Expulsei o Minha Filha e o Genro de Casa — Só Assim Percebi Quanto Vivi em Culpa

— Mariana, não aguento mais! — gritei, com a voz embargada, enquanto as lágrimas me queimavam os olhos. O Rui estava sentado no sofá, de braços cruzados, a olhar para mim como se eu fosse uma estranha na minha própria casa. A minha filha, pálida, tentava conter o choro. O cheiro do café frio misturava-se com o silêncio pesado da sala.

Nunca pensei chegar aqui. Sempre me culpei por não ter sido a mãe perfeita. O meu marido morreu cedo, e fui eu que criei a Mariana sozinha, entre dois empregos e noites mal dormidas. Ela era tudo para mim. Quando me pediu para ela e o Rui virem morar cá em casa — “É só até arranjarmos um apartamento, mãe” — não hesitei. Queria ajudá-los, queria sentir-me útil outra vez.

No início foi tudo suportável. O Rui era simpático, ajudava nas pequenas coisas. A Mariana estava grávida do meu primeiro neto e eu sentia que finalmente ia ter uma família completa. Mas as semanas passaram e nada mudava. As contas aumentavam, a comida desaparecia do frigorífico num instante, e eu via-me cada vez mais sozinha dentro da minha própria casa.

— Mãe, podes pagar a luz este mês? O Rui ainda não recebeu — dizia-me a Mariana, com aquele olhar de menina assustada que sempre me desarmava.

Eu dizia que sim. Sempre disse que sim. Fui dizendo sim até ao dia em que percebi que já não tinha dinheiro para mim. O meu ordenado de reformada mal chegava para as despesas básicas, mas eles pareciam não perceber.

O Rui começou a chegar tarde a casa. Dizia que era do trabalho, mas eu sentia o cheiro a cerveja quando passava por mim no corredor. A Mariana chorava no quarto, mas nunca me dizia porquê. Eu tentava perguntar, tentava ajudar, mas ela afastava-me com um simples “Está tudo bem, mãe”.

Uma noite ouvi-os a discutir. O Rui gritava:

— Se não fosse a tua mãe, já estávamos na rua! Achas que eu gosto disto? Achas?

A Mariana chorava baixinho. Eu encostei-me à porta do quarto deles, sem coragem para entrar. Senti-me inútil. Senti-me culpada por não conseguir dar-lhes uma vida melhor.

Os meses passaram e o ambiente ficou insuportável. O Rui começou a faltar-me ao respeito:

— Dona Teresa, não se importa de lavar a minha roupa? Estou exausto — dizia ele, atirando o cesto para cima da máquina.

A Mariana já nem me agradecia quando lhe fazia o jantar. Era como se tudo fosse minha obrigação. Eu era invisível.

Um dia acordei com dores no peito. Fui ao hospital sozinha — eles nem deram pela minha falta. O médico disse-me que era ansiedade, stress acumulado. Mandou-me descansar. Mas como é que se descansa quando se vive num campo de batalha?

Quando voltei para casa, encontrei o Rui a jogar PlayStation na sala e a Mariana deitada no sofá com o telemóvel na mão.

— Mãe, trouxeste pão? — perguntou ela sem sequer olhar para mim.

Nesse momento senti uma raiva que nunca tinha sentido antes. Era como se todos os anos de sacrifício tivessem sido em vão.

— Chega! — gritei. — Isto não é um hotel! Eu não sou vossa empregada!

O Rui levantou-se devagar:

— Está nervosa, dona Teresa? Se calhar devia ir descansar…

— Não me falem assim! — respondi, com as mãos a tremer.

A Mariana começou a chorar:

— Mãe, por favor…

Mas eu já não conseguia parar:

— Vocês têm de sair! Arranjem um sítio para viver! Preciso da minha casa de volta! Preciso de mim de volta!

O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. O Rui saiu da sala sem dizer palavra. A Mariana ficou ali parada, com os olhos vermelhos.

— Mãe… não faças isto…

— Já fiz — respondi, sentindo um peso a sair-me do peito.

Eles saíram dois dias depois. Levaram tudo o que era deles e deixaram um vazio enorme na casa — e em mim.

Durante semanas chorei sozinha à noite. Senti-me a pior mãe do mundo. Recebia mensagens frias da Mariana: “Estamos bem”; “Não te preocupes”; “O bebé nasceu” — mas nunca um convite para visitar o neto.

Os vizinhos começaram a perguntar:

— Então, Teresa? A tua filha já não está cá?

Eu sorria e mudava de assunto. Sentia vergonha. Sentia culpa.

Mas aos poucos comecei a perceber: toda a minha vida vivi para os outros. Sempre pus as necessidades dos outros à frente das minhas. E eles habituaram-se a isso. Aproveitaram-se disso.

Comecei a sair mais de casa. Fui ao café da esquina, conversei com a dona Rosa sobre novelas e receitas antigas. Voltei a fazer croché, coisa que adorava antes de tudo isto começar.

Um dia recebi uma carta da Mariana:

“Mãe,
Desculpa por tudo. Sei que te magoei. O Rui foi embora e estou sozinha com o bebé. Preciso de ti, mas tenho vergonha de pedir ajuda outra vez.
Amo-te sempre,
Mariana”

Chorei ao ler aquelas palavras. Quis correr para ela, abraçá-la e dizer-lhe que tudo ia ficar bem. Mas também sabia que precisava de limites — por mim e por ela.

Respondi-lhe:

“Filha,
Amo-te muito e estarei sempre aqui para ti e para o meu neto. Mas precisamos aprender a respeitar-nos e a cuidar uma da outra sem culpa nem cobranças.
Beijo,
Mãe”

Hoje olho para trás e pergunto-me: será que fiz bem? Será que era mesmo preciso chegar ao limite para perceber quem sou? Quantas mães vivem presas à culpa e esquecem-se de si próprias? E vocês — já sentiram isto?