Não corras, Mariana: a felicidade não foge – A fuga de uma noiva da família sufocante do seu noivo

— Mariana, não te esqueças que amanhã tens de ir ao cabeleireiro com a tua sogra. E vê lá se não te atrasas, ela detesta esperar! — A voz da minha mãe ecoava pela cozinha, misturada com o cheiro do café acabado de fazer e o tilintar das chávenas.

Apertei o pano das mãos com força. O nó no estômago já era habitual. Desde que aceitei casar-me com o Miguel, parecia que a minha vida tinha deixado de me pertencer. Tudo era decidido por outros: o vestido, as flores, até a música da cerimónia. A família dele, os Soares, eram conhecidos na vila por serem tradicionais e controladores. E eu? Eu era só a rapariga que teve a sorte — ou o azar — de ser escolhida para fazer parte daquele clã.

Na noite anterior, tinha ouvido a mãe do Miguel dizer à minha mãe:

— A Mariana tem de aprender como se faz numa família séria. Aqui não há espaço para modernices.

Lembrei-me de como me senti pequena, encolhida na cadeira da sala, enquanto as duas discutiam detalhes do casamento como se eu fosse uma peça de porcelana sem vontade própria. O Miguel? Limitava-se a sorrir e a concordar com tudo.

Na manhã seguinte, acordei com o coração aos pulos. O telefone tocou:

— Mariana? É a Dona Teresa. Não te esqueças que hoje vamos escolher os brincos. Quero algo discreto, nada dessas coisas modernas que agora se usam. — A voz dela era fria, cortante.

— Sim, Dona Teresa. — Respondi, engolindo em seco.

Quando desliguei, olhei-me ao espelho. Quem era aquela rapariga de olhos tristes? Onde estava a Mariana que sonhava ser fotógrafa, viajar pelo mundo, rir alto sem pedir desculpa?

O Miguel apareceu à porta do quarto:

— Estás pronta? A minha mãe não gosta de esperar.

Olhei para ele. Tão bonito, tão correto… mas tão distante. Senti vontade de gritar:

— Miguel, tu amas-me mesmo ou amas a ideia de mim encaixada na tua família?

Mas calei-me. Como sempre.

No carro, o silêncio era pesado. Tentei puxar conversa:

— Lembras-te quando fomos acampar ao Gerês? Como rimos naquela noite à chuva?

Ele sorriu, mas logo desviou o olhar:

— Agora temos de ser adultos, Mariana. A minha mãe só quer o melhor para nós.

O melhor para nós… ou para ela?

Na ourivesaria, Dona Teresa escolheu uns brincos minúsculos.

— Discretos e elegantes. Não quero exageros na igreja.

Sorri sem mostrar os dentes. Por dentro, gritava.

À noite, sentei-me na varanda com o meu pai. Ele olhou-me nos olhos:

— Estás feliz, filha?

Quis dizer-lhe tudo: que me sentia presa, que tinha medo de perder quem era, que já não sabia se amava o Miguel ou só tinha medo de ficar sozinha. Mas limitei-me a encolher os ombros.

— Estou cansada, pai.

Ele pousou a mão na minha:

— Não te esqueças que a tua vida é tua. Não deixes ninguém decidir por ti.

Na véspera do casamento, acordei com uma sensação estranha. O vestido pendurado no armário parecia um uniforme de guerra. A casa estava cheia de gente: tias, primas, vizinhas. Toda a gente falava alto, dava palpites.

— Mariana, já escolheste as leituras para a missa?
— Mariana, não te esqueças do ramo!
— Mariana, tens de sorrir mais!

Fugi para o jardim. Sentei-me junto ao limoeiro e chorei baixinho. Senti alguém aproximar-se: era a minha irmã mais nova, a Inês.

— Mana… tu não tens de fazer isto se não quiseres.

Olhei para ela, tão nova e já tão lúcida.

— E se eu fugir? — sussurrei.

Ela sorriu:

— Então foge. Eu ajudo-te.

Naquela noite não dormi. Revirei-me na cama, ouvi os risos das mulheres na sala e as vozes dos homens no quintal. Senti-me sozinha no meio da multidão.

De manhã, vesti o vestido branco com mãos trémulas. Olhei-me ao espelho: parecia uma boneca vestida para agradar aos outros.

A caminho da igreja, o carro parecia um caixão em movimento. O meu coração batia tão alto que pensei que todos ouviam.

Quando cheguei à porta da igreja e vi Dona Teresa à espera — impecável, controladora — percebi que não podia entrar ali.

Virei-me para o meu pai:

— Pai… não consigo.

Ele olhou-me nos olhos e sorriu triste:

— Então vamos embora, filha.

Saímos dali sem olhar para trás. Ouvi os murmúrios das pessoas, os gritos abafados da família Soares. Mas naquele momento só importava uma coisa: eu estava livre.

Fugi com o meu pai e a minha irmã para casa da minha avó em Viseu. Passei semanas a chorar e a rir ao mesmo tempo. Recebi mensagens furiosas do Miguel e da família dele; ouvi boatos na vila; perdi amigas que achavam que eu tinha enlouquecido.

Mas aos poucos fui recuperando quem era. Voltei a pegar na máquina fotográfica. Viajei sozinha até ao Porto e fotografei desconhecidos nas ruas. Senti o vento na cara e percebi que ainda sabia sorrir sem pedir licença.

Hoje olho para trás e pergunto-me: quantas Marianas continuam presas em vidas que não escolheram? Quantas fogem? Quantas ficam?

E vocês? Já tiveram coragem de fugir quando toda a gente esperava que ficassem?