Nem Todas as Sogras São Más: “Agradeço à Minha Sogra Por Tentar Salvar o Nosso Casamento”
— Não aguento mais, mãe! — gritou a Sara, batendo com a porta do quarto, enquanto eu ficava parado no corredor, sentindo o peso de cada palavra. O eco da voz dela misturava-se com o choro abafado da minha sogra, Dona Teresa, que tentava esconder as lágrimas na cozinha. O cheiro do café queimado pairava no ar, misturado com o silêncio pesado que se instalara desde o funeral do Sr. António.
Nunca pensei que a morte de alguém pudesse abalar tanto uma casa. Eu e a Sara casámos há dois anos, cheios de sonhos e planos para o futuro. Vivíamos num pequeno apartamento em Almada, mas quando o sogro adoeceu, decidimos vir para cá, para Setúbal, ajudar a Dona Teresa. Era suposto ser temporário. Mas o tempo tem o estranho hábito de se arrastar quando a dor é grande.
No início, tentei ser o genro perfeito. Ajudava nas compras, fazia pequenas reparações na casa, acompanhava Dona Teresa ao cemitério. Mas nada parecia suficiente. A Sara fechou-se numa concha de tristeza e irritação. Passava horas trancada no quarto, ora a chorar, ora a discutir comigo por coisas mínimas: um prato fora do lugar, um comentário mal interpretado, um olhar mais demorado para o telemóvel.
Uma noite, enquanto lavava a loiça, Dona Teresa aproximou-se em silêncio. — O António era tudo para mim — murmurou ela, com a voz embargada. — Agora só me resta vocês. Não deixem que isto vos destrua.
Olhei para ela, sentindo-me impotente. — Dona Teresa, eu tento… mas a Sara não me ouve. Parece que me culpa por tudo.
Ela pousou a mão enrugada sobre a minha. — O luto é estranho, Jacó. Cada um sente à sua maneira. Não desistas dela.
Naquela noite, sentei-me ao lado da Sara na cama. — Amor, precisamos conversar.
Ela virou-se para o lado oposto. — Não tenho forças para isto agora.
— Eu também perdi alguém — insisti, tentando não deixar a voz tremer. — Não só o teu pai… mas também a ti.
Ela ficou em silêncio por longos minutos. Depois sussurrou: — Sinto-me sufocada aqui. Tudo me lembra o pai. E tu… tu tentas ajudar, mas parece que não percebes nada.
— Então explica-me! — pedi, quase desesperado.
O silêncio dela foi como uma parede entre nós.
Os dias seguintes foram um ciclo de rotinas pesadas: trabalho remoto para mim, idas ao supermercado para Dona Teresa, e Sara cada vez mais ausente. Uma tarde, cheguei mais cedo do trabalho e ouvi vozes na sala. Era Sara e Dona Teresa.
— Mãe, não quero que o Jacó fique aqui só por tua causa! — dizia Sara.
— Ele não está aqui por mim! Está aqui porque te ama! — respondeu Dona Teresa, com uma firmeza surpreendente.
— Amar? Ele nem me conhece mais…
Senti-me um intruso e recuei para o corredor. Mas Dona Teresa percebeu-me e chamou-me:
— Jacó, entra cá!
Entrei devagar, sentindo-me exposto.
— Vocês precisam falar um com o outro — disse ela. — Eu já perdi um marido. Não quero perder uma filha nem um genro.
Sara olhou-me nos olhos pela primeira vez em semanas. Vi ali raiva, tristeza e medo.
— Achas que isto ainda tem salvação? — perguntou ela.
— Só se quisermos os dois — respondi, sentindo uma esperança tímida nascer.
Naquela noite, Dona Teresa fez arroz doce — como fazia nos Natais felizes de outros tempos — e sentou-se connosco à mesa. Falámos dos tempos bons e maus, das saudades do Sr. António e dos sonhos adiados. Pela primeira vez em meses, rimos juntos.
Mas os problemas não desapareceram de um dia para o outro. A Sara começou a sair mais vezes sozinha; às vezes voltava tarde sem avisar. Uma noite, chegou com os olhos vermelhos e recusou-se a falar comigo. Senti um ciúme corrosivo crescer dentro de mim.
No dia seguinte, Dona Teresa chamou-me à cozinha:
— Jacó… não julgues a Sara tão depressa. Ela está perdida. Precisa de ti agora mais do que nunca.
— E se ela já não me quiser? — perguntei, com medo da resposta.
Dona Teresa sorriu tristemente:
— O amor é escolha diária. Eu escolhi perdoar muitas coisas ao António… e ele a mim. Vocês ainda têm tempo de escolher.
Nessa noite enfrentei a Sara:
— Preciso saber se ainda queres lutar por nós.
Ela chorou como nunca antes tinha visto. Abraçámo-nos no chão do corredor, entre lágrimas e promessas frágeis.
Com o tempo, começámos terapia de casal no centro de saúde local. Não foi fácil ouvir verdades duras nem admitir erros antigos. Mas Dona Teresa esteve sempre lá: ora com um chá quente ao fim do dia, ora com palavras sábias quando tudo parecia perdido.
Um ano depois da morte do Sr. António, mudámo-nos finalmente para um novo apartamento em Lisboa. A relação nunca voltou a ser igual — mas tornou-se mais honesta e madura. E Dona Teresa? Tornou-se minha confidente e amiga.
Hoje olho para trás e percebo: nem todas as sogras são más. Às vezes são elas que seguram os pedaços partidos de uma família.
Pergunto-me: quantas famílias se desmoronam porque ninguém tem coragem de pedir ajuda? E quantos preconceitos sobre sogras nos impedem de ver quem realmente está do nosso lado?