“Mãe, por favor, não faças isto comigo” – O drama de uma nora portuguesa entre quatro paredes

— Mãe, por favor, não faças isto comigo outra vez! — sussurrei, tentando controlar a voz para não acordar o Tiago. A minha sogra, Dona Lurdes, olhou-me com aquele olhar de mártir que já conhecia tão bem, os olhos semicerrados, a mão pousada teatralmente no peito.

— Eu? Eu só quero um pouco de atenção nesta casa. Desde que cá estou, parece que sou um peso morto — respondeu ela, com um suspiro profundo, como se carregasse o mundo inteiro nos ombros frágeis.

Era meia-noite. O relógio da sala marcava cada segundo como uma sentença. O Tiago dormia no quarto ao lado, alheio ao que se passava entre mim e a mãe dele. Desde que Dona Lurdes veio viver connosco, há seis meses, a nossa vida transformou-se num campo de batalha silencioso. No início, pensei que seria temporário — ela tinha caído e partido o braço, precisava de ajuda. Mas o braço sarou há muito e ela continuava ali, cada vez mais presente, cada vez mais exigente.

No início, até me senti útil. Preparava-lhe o pequeno-almoço, levava-lhe o chá à cama, ouvia as histórias da juventude dela em Trás-os-Montes. Mas rapidamente percebi que Dona Lurdes não queria apenas companhia; queria ser o centro do nosso universo. Começou com pequenas coisas: queixas de dores que nunca passavam, pedidos de atenção quando eu estava ocupada com o trabalho ou com o meu filho pequeno, o Martim.

— Filha, não te importas de me massajar as costas? Hoje acordei tão mal… — pedia ela quase todos os dias.

E eu ia. Ia sempre. Porque era a mãe do Tiago, porque me ensinaram a respeitar os mais velhos. Mas cada vez que me sentava ao lado dela, sentia o peso da obrigação e não do carinho.

As coisas pioraram quando comecei a notar que Dona Lurdes só se queixava quando o Tiago estava em casa. Quando estávamos sozinhas, era capaz de passar horas a ver novelas ou a mexer no telemóvel. Mas bastava ouvir a chave na porta para começar:

— Ai, Tiago! Hoje quase não me levantei da cama… Esta casa é tão fria…

O Tiago corria para ela, preocupado.

— Mãe, queres que te leve ao hospital? — perguntava ele.

Eu tentava explicar-lhe:

— Tiago, ela esteve bem o dia todo… até ajudou-me a pôr a roupa a secar.

Ele olhava para mim com desconfiança.

— Achas mesmo que ela ia fingir? É a minha mãe!

E eu sentia-me pequena. Sentia-me má pessoa por duvidar da dor dela. Mas sabia o que via. Sabia o que sentia.

Com o tempo, comecei a evitar estar em casa. Ficava mais tempo no trabalho, inventava idas ao supermercado só para respirar fundo e não explodir. Mas Dona Lurdes era incansável na sua missão de ser indispensável e vítima ao mesmo tempo.

Uma noite, depois de mais uma discussão silenciosa à mesa do jantar — ela a suspirar e eu a tentar ignorar — fui ter com o Tiago ao quarto.

— Tiago, precisamos de falar. Isto não pode continuar assim. Sinto-me uma estranha na minha própria casa.

Ele suspirou.

— Não sei o que queres que faça. Ela não tem para onde ir.

— Não é isso! Eu só quero que percebas que ela está a manipular-te. Ela não está assim tão doente como diz…

Ele levantou-se da cama, irritado.

— Chega! Não vou ouvir mais isto. Se tens problemas com a minha mãe, resolve-os tu.

Fiquei ali parada, sozinha no corredor escuro, com vontade de gritar. Mas não gritei. Fui até ao quarto do Martim e sentei-me ao lado dele enquanto dormia. Passei-lhe a mão pelo cabelo e chorei baixinho para não acordá-lo.

Os dias seguintes foram um arrastar de silêncios e pequenas guerras frias. Dona Lurdes fazia questão de me lembrar todos os dias do sacrifício que era viver ali:

— Quando eu morrer é que vão dar valor ao que faço por esta família…

E eu mordia a língua para não responder. Sentia-me presa numa armadilha sem saída: se cuidava dela era porque era minha obrigação; se me afastava era porque era insensível.

Uma tarde de domingo, enquanto preparava o almoço, ouvi Dona Lurdes ao telefone na sala:

— Ai filha, nem imaginas… Aqui ninguém me liga nenhuma. Sinto-me tão sozinha…

Fiquei gelada. Ela estava a falar com a irmã do Tiago, a Rita, que vivia em Lisboa e raramente nos visitava. No dia seguinte recebi uma mensagem da Rita:

— O que se passa aí em casa? A mãe diz que andas a tratá-la mal…

Respirei fundo e respondi:

— Rita, vem cá passar uns dias e vê por ti própria.

Ela veio. E durante três dias Dona Lurdes foi outra pessoa: animada, prestável, cheia de energia. No último dia da visita, Rita chamou-me à cozinha.

— A mãe está ótima! Não percebo porque é que diz aquelas coisas…

Olhei para ela com lágrimas nos olhos.

— Porque ela precisa de atenção. E eu já não sei como lidar com isso sem perder quem sou.

Rita abraçou-me e prometeu falar com o Tiago. Mas nada mudou realmente. Ele continuava preso à culpa de filho único; eu continuava presa à culpa de nora insuficiente.

O Martim começou a perguntar porque é que eu chorava à noite. Disse-lhe que era só cansaço, mas ele sabia que era mais do que isso.

Uma noite ouvi Dona Lurdes rezar baixinho no quarto dela:

— Senhor, dá-me forças para aguentar esta cruz…

E eu pensei: qual cruz? A dela ou a minha?

No Natal desse ano tentei fazer as pazes com tudo isto. Preparei uma ceia bonita, pus música alegre e tentei esquecer as mágoas. Mas bastou um comentário dela sobre o bacalhau estar salgado para tudo voltar ao mesmo.

No fim da noite sentei-me sozinha na varanda gelada e olhei para as luzes da cidade. Perguntei-me quanto tempo mais conseguiria viver assim: dividida entre o amor pelo Tiago e o desgaste diário daquela convivência tóxica.

Hoje escrevo estas palavras sem saber se amanhã terei coragem de mudar alguma coisa. Mas deixo esta pergunta no ar: quantas mulheres vivem presas entre paredes invisíveis construídas pela família? E até onde devemos ir por amor antes de nos perdermos completamente?