“Liga à Avó, Ela Vai Saber o Que Fazer!” – A Resposta de Dona Amélia Que Deixou os Burlões Sem Palavras
— Dona Amélia, a senhora precisa manter a calma. O seu neto, o Miguel, teve um acidente grave. Ele está no hospital e precisa de ajuda urgente. — A voz do outro lado da linha tremia, mas havia algo nela que me soava estranho, como se fosse demasiado ensaiada.
O telefone ainda vibrava na minha mão trémula. Olhei para o relógio da parede: dez da manhã. Tinha acabado de pousar a caneta do meu passatempo favorito, as palavras cruzadas, quando o mundo pareceu desabar sobre mim. O nome do Miguel ecoava na minha cabeça. O meu neto…
— O Miguel? Mas ele saiu de casa há pouco para ir trabalhar… — murmurei, tentando controlar o pânico que ameaçava tomar conta de mim.
— Sim, sim, foi agora mesmo. Ele pediu para não avisar ninguém, está muito envergonhado. Mas precisa que a senhora faça uma transferência para cobrir os danos do outro carro, senão ele vai preso! — insistiu a voz, agora mais apressada.
Senti o coração apertar. A imagem do Miguel, com o sorriso maroto e os olhos vivos, veio-me à memória. Mas algo não batia certo. O Miguel sempre me dizia: “Avó, se algum dia te ligarem a pedir dinheiro, não acredites. Liga-me primeiro.”
Respirei fundo. O medo misturava-se com uma raiva surda. Quantas vezes ouvira histórias de burlões a enganar idosos? Mas agora era comigo.
— Diga-me uma coisa — interrompi, tentando soar mais frágil do que me sentia —, qual é o nome completo do meu neto?
Houve um silêncio breve do outro lado.
— Miguel… Miguel Silva, não é?
Sorri por dentro. O meu neto chamava-se Miguel Ferreira.
— Pois… sabe que mais? Ligue à avó dele. Ela vai saber o que fazer! — respondi, com uma firmeza que nem eu sabia ter.
Do outro lado ouvi um palavrão abafado e a chamada caiu.
Fiquei ali sentada, com o telefone ainda na mão, o coração aos pulos. Senti as lágrimas a quererem cair, mas não deixei. Não agora.
Levantei-me devagar e fui até à janela da sala. Lá fora, o sol brilhava indiferente ao turbilhão dentro de mim. Vi a vizinha D. Rosa a regar as flores e pensei em quantas vezes ela me tinha avisado sobre estes golpes.
Peguei no telemóvel e liguei ao Miguel. Atendeu ao segundo toque:
— Avó? Está tudo bem?
A voz dele era música para os meus ouvidos.
— Está tudo bem, meu querido. Só queria ouvir a tua voz — respondi, tentando disfarçar a emoção.
— Aconteceu alguma coisa?
— Ligaram-me agora a dizer que tinhas tido um acidente…
— Outra vez? Já aconteceu ao pai da Sofia também! Não acredites nessas coisas, avó. Se alguém ligar assim, desliga logo ou liga-me primeiro.
— Eu sei, filho. Mas desta vez decidi brincar um bocadinho com eles…
O Miguel riu-se do outro lado.
— És terrível, avó!
Desliguei e sentei-me à mesa da cozinha. O cheiro do café ainda pairava no ar. Olhei para as fotografias dos meus filhos e netos na parede. Senti um misto de orgulho e tristeza. Orgulho por não ter caído na armadilha; tristeza por saber que há quem viva de enganar os outros.
A campainha tocou. Era a minha filha, Helena.
— Mãe! Estás bem? — perguntou assim que entrou, aflita.
— Estou, filha. Foi só mais uma tentativa de burla.
Ela sentou-se ao meu lado e pegou-me na mão.
— Isto está cada vez pior… Sabes que a vizinha do terceiro caiu numa dessas? Perdeu quase dois mil euros!
Assenti em silêncio. Lembrei-me de quando era jovem e os problemas pareciam outros: contas para pagar, filhos para criar, discussões com o meu marido António sobre coisas pequenas que hoje me parecem ridículas.
— Mãe… — começou a Helena — às vezes penso se não devíamos arranjar alguém para estar contigo durante o dia.
Senti uma pontada no peito. Era sempre assim: cada vez que algo acontecia, vinha esta conversa.
— Não preciso de ninguém! Ainda sou capaz de me desenrascar sozinha — respondi mais alto do que queria.
Helena suspirou.
— Eu sei… Mas fico preocupada. E se um dia não percebes que é burla? E se te acontece alguma coisa?
Levantei-me abruptamente e fui buscar um copo de água. Precisava de espaço para respirar.
— Filha, eu já vivi muita coisa nesta vida. Perdi o teu pai cedo demais, criei-vos sozinha, trabalhei até aos 70 anos para vos dar tudo o que podia. Não é agora que vou deixar que uns miúdos me enganem ao telefone!
Ela sorriu tristemente.
— Tens razão… Mas custa-me ver-te assim sozinha.
Olhei para ela e vi nos olhos dela o reflexo dos meus próprios medos: medo da solidão, medo de ser um peso para os outros, medo de perder a lucidez.
O silêncio instalou-se entre nós por uns segundos até que ela mudou de assunto:
— Olha, sabes quem vai casar? A Mariana! Aquela tua afilhada traquina!
Ri-me pela primeira vez naquele dia.
— Aquela menina? Ainda ontem andava aqui a correr atrás das galinhas!
Conversámos durante horas sobre tudo e nada: os netos, as novelas da noite, as saudades do António…
Quando ela saiu, fiquei sozinha outra vez. A casa parecia maior nestes momentos. Fui até ao quarto e sentei-me na cama onde tantas noites chorei em silêncio pela falta do meu marido.
Lembrei-me das discussões com o António sobre dinheiro — ele sempre tão desconfiado dos outros — e pensei em como ele teria lidado com esta situação hoje.
“Não confies em ninguém”, dizia ele sempre. “Só em ti mesma.”
Mas eu confiava nas pessoas. Sempre confiei. Talvez por isso tenha sido enganada algumas vezes na vida: pelo patrão que prometeu aumentos nunca dados; pela amiga que desapareceu quando mais precisei; até pelo próprio irmão quando dividimos a herança dos pais e ele ficou com quase tudo sem olhar para trás.
A vida ensinou-me a desconfiar sem perder a esperança nos outros. Hoje foi só mais uma prova disso.
No dia seguinte fui ao café da esquina tomar o pequeno-almoço como sempre fazia às quartas-feiras. O Sr. Joaquim estava lá com o jornal aberto:
— Então D. Amélia, ouvi dizer que ontem houve confusão lá em casa!
Sorri e contei-lhe tudo enquanto bebíamos café.
— Esses tipos deviam era ir trabalhar! — resmungou ele indignado.
A D. Rosa juntou-se à conversa:
— A minha irmã caiu numa dessas há dois meses! Ficou sem as poupanças todas…
Ouvimos histórias semelhantes durante toda a manhã: todos conheciam alguém que tinha sido alvo destes golpes.
No regresso a casa senti um peso nos ombros: não era só o medo dos burlões; era o peso da idade, da solidão imposta pelos tempos modernos em que os filhos trabalham longe e os netos têm sempre pressa.
À noite sentei-me à janela a ver as luzes da cidade acenderem-se devagarinho. Pensei em quantas Amélias há por aí: mulheres sós, fortes por fora mas frágeis por dentro; mulheres que já deram tudo à família e agora lutam para manter alguma dignidade num mundo cada vez mais impessoal.
Será que um dia vamos conseguir proteger os nossos idosos destes perigos? Ou será que cada um tem mesmo de aprender a defender-se sozinho?
Às vezes pergunto-me: quantas vezes mais terei de provar aos outros — e a mim mesma — que ainda sou capaz? E vocês? Também já sentiram este medo misturado com orgulho? Partilhem comigo as vossas histórias…