Fui Tudo Para o Meu Filho — Até Ele Me Deixar de Lado
— Mãe, já te disse mil vezes: não te metas nas minhas decisões! — gritou o Miguel, batendo com força na porta do escritório improvisado na sala. O som ecoou pelo apartamento, misturando-se ao tilintar dos talheres que eu ainda segurava, paralisada.
Nunca imaginei ouvir estas palavras do meu próprio filho. Miguel sempre foi o meu orgulho, o menino que criei sozinha depois de o pai nos ter deixado quando ele tinha apenas sete anos. Trabalhei em dois empregos, fiz noites sem dormir, abdiquei de tudo para lhe dar uma vida digna. E agora, depois de tudo, era assim que ele me tratava?
A história começou há três anos, quando Miguel decidiu abrir a própria empresa de consultoria informática. Eu estava prestes a reformar-me da repartição de finanças e ele pediu-me ajuda: “Mãe, tu percebes de números, podes ser a minha contabilista?” Aceitei sem hesitar. Não só fui a sua contabilista, como também a secretária, a mulher da limpeza e, muitas vezes, o banco que emprestava dinheiro quando as contas não batiam certo.
No início era tudo entusiasmo. Lembro-me de noites em claro a organizar faturas, preencher folhas de Excel e responder a emails enquanto ele ia a reuniões ou jantava com amigos. “Mãe, és a melhor!” dizia-me, abraçando-me com força. Eu sentia-me útil, necessária. Era como se todo o esforço da minha vida tivesse valido a pena.
Mas com o tempo, as coisas mudaram. O Miguel começou a afastar-se. Já não me pedia opinião sobre nada. Quando eu tentava sugerir alguma coisa — “Miguel, tens de ter cuidado com este cliente, está sempre atrasado nos pagamentos” — ele revirava os olhos e respondia com impaciência: “Deixa isso comigo, mãe. Tu não percebes deste mundo.”
Os conflitos começaram a surgir por pequenas coisas: uma fatura mal arquivada, um email esquecido, um café derramado no teclado. “Isto não é um escritório a sério!” gritava ele. Eu engolia em seco e continuava. Afinal, era meu filho.
A gota de água foi numa tarde de sexta-feira. Estava a fechar as contas do trimestre quando ele entrou furioso:
— Mãe, já chega! Não dá mais! Preciso de alguém profissional! — atirou-me um envelope para cima da mesa. Dentro estava um recibo de pagamento simbólico e uma carta fria: “Agradeço os serviços prestados.”
Fiquei sem chão. Senti-me traída, usada e descartada como um objeto velho. Saí do escritório com as mãos a tremer e lágrimas nos olhos. Passei o fim de semana sozinha no meu pequeno apartamento em Benfica, rodeada por papéis antigos da empresa dele e canetas com o logotipo que eu própria tinha encomendado.
Os dias seguintes foram um vazio. O telefone já não tocava. O Miguel não me procurava. Tentei ligar-lhe uma vez:
— Miguel…
— Agora não posso falar, mãe. Estou ocupado.
Desligou sem mais uma palavra.
Comecei a questionar tudo: teria sido demasiado protetora? Teria sufocado o Miguel com o meu amor? Ou será que ele sempre foi egoísta e eu nunca quis ver?
As minhas amigas diziam-me: “Deixa-o crescer! Ele tem de aprender sozinho.” Mas como se deixa de ser mãe? Como se apaga uma vida inteira de dedicação?
Os meses passaram. O Natal chegou e passou sem um telefonema sequer. Vi fotos dele nas redes sociais: jantares com colegas novos, viagens ao Porto para reuniões importantes. Eu era apenas uma sombra no passado dele.
Uma noite, enquanto arrumava os papéis antigos para reciclar, encontrei uma carta que ele me escreveu quando tinha dez anos:
“Mãe, quando for grande vou cuidar de ti como tu cuidas de mim.”
Chorei como há muito não chorava.
No fundo do coração ainda espero que ele volte atrás, que perceba tudo o que fiz por ele. Mas será que algum dia vai entender? Ou será que o amor de mãe é mesmo feito para ser invisível?
E vocês? Até onde iriam por um filho? Será que existe mesmo uma linha entre ajudar e ser usada?