Lágrimas de Emoções Misturadas: “Não Consigo Viver Neste Caos. Disseste Que Eu Devia Mandar Nesta Casa”: Mãe Sai de Casa, Acusando Filha de Ingratidão
— Não consigo viver neste caos! Disseste que eu devia mandar nesta casa, Alexa, mas isto está insuportável! — gritou a minha mãe, com os olhos marejados de lágrimas, enquanto atirava as chaves para cima da mesa da cozinha.
Fiquei ali parada, com o coração a bater descompassado, sentindo o peso de cada palavra dela como se fossem pedras a cair-me em cima do peito. O cheiro do arroz queimado ainda pairava no ar, misturado com o perfume forte da minha mãe — aquele Chanel que ela usava desde sempre, como se fosse uma armadura contra o mundo.
— Mãe, por favor… — tentei dizer, mas ela já estava a calçar os sapatos à pressa, os movimentos bruscos denunciando a raiva e o cansaço acumulados.
— Não! Já chega! — interrompeu-me. — Sempre fiz tudo por ti. Dei-te tudo do melhor. E agora? Agora sou eu a ingrata? A má da fita? — A voz dela tremia, mas havia uma dureza ali que me assustava. — Se queres tanto ser dona da tua vida, força. Fica com a casa. Fica com tudo. Eu vou embora!
Ouvi a porta bater com força e só então percebi que estava a tremer. Sentei-me à mesa, olhando para as mãos — as mesmas mãos que tantas vezes ela segurou quando eu era pequena, quando ainda acreditava que o amor era simples e incondicional.
A verdade é que nunca foi simples. Desde criança, vivi numa casa onde tudo era do melhor: os brinquedos mais caros, as roupas importadas, os colégios privados. As minhas amigas invejavam-me — menos a Vivian. Lembro-me de um dia no recreio, ela olhar para mim com aqueles olhos castanhos sérios e dizer:
— Não te invejo nada, Alexa. Com pais assim, deve ser um inferno. Eles controlam tudo, não é?
Na altura, não respondi. Não sabia como explicar que cada escolha minha era na verdade uma escolha deles. Que até o meu quarto cor-de-rosa tinha sido decidido pela minha mãe porque “fica bem nas fotografias”.
O meu pai era mais ausente, sempre ocupado com o escritório de advogados no centro de Lisboa. Mas a minha mãe… Ela estava sempre presente. Demasiado presente. Sabia as notas de todos os meus testes antes de mim, escolhia as minhas amigas, decidia se eu podia ir às festas ou não.
Quando entrei na faculdade de Direito — claro, porque “é o curso dos inteligentes”, dizia ela — achei que finalmente ia conquistar alguma liberdade. Mas enganei-me. Ela ligava-me todos os dias, perguntava com quem estava, o que ia almoçar, se já tinha estudado para os exames.
O pior foi quando conheci o Miguel. Ele era diferente de todos os rapazes que ela queria para mim: filho de um pequeno comerciante do bairro da Graça, estudava Belas-Artes e tinha tatuagens nos braços. Apaixonei-me perdidamente por ele e pela sensação de ser finalmente vista por alguém sem expectativas ou exigências.
Quando contei à minha mãe sobre o Miguel, ela ficou em silêncio durante uns segundos — o suficiente para eu perceber que vinha tempestade.
— Alexa, tu tens noção do que estás a fazer à tua vida? Achas mesmo que um rapaz desses te vai dar estabilidade? — perguntou ela, fria como gelo.
— Mãe, eu gosto dele. Ele faz-me feliz.
— Felicidade não paga contas! — atirou ela. — E depois não digas que não te avisei quando tudo correr mal.
A partir desse dia, as discussões tornaram-se rotina. O Miguel tentava apoiar-me, mas eu sentia-me dividida entre dois mundos: o dele, livre e caótico; e o da minha mãe, rígido e previsível.
As coisas pioraram quando decidi sair de casa para viver com o Miguel num pequeno apartamento em Arroios. A minha mãe fez um escândalo:
— Vais trocar isto — apontando para a nossa sala cheia de móveis antigos e tapetes persas — por um T1 minúsculo? Vais trocar conforto por incerteza?
— Vou trocar controlo por liberdade! — respondi-lhe num impulso.
Ela chorou nesse dia como nunca a tinha visto chorar. O meu pai limitou-se a dizer “a tua mãe só quer o melhor para ti”, mas nunca tomou partido.
Os meses seguintes foram duros. O Miguel trabalhava em part-time num café enquanto tentava vender quadros; eu estudava e fazia estágios não remunerados. O dinheiro era pouco e as discussões começaram a surgir também entre nós: sobre contas por pagar, sobre sonhos adiados.
A minha mãe ligava menos vezes, mas quando ligava era só para perguntar se já estava arrependida.
— Ainda achas que fizeste bem? — perguntava ela num tom quase triunfante.
Eu dizia sempre que sim, mesmo quando tinha dúvidas.
Um dia, depois de uma discussão feia com o Miguel sobre dinheiro (ele queria vender um quadro para pagar a renda; eu achava que era demasiado importante para ele), sentei-me sozinha na varanda e chorei como há muito não chorava. Senti falta da minha mãe — não da controladora, mas daquela que me fazia chá quando eu estava doente ou me contava histórias antes de dormir.
Foi nesse dia que decidi ligar-lhe:
— Mãe… — disse eu, hesitante.
Ela ficou em silêncio durante uns segundos antes de responder:
— Precisas de dinheiro?
— Não… Preciso de ti.
O silêncio dela foi ainda mais pesado do que qualquer grito.
Voltámos a falar mais vezes depois disso, mas nunca como antes. Havia sempre uma distância entre nós — como se tivéssemos medo de nos magoar outra vez.
Até àquela noite fatídica em que ela apareceu em minha casa para jantar. Tentei fazer tudo perfeito: arroz de pato (a receita dela), vinho bom (o preferido dela), até pus a mesa com o serviço especial.
Mas bastou um comentário dela sobre “a desarrumação” do apartamento para tudo desabar:
— Não consigo viver neste caos! Disseste que eu devia mandar nesta casa… — E foi aí que tudo explodiu.
Agora estou aqui sozinha na cozinha fria, sem saber se devo ligar-lhe ou esperar que seja ela a dar o primeiro passo. Sinto-me perdida entre o desejo de ser independente e a necessidade de sentir o amor da minha mãe sem condições nem julgamentos.
Será possível reconstruir uma relação depois de tantas mágoas? Ou será que algumas feridas nunca saram completamente?