. Tudo era motivo para desconforto.
No Natal passado, tentei quebrar o gelo com um presente especial: um lenço de seda azul, igual ao que a minha mãe me dera quando casei. Milene abriu o embrulho e sorriu, mas percebi que era um sorriso forçado.
— Obrigada, Dona Teresa. É muito bonito.
Depois do jantar, fui apanhar ar à varanda. Oiço risos vindos da sala: Milene ao telefone com alguém da família dela. Senti-me ainda mais sozinha.
O Rui começou a chegar mais tarde a casa. Dizia que era trabalho, mas eu sabia que era para evitar os jantares tensos. Uma noite, esperei por ele na cozinha.
— Rui, precisamos de conversar.
Ele suspirou e sentou-se à minha frente.
— Mãe, eu amo-te. Mas amo a Milene também. Não posso escolher entre vocês.
As lágrimas vieram-me aos olhos sem pedir licença.
— Eu só queria que tudo fosse como antes…
Ele pegou-me nas mãos.
— Nada vai ser como antes. Mas pode ser bom à mesma, se tu quiseres.
Na véspera do meu aniversário deste ano, acordei cedo para preparar tudo: flores frescas na mesa, guardanapos de linho, o prato favorito do Rui. Mas sentia-me exausta antes mesmo de começar.
Milene apareceu na cozinha com uma caixa nas mãos.
— Dona Teresa… posso ajudar?
Olhei para ela surpreendida. Pela primeira vez vi hesitação nos olhos dela — ou seria vulnerabilidade?
— Claro que sim — respondi, tentando sorrir.
Trabalhámos lado a lado em silêncio durante alguns minutos. Depois ela falou:
— Sei que não foi fácil para si aceitar-me aqui. Também não foi fácil para mim… Sinto falta da minha mãe todos os dias.
Fiquei sem palavras. Nunca tinha pensado nisso: que talvez ela também se sentisse deslocada nesta casa cheia de memórias que não eram dela.
— Milene… eu só quero que o Rui seja feliz. E que esta casa volte a ser um lar para todos nós.
Ela assentiu e sorriu — desta vez com sinceridade.
O jantar correu melhor do que esperava. Houve risos à mesa e até Rui parecia mais leve. Quando chegou a hora do bolo, Milene trouxe-o à mesa comigo e cantámos os parabéns juntas.
No final da noite, enquanto arrumávamos a cozinha, Milene virou-se para mim:
— Obrigada por me deixar tentar outra vez.
Abracei-a sem pensar duas vezes. Senti finalmente um calor antigo a regressar àquela casa.
Agora escrevo estas linhas sentada na varanda onde tantas vezes chorei sozinha. Pergunto-me: quantas vezes nos fechamos no nosso próprio sofrimento sem ver o do outro? Será que é possível reconstruir uma família quando tudo parece perdido? Quero ouvir as vossas histórias — já sentiram isto também?