Não fui escolhida: Como a família do Tiago destruiu o nosso amor

— Não percebes, Sofia? Isto nunca vai resultar. — A voz do Tiago tremia, mas os olhos dele não fugiam dos meus. — Eles nunca vão aceitar-te.

O silêncio caiu pesado entre nós, abafando até o som dos carros na rua de Alfama. Eu sentia o coração a bater tão alto que parecia ecoar nas paredes do pequeno quarto que alugava desde que vim de Viseu para Lisboa. Tinha vinte e três anos, sonhos maiores do que o bairro onde cresci, e uma esperança teimosa de que o amor podia vencer tudo. Mas naquele momento, frente ao Tiago, percebi que talvez estivesse enganada.

Conheci o Tiago numa noite de verão, num arraial em Santa Catarina. Ele era diferente dos rapazes da minha terra: falava baixo, sorria com os olhos e tinha uma calma que me fazia sentir segura. Apaixonámo-nos depressa, com aquela intensidade ingénua de quem acredita que o mundo se dobra à nossa vontade. Mas a primeira vez que fui jantar a casa dos pais dele, percebi logo que não era bem-vinda.

A mãe dele, Dona Teresa, olhou-me de cima a baixo antes de me cumprimentar. O pai, Senhor Manuel, limitou-se a um aceno seco. A mesa estava posta com talheres de prata e guardanapos de linho, mas o ambiente era gelado. — Então, Sofia, os teus pais fazem o quê? — perguntou Dona Teresa, com um sorriso que não chegava aos olhos.

— O meu pai é motorista de autocarros e a minha mãe trabalha numa padaria — respondi, tentando manter a voz firme.

Ela assentiu, mas vi o julgamento a passar-lhe pelo rosto. O Tiago apertou-me a mão por baixo da mesa, mas eu já sabia: para eles, eu nunca seria suficiente.

Os meses seguintes foram uma luta constante. Sempre que o Tiago falava em mim aos pais, havia discussões. — Não percebes que ela não é do nosso meio? — ouvi Dona Teresa dizer-lhe uma vez, quando cheguei mais cedo e apanhei a conversa pela porta entreaberta. — O que é que ela te pode dar? Uma vida de dificuldades?

O Tiago defendia-me, mas eu via-o cada vez mais cansado. Os amigos dele começaram a afastar-se também. — Vais mesmo ficar com ela? — perguntava-lhe o João, um colega da faculdade. — Pensa bem no teu futuro.

Eu tentava não deixar que isso me afetasse. Trabalhava durante o dia numa loja de roupa e à noite estudava para acabar o curso de Psicologia. Sonhava abrir um consultório próprio, ajudar pessoas como eu, que sempre sentiram que não pertenciam a lado nenhum.

Mas as pressões aumentavam. O Senhor Manuel começou a ameaçar cortar o apoio financeiro ao Tiago se ele continuasse comigo. — Ou escolhes a família ou escolhes essa rapariga — disse-lhe uma noite, quando fomos jantar lá a casa para tentar apaziguar as coisas.

O jantar foi um desastre. Dona Teresa ignorou-me durante toda a refeição e só falava com o Tiago sobre viagens e negócios de família. No fim, quando me levantei para ajudar a arrumar a mesa, ela olhou-me nos olhos e disse baixinho:

— Não te iludas, Sofia. O Tiago vai perceber que isto não é para ti.

Saí dali a tremer. O Tiago veio atrás de mim para a rua.

— Desculpa… — murmurou ele, abraçando-me com força. — Eles não sabem o que dizem.

Mas eu sabia. Sabia que aquela luta estava a desgastar-nos aos dois.

Começámos a discutir por tudo e por nada. Eu sentia-me insegura, ele sentia-se dividido. Uma noite, depois de mais uma discussão sobre os pais dele, gritei:

— Porque é que não me defendes? Porque é que não és capaz de lhes dizer para me respeitarem?

Ele ficou calado muito tempo antes de responder:

— Porque são a minha família… E tu não sabes o que é crescer com aquela pressão.

Chorei sozinha nessa noite. Lembrei-me da minha mãe a dizer-me sempre para nunca baixar a cabeça por ninguém. Mas ali estava eu, a sentir-me pequena e indesejada.

As coisas pioraram quando comecei a procurar trabalho na área da Psicologia. Fui rejeitada em várias entrevistas porque não tinha experiência suficiente ou porque não conhecia as pessoas certas. O Tiago tentou animar-me:

— Não desistas agora. Um dia vais conseguir.

Mas eu sentia-me cada vez mais perdida.

Um sábado à tarde, fui ao café onde costumávamos ir estudar juntos e encontrei-o lá com a irmã dele, a Inês. Ela olhou para mim com aquele ar superior típico da família.

— Ainda andas por aqui? — perguntou ela, sem disfarçar o desdém.

O Tiago tentou intervir:

— Inês, por favor…

Mas ela continuou:

— Achas mesmo que isto vai dar em alguma coisa? O Tiago tem uma vida pela frente. Não vai desperdiçá-la por tua causa.

Saí dali sem dizer nada. Senti uma raiva surda crescer dentro de mim. Porque é que tinha de ser sempre eu a lutar? Porque é que o amor tinha de ser tão difícil?

Nessa noite, liguei à minha mãe em Viseu. Ela ouviu-me chorar ao telefone e disse:

— Filha, quem te ama não te faz sentir menos do que és.

As palavras dela ficaram-me na cabeça durante dias.

O Tiago começou a afastar-se. Dizia que precisava de tempo para pensar, que estava cansado das discussões constantes com os pais e comigo. Eu tentei compreender, mas sentia-me cada vez mais sozinha.

Uma noite chuvosa de novembro, ele apareceu no meu quarto sem avisar. Estava encharcado e com os olhos vermelhos.

— Não consigo mais — disse ele, quase num sussurro. — Amo-te… mas estou a destruir-me por dentro.

Sentei-me ao lado dele na cama e ficámos em silêncio muito tempo. Depois ele levantou-se e foi embora sem olhar para trás.

Os dias seguintes foram um vazio imenso. Ia trabalhar como um autómato e chorava todas as noites até adormecer. Os amigos tentaram animar-me, mas eu sentia que tinha perdido tudo.

Meses depois, soube pelo Facebook que o Tiago estava noivo de uma rapariga do círculo dos pais dele. Vi as fotos do noivado: sorrisos perfeitos, família reunida à volta da mesa farta… tudo aquilo que eu nunca tive.

Voltei a Viseu durante uns tempos para me recompor. A minha mãe abraçou-me forte quando cheguei:

— Um dia vais encontrar alguém que te escolha acima de tudo — disse ela.

Hoje vivo sozinha em Lisboa e finalmente consegui trabalho numa clínica pequena. Ainda penso no Tiago às vezes, mas já não dói como antes. Aprendi que o amor próprio é mais importante do que qualquer aprovação alheia.

Pergunto-me muitas vezes: quantas pessoas já perderam o amor das suas vidas por causa das expectativas dos outros? Será que algum dia vamos aprender a escolher por nós próprios?