Nem era o príncipe que imaginei – A história de desilusão e renascimento de uma rapariga portuguesa
— Não percebes, mãe! Ele não é como tu pensas! — gritei, com a voz embargada, enquanto as lágrimas me queimavam o rosto. A minha mãe olhou-me com aquela expressão serena, mas firme, que sempre me irritava quando eu só queria gritar ao mundo a injustiça de tudo aquilo.
Foi naquela noite chuvosa de novembro que tudo desabou. O Miguel, com o seu sorriso fácil e cabelo desalinhado, era o sonho de todas as raparigas do liceu Camões. Eu, a Mariana, sempre fui a miúda discreta, aquela que passava despercebida nos corredores. Mas naquele outono, por algum milagre ou ironia do destino, ele reparou em mim. Começámos a falar depois das aulas de Filosofia — ele pedia-me os apontamentos, eu fingia que não estava nervosa. Quando me convidou para sair pela primeira vez, senti-me como se tivesse ganho o Euromilhões.
Durante semanas vivi num conto de fadas. As minhas amigas invejavam-me, os professores olhavam para mim com um novo respeito. O Miguel era atencioso, fazia-me rir, mandava mensagens até tarde. Mas havia sempre algo nele que me deixava inquieta: aquela maneira como olhava para as outras raparigas, os segredos sussurrados ao telemóvel, as respostas evasivas quando eu perguntava onde tinha estado.
A minha mãe via tudo. “O que começa torto, tarde ou nunca se endireita”, dizia ela, enquanto eu revirava os olhos e fugia para o meu quarto. Achava que ela não percebia nada do que era amar alguém até ao ponto de doer.
Mas naquela noite, tudo mudou. Recebi uma mensagem anónima no Instagram: uma foto do Miguel a beijar a Inês, a rapariga mais popular da escola. O chão fugiu-me dos pés. Liguei-lhe imediatamente, mas ele não atendeu. Senti-me ridícula, usada, traída.
No dia seguinte, tentei enfrentá-lo à porta da escola. Ele encolheu os ombros.
— Mariana, não compliques. Não prometi nada a ninguém.
As palavras dele bateram em mim como pedras. Senti-me pequena, invisível. As amigas afastaram-se — algumas por pena, outras porque nunca tinham gostado verdadeiramente de mim. Passei semanas a arrastar-me pelos corredores, sem vontade de comer ou estudar. A minha mãe tentava animar-me com bolos de laranja e chá quente, mas eu só queria desaparecer.
Uma noite, ouvi os meus pais a discutir na cozinha.
— Ela está a sofrer — dizia o meu pai. — Não achas que devíamos fazer alguma coisa?
— Ela precisa de tempo — respondeu a minha mãe. — E de perceber que há coisas que não se podem controlar.
Essas palavras ficaram comigo. Comecei a reparar em pequenas coisas: o carinho da minha avó quando me ligava todos os domingos; o meu irmão mais novo a deixar-me bilhetes engraçados na mochila; o cheiro do pão quente na padaria da esquina quando ia para as aulas.
Foi nessa altura que conheci o Tiago. Sentou-se ao meu lado numa aula de História porque “o lugar estava vago”. Era tímido, usava óculos e tinha um sorriso desajeitado. Começámos a falar sobre música — descobrimos que ambos adorávamos Rui Veloso e Silence 4. Ele nunca tentou impressionar-me; apenas ouvia quando eu precisava de falar e ria das minhas piadas secas.
Certa tarde, depois das aulas, fomos juntos ao miradouro de Santa Catarina. O sol punha-se sobre Lisboa e eu senti uma paz estranha dentro de mim.
— Sabes — disse ele — às vezes as pessoas magoam-nos porque não sabem ser melhores.
Olhei para ele e percebi que estava ali alguém que via para além das aparências.
Aos poucos fui recuperando a confiança em mim mesma. Voltei a estudar com afinco, inscrevi-me no grupo de teatro da escola (algo que sempre quis fazer mas nunca tive coragem) e comecei a sair mais com os meus amigos verdadeiros — aqueles que ficaram mesmo quando tudo parecia perdido.
O Miguel continuava a passear-se pelos corredores com o seu ar convencido, mas já não me doía vê-lo com outras raparigas. Percebi que aquilo que sentia por ele era mais uma necessidade de ser vista e aceite do que amor verdadeiro.
Uma noite, sentei-me à mesa da cozinha com a minha mãe.
— Tinhas razão — admiti em voz baixa. — Às vezes queremos tanto acreditar num conto de fadas que esquecemos quem somos.
Ela sorriu e apertou-me a mão.
— O importante é nunca deixares de te amar primeiro.
Hoje olho para trás e vejo como cresci com aquela dor. O Tiago tornou-se um grande amigo (e talvez algo mais), mas acima de tudo aprendi a valorizar as pequenas alegrias: um passeio à beira-rio ao fim da tarde, uma conversa sincera com quem nos entende, o conforto da família mesmo quando tudo parece desabar.
Pergunto-me muitas vezes: quantas vezes nos deixamos enganar pelas aparências? E será que precisamos mesmo de um príncipe encantado para sermos felizes? Gostava de saber se também já sentiram isto…