“Mãe, não quero que estragues a minha forma de educar o Tomás”: Só queria dar um pouco de carinho ao meu neto

— Mãe, por favor, não lhe dês colo agora. Ele tem de aprender a adormecer sozinho. — A voz da Inês soou firme, quase fria, enquanto eu embalava o pequeno Tomás nos meus braços. O choro dele ainda ecoava nos meus ouvidos, e o meu coração apertava-se com cada soluço.

Olhei para a minha filha, tentando encontrar nos olhos dela aquela menina que eu embalei tantas noites, que adormecia no meu colo depois de um pesadelo. Mas ali estava uma mulher adulta, mãe do meu neto, com ideias tão diferentes das minhas. Senti-me deslocada, como se de repente não houvesse espaço para mim naquela casa que tantas vezes enchi de risos e histórias.

— Inês, ele só tem três meses… Está assustado, precisa de sentir que estamos aqui — tentei argumentar, baixinho, para não acordar ainda mais o bebé.

— Mãe, já falámos sobre isto. Eu e o Miguel decidimos seguir as recomendações da pediatra. Não quero que estragues a nossa forma de educar o Tomás. — O olhar dela era duro, mas percebi um tremor na voz. Talvez também lhe doesse dizer aquilo.

Apertei Tomás contra o peito mais um instante antes de o pousar no berço. O choro dele aumentou, e eu tive de me controlar para não voltar a pegá-lo. Saí do quarto com as mãos a tremer e sentei-me na sala, sentindo um vazio enorme.

Lembrei-me dos tempos em que eu própria era mãe jovem, cheia de dúvidas e medos. A minha mãe, a avó Rosa, era diferente: entrava pela casa dentro com sacos de laranjas e bolos caseiros, pegava nos meus filhos sem pedir licença e dizia sempre: “Deixa estar, filha, eles precisam é de mimo.” Eu irritava-me às vezes, mas no fundo sabia que ela só queria ajudar.

Agora era eu quem queria ajudar. Só queria dar um pouco de carinho ao meu neto, mostrar-lhe que o mundo pode ser suave e acolhedor. Mas parece que hoje tudo é diferente: há regras para tudo, livros sobre parentalidade positiva, grupos no WhatsApp onde se discutem métodos e rotinas como se fossem fórmulas matemáticas.

O Miguel entrou na sala e sentou-se ao meu lado. — Não leves a mal a Inês… Ela anda cansada. E tu sabes como ela gosta de fazer tudo certinho.

Assenti em silêncio. Ouvia-se ainda o choro abafado do Tomás no quarto. Senti uma lágrima escorrer-me pela face. — Só queria ajudar…

— Eu sei — disse ele, pousando uma mão no meu ombro. — Mas às vezes ela precisa de sentir que tem o controlo.

Fiquei ali sentada durante minutos intermináveis. Lembrei-me dos meus próprios erros como mãe: das vezes em que gritei sem querer, das noites em claro, das dúvidas que me consumiam. Será que também fui dura com a minha mãe? Será que alguma vez lhe disse para não interferir?

No dia seguinte, acordei cedo e preparei um pequeno-almoço especial: pão quente, compota de abóbora feita por mim, sumo de laranja acabado de espremer. Queria mostrar à Inês que ainda podia ser útil.

Quando ela entrou na cozinha com o Tomás ao colo — finalmente calmo — sorriu-me timidamente.

— Obrigada pelo pequeno-almoço, mãe.

— De nada, filha. — Sorri-lhe de volta, mas sentia um nó na garganta.

Passaram-se semanas assim: eu a tentar encontrar o meu lugar nesta nova família, sempre com medo de fazer demais ou de fazer de menos. Um dia, ao ir buscar Tomás à creche — porque a Inês ficou presa no trânsito — encontrei-o a chorar no berço da sala dos bebés. A educadora disse-me que ele estava cansado e precisava de dormir sozinho.

Mas naquele momento não consegui resistir: peguei nele ao colo e cantei-lhe baixinho uma canção antiga que a minha mãe me cantava. Ele acalmou-se quase instantaneamente e adormeceu encostado ao meu peito.

Quando cheguei a casa com ele ainda a dormir nos meus braços, a Inês olhou para mim com um misto de cansaço e alívio.

— Dormiu no teu colo? — perguntou ela.

Assenti, esperando uma repreensão. Mas ela apenas suspirou e disse:

— Às vezes também me apetece fazer isso… mas depois sinto-me culpada.

Aproximei-me dela e toquei-lhe na mão.

— Filha, ser mãe é difícil. Não há receitas perfeitas. Eu também errei muito…

Ela olhou para mim com os olhos marejados.

— Tenho medo de falhar…

— Todos temos — respondi. — Mas o amor nunca é demais.

Nesse dia senti que talvez houvesse esperança para nós as duas. Que talvez pudéssemos encontrar um equilíbrio entre as regras modernas e o carinho antigo.

Mas nem tudo ficou resolvido. Poucos dias depois houve uma discussão feia ao jantar: eu dei sopa ao Tomás antes da hora habitual porque ele estava cheio de fome e chorava sem parar. A Inês levantou-se da mesa e gritou:

— Mãe! Já te pedi mil vezes para respeitares as nossas rotinas! Não percebes que assim baralhas tudo?

O Miguel tentou acalmar os ânimos, mas eu já estava magoada demais para responder. Saí da sala e fui chorar para o quarto de hóspedes.

Nessa noite quase fiz as malas para voltar para minha casa em Coimbra. Senti-me indesejada, inútil… Como se todo o amor que tinha para dar fosse agora um fardo.

No dia seguinte preparei-me para sair cedo sem acordar ninguém. Mas quando cheguei à porta encontrei a Inês à minha espera.

— Mãe… desculpa por ontem — disse ela baixinho. — Eu só quero fazer tudo bem feito… mas às vezes sinto-me tão perdida.

Abracei-a com força. Senti-a tremer nos meus braços como quando era pequena.

— Não tens de fazer tudo sozinha, filha.

Ela chorou baixinho durante minutos intermináveis.

Desde esse dia começámos a conversar mais sobre as nossas diferenças: ela explicou-me os seus receios e eu contei-lhe das minhas saudades dos tempos antigos. Combinámos tentar encontrar um meio-termo: respeitar as rotinas do Tomás mas também permitir momentos de mimo quando ele precisasse.

Hoje olho para trás e vejo como é difícil ser avó neste tempo novo: queremos dar tudo do melhor aos nossos netos mas temos medo de invadir o espaço dos nossos filhos. Pergunto-me muitas vezes: será que existe mesmo uma forma certa de amar? Ou será que cada geração tem apenas de aprender a escutar a outra?

E vocês? Já sentiram este conflito entre querer ajudar e ter medo de magoar? Como encontraram o vosso lugar na família?