Mãe, por favor, ajuda-me! – Sozinha com três filhos na realidade portuguesa

— Mãe, por favor, ajuda-me! — gritei ao telefone, a voz embargada de desespero, enquanto o pequeno Tomás chorava no meu colo e a Leonor puxava-me pela saia, pedindo atenção. O Miguel, o mais velho, estava sentado no sofá, olhos fixos na televisão, mas eu sabia que ele ouvia cada palavra. — Só preciso que fiques com eles uma tarde. Só hoje, mãe. Por favor.

Do outro lado da linha, a resposta foi seca, quase cruel:

— Já te disse que não posso, Sofia. Tenho a minha vida. Não posso estar sempre a resolver os teus problemas.

Desliguei antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa. Senti o peito apertar-se, como se o ar me faltasse. Desde que o João morreu naquele acidente estúpido de mota há oito meses, tudo se tornou uma luta constante. As noites eram longas e frias, e os dias pareciam intermináveis. O trabalho no supermercado era extenuante; as horas nunca chegavam para tudo. E agora, sem ninguém para me ajudar com as crianças, sentia-me a afundar.

A Leonor começou a chorar também. Sentei-me no chão da cozinha, puxei os três para junto de mim e abracei-os com força. — Vai correr tudo bem — menti-lhes baixinho, tentando convencer-me a mim própria.

O Miguel olhou-me nos olhos:

— Mãe, porque é que a avó não gosta de nós?

Senti um nó na garganta. Como explicar a uma criança de oito anos que os adultos também têm falhas? Que às vezes o amor não chega para vencer o cansaço ou a amargura?

— A avó gosta de vocês, filho. Só está cansada — respondi, mas nem eu acreditava nas minhas palavras.

Naquela noite, depois de adormecer os miúdos — Tomás com a chupeta meio caída da boca, Leonor agarrada ao meu braço como se tivesse medo que eu desaparecesse também — sentei-me à mesa da cozinha e olhei para as contas espalhadas. A renda estava atrasada. A luz ameaçava ser cortada. O frigorífico quase vazio. O salário mal chegava para tudo.

Peguei no telemóvel e escrevi uma mensagem ao meu chefe:

“Preciso de sair mais cedo amanhã para levar o Tomás ao médico. Pode ser?”

A resposta veio rápida:

“Impossível. Estamos sem pessoal. Preciso de ti até ao fecho.”

Fechei os olhos e senti as lágrimas escorrerem-me pelo rosto. Não podia perder aquele emprego. Mas também não podia deixar o meu filho doente sem cuidados.

No dia seguinte, acordei antes do sol nascer. Preparei pequenos-almoços apressados, vesti os miúdos e levei-os à escola pública do bairro — uma escola onde todos sabiam da minha situação, mas poucos se ofereciam para ajudar.

A educadora da Leonor chamou-me à parte:

— Sofia, a Leonor anda muito calada… Está tudo bem em casa?

Sorri o melhor que pude:

— Está sim… Só tem saudades do pai.

Ela pousou uma mão no meu ombro:

— Se precisares de alguma coisa…

Agradeci, mas sabia que era só uma frase feita. Ninguém quer realmente envolver-se nos problemas dos outros.

No trabalho, tentei concentrar-me nas prateleiras e nos clientes impacientes. Mas a cabeça estava longe: no Tomás com febre, na Leonor triste, no Miguel cada vez mais fechado em si mesmo.

Quando cheguei a casa ao fim do dia, encontrei a Leonor sentada no chão do corredor, abraçada ao urso de peluche do irmão.

— O Miguel bateu-me — disse ela baixinho.

Fui ter com o Miguel ao quarto. Estava deitado na cama, de costas para mim.

— Filho…

Ele não respondeu.

— Miguel, fala comigo…

— Porque é que o pai morreu? — perguntou ele finalmente, num sussurro.

Sentei-me ao lado dele e abracei-o com força.

— Não sei, amor… Não sei…

Chorámos juntos durante muito tempo.

Os dias passaram assim: trabalho, escola, contas por pagar, discussões entre irmãos e silêncios pesados à mesa do jantar. A minha mãe continuava distante; os meus sogros tinham-se afastado depois do funeral do João — nunca gostaram muito de mim e agora parecia que me culpavam por tudo.

Uma tarde, recebi uma carta do banco: se não pagasse duas rendas em atraso até ao fim do mês, teríamos de sair da casa onde os meus filhos nasceram.

Senti o chão fugir-me dos pés. Liguei à minha mãe outra vez:

— Mãe… por favor…

Desta vez nem atendeu.

No dia seguinte, fui falar com a assistente social da junta de freguesia. Expliquei-lhe tudo: o salário miserável, as crianças pequenas, a falta de apoio familiar.

Ela olhou para mim com pena:

— Sofia… há muitas mães como tu. Fazemos o que podemos… Vou tentar arranjar-te um subsídio temporário e ver se conseguimos uma vaga numa creche gratuita para o Tomás.

Agradeci-lhe com lágrimas nos olhos. Era pouco, mas era alguma coisa.

Nessa noite sonhei com o João. Ele sorria-me do outro lado da rua e acenava-me com a mão. Acordei com o coração apertado e uma saudade impossível de explicar.

No fim do mês consegui pagar metade da renda graças ao subsídio da junta e à ajuda de uma vizinha idosa que me emprestou algum dinheiro. Mas continuava tudo por um fio.

Uma tarde chuvosa, enquanto esperava pelo autocarro com os miúdos encharcados e cansados depois da escola, encontrei a minha mãe por acaso na rua. Ela olhou para mim como se eu fosse uma estranha.

— Mãe… — comecei eu.

Ela suspirou:

— Sofia… não posso carregar os teus problemas às costas toda a vida! Eu também sofri quando o teu pai morreu! Tive de me desenrascar sozinha!

Senti raiva e tristeza ao mesmo tempo:

— Mas eu sou tua filha! São teus netos!

Ela encolheu os ombros e afastou-se sem olhar para trás.

Naquela noite escrevi uma carta ao João. Não sabia bem porquê; talvez porque precisava de falar com alguém que me entendesse realmente.

“João,
Sinto tanto a tua falta. Sinto-me tão sozinha… Os miúdos perguntam por ti todos os dias. A Leonor chora à noite; o Miguel está zangado com o mundo; o Tomás só quer colo. Eu tento ser forte por eles — mas às vezes sinto que vou desabar. A minha mãe não me ajuda; os teus pais desapareceram; os amigos sumiram-se depois do funeral. Só queria um abraço teu.”

Guardei a carta numa gaveta e fui ver os miúdos dormir. Fiquei ali muito tempo a olhar para eles — tão pequenos e tão frágeis — e prometi-lhes em silêncio que nunca desistiria deles.

Os meses passaram devagarinho. Fui aprendendo a pedir ajuda onde podia: à vizinha do lado para ficar com o Tomás quando tinha consultas; à professora do Miguel para lhe dar explicações grátis; à assistente social para me orientar nos papéis e subsídios.

A vida nunca ficou fácil — mas aprendi a sobreviver um dia de cada vez.

Hoje olho para trás e pergunto-me: quantas mulheres vivem assim em silêncio? Quantas mães lutam sozinhas sem ninguém saber? Será que algum dia vamos conseguir quebrar este ciclo de solidão e indiferença?