Laços de Família: Quando a Minha Mãe Escolheu a Minha Irmã em Detrimento dos Meus Filhos

— Mãe, onde estão os brinquedos que comprei para o Tomás e a Leonor? — perguntei, sentindo o sangue ferver nas veias enquanto olhava para a sala vazia, onde na noite anterior tinha deixado os sacos coloridos cheios de presentes.

Ela nem sequer levantou os olhos do telemóvel. — Ah, filha, achei melhor dar à Mariana. Os meninos dela estavam tão tristes por não terem nada novo este mês…

Por um segundo, não consegui respirar. Senti um nó na garganta, daqueles que nos fazem engolir em seco e lutar para não chorar à frente de quem nos magoou. — Mas mãe, eram para os meus filhos! Eu disse-lhe ontem, deixei-os aqui de propósito!

Ela suspirou, como se eu estivesse a ser irracional. — Não faças disso um drama, Inês. A Mariana está a passar uma fase difícil com o Pedro desempregado. Os teus filhos têm tudo, não precisam de mais brinquedos.

A raiva misturou-se com uma tristeza antiga, aquela que me acompanhava desde criança, quando via a minha irmã Mariana receber sempre o melhor pedaço do bolo ou o vestido novo no Natal. Eu era a filha responsável, a que nunca dava problemas, e por isso parecia que podia ser ignorada.

— Não é justo, mãe — murmurei, já com a voz embargada. — Não é justo para mim, nem para eles.

Ela levantou-se finalmente e pousou o telemóvel na mesa. — Inês, tu tens uma vida estável, um marido que te apoia, filhos saudáveis. A Mariana precisa mais. Não percebes?

Fiquei ali parada, sentindo-me pequena outra vez, como quando tinha oito anos e chorei porque a Mariana ficou com o meu presente de aniversário porque “gostava mais”. Mas agora não era só eu — eram os meus filhos.

Saí da casa da minha mãe sem dizer mais nada. No carro, Tomás perguntou:

— Mãe, onde estão os nossos brinquedos?

Olhei pelo retrovisor e vi os olhos grandes dele, cheios de esperança. — A avó deu-os aos primos, querido.

Ele ficou calado. Leonor, mais nova, nem percebeu. Mas eu percebi tudo.

Durante dias tentei racionalizar: talvez a minha mãe tivesse razão, talvez eu estivesse a exagerar. Mas cada vez que via os meus filhos brincar com os poucos brinquedos que tinham em casa — porque este ano as contas estavam apertadas e aqueles presentes tinham sido um esforço — sentia uma dor surda no peito.

O meu marido, Rui, tentou consolar-me. — Inês, não podes continuar a deixar que ela te trate assim. Tens de lhe dizer o que sentes.

Mas como? Como explicar à minha mãe que aquela escolha dela era mais do que uma questão de brinquedos? Era uma vida inteira de preferências disfarçadas de preocupação.

No domingo seguinte, fui almoçar lá a casa. A Mariana estava lá com os filhos. Os meus sobrinhos brincavam felizes com os brinquedos novos — os brinquedos dos meus filhos. Senti-me traída e humilhada.

Durante o almoço, tentei manter-me calma. Mas quando vi o Tomás olhar para o primo com o carrinho telecomandado que ele próprio tinha pedido ao Pai Natal, não aguentei.

— Mãe, precisamos de conversar — disse-lhe na cozinha.

Ela olhou-me com impaciência. — Outra vez isso?

— Sim, outra vez isso! Não percebe que magoou os seus netos? Não percebe que me magoou a mim? Sempre foi assim: tudo para a Mariana, nada para mim!

Ela ficou vermelha e baixou a voz:

— Não digas disparates à frente dos teus sobrinhos.

— Não são disparates! São anos disto! Eu sempre fui invisível para si. Agora são os meus filhos que têm de pagar por isso?

A Mariana entrou na cozinha nesse momento e ouviu tudo. Ficou tensa.

— Inês, se tens algum problema comigo diz-me diretamente — disse ela.

— O problema não és tu! O problema é esta mania da mãe de te proteger sempre, mesmo quando isso significa magoar os outros!

A minha mãe tentou acalmar-nos:

— Chega! Não quero discussões na minha casa!

Mas já era tarde demais. Senti as lágrimas escorrerem-me pelo rosto enquanto saía da cozinha. O Rui veio atrás de mim e abraçou-me.

No carro, as crianças estavam caladas. O Rui olhou para mim:

— Tens de decidir se queres continuar a sujeitar-te a isto.

Durante semanas evitei a minha mãe. Ela mandava mensagens curtas: “Estás zangada?”, “Não exageres.” Eu não respondia.

No aniversário do Tomás, ela apareceu sem avisar. Trouxe um presente barato e um bolo comprado no supermercado. Olhou-me nos olhos e disse:

— Desculpa se te magoei. Mas tens de perceber o meu lado.

Eu queria perdoá-la. Queria acreditar que as coisas podiam mudar. Mas quando vi o Tomás abrir o presente — um puzzle simples, nada comparado com o carrinho telecomandado que agora era do primo — percebi que nada mudaria enquanto ela não reconhecesse verdadeiramente o que fazia.

Naquela noite sentei-me na cama e escrevi-lhe uma carta longa. Contei-lhe tudo: como me senti durante anos, como tentei agradar-lhe sem nunca conseguir ser suficiente, como agora via os meus próprios filhos sofrerem por causa das suas escolhas.

Ela nunca respondeu à carta.

Hoje vejo-a menos vezes. Os meus filhos perguntam pela avó e pelos primos. Tento não lhes passar o ressentimento que carrego no peito. Mas às vezes pergunto-me: será possível quebrar este ciclo? Ou estamos todos condenados a repetir as dores da infância nos nossos próprios filhos?

E vocês? Já sentiram que alguém da vossa família vos escolheu menos? Como lidaram com isso? Porque é tão difícil para uma mãe amar os filhos da mesma forma?