Expulsei o meu marido e a sogra de casa — e não me arrependo!
— Não penses que ela vai perceber alguma coisa, Rui. Ela anda tão distraída com o trabalho que nem repara no que se passa à volta dela.
A voz da Dona Amélia atravessava a porta do quarto como uma faca. O meu coração batia tão forte que temi que eles ouvissem. Encostei o ouvido à madeira fria, sentindo o suor escorrer-me pela têmpora. O vento lá fora uivava, mas nada abafava aquelas palavras. O meu marido, Rui, respondeu num sussurro rouco:
— Mãe, não compliques. Eu já disse que isto é temporário. Assim que ela receber o prémio do escritório, tratamos do resto.
O resto? Que resto? Senti o chão fugir-me dos pés. A minha cabeça girava com perguntas sem resposta. Desde que a Dona Amélia viera viver connosco, há seis meses, tudo mudara. A casa já não era minha, era dela. Os meus horários, as minhas rotinas, até o cheiro da comida — tudo tinha mudado. Mas nunca imaginei que Rui pudesse estar do lado dela contra mim.
Voltei para a sala, sentando-me no sofá com as mãos a tremer. O telemóvel vibrava com mensagens do trabalho, mas não conseguia concentrar-me em nada. Só conseguia ouvir aquela frase: “Assim que ela receber o prémio…”
Quando finalmente saíram do quarto, fingi estar a ver televisão. Dona Amélia olhou-me de cima abaixo, como sempre fazia.
— Ainda acordada, Sofia? Amanhã tens de te levantar cedo, não é?
— Sim, Dona Amélia — respondi, tentando controlar a voz.
Rui nem me olhou nos olhos. Limitou-se a ir buscar um copo de água e voltou para o quarto. Senti-me invisível na minha própria casa.
Na manhã seguinte, fui trabalhar como um autómato. No escritório, os colegas felicitavam-me pelo prémio de melhor colaboradora do ano. Sorri mecanicamente, mas por dentro sentia-me vazia. Quando voltei para casa, encontrei Dona Amélia sentada à mesa da cozinha com uma pilha de papéis à frente.
— Olha, Sofia, estive a organizar umas contas aqui de casa. Acho que devias começar a contribuir mais para as despesas. Afinal, agora ganhas mais.
Fiquei sem palavras. Eu já pagava quase tudo! O Rui estava desempregado há meses e Dona Amélia só recebia uma pequena reforma.
— Dona Amélia, eu já pago a renda, a luz, a água… — tentei argumentar.
Ela interrompeu-me com um gesto brusco:
— Não te esqueças que agora somos três adultos aqui. E o Rui precisa de tempo para encontrar um bom emprego.
O Rui entrou na cozinha nesse momento e ficou ao lado da mãe, braços cruzados.
— A minha mãe tem razão, Sofia. Não podes esperar que ela pague tudo com a reforma dela.
Senti uma raiva surda crescer dentro de mim. Olhei para o Rui — o homem por quem me apaixonei há oito anos — e vi um estranho.
As semanas seguintes foram um inferno. Dona Amélia criticava tudo: a forma como cozinhava, como limpava, até como me vestia para o trabalho.
— Uma mulher casada não devia andar assim tão arranjada — dizia ela com desdém.
O Rui limitava-se a encolher os ombros ou a sair de casa para ir ao café. As noites eram passadas em silêncio ou em discussões abafadas atrás de portas fechadas.
Uma noite, cheguei mais cedo do trabalho e ouvi-os novamente no quarto.
— Ela não vai aguentar muito tempo assim — dizia Dona Amélia. — Quando ela ceder, vendemos o apartamento e dividimos tudo.
— Mãe, calma! Não compliques — respondeu Rui.
Senti o sangue gelar-me nas veias. Eles queriam vender o meu apartamento? O apartamento que comprei antes de casar? Fui até à porta e entrei sem bater.
— De que é que estão a falar?
Os dois olharam para mim como se eu fosse um fantasma.
— Nada que te interesse — disse Dona Amélia friamente.
O Rui tentou sorrir:
— Amor, são só coisas da minha mãe…
— Não me mintas! — gritei. — Ouvi tudo! Vocês querem vender o meu apartamento!
O silêncio caiu pesado na divisão. Dona Amélia levantou-se devagar e aproximou-se de mim:
— Este apartamento é do Rui também. Casaram em comunhão de bens, não foi?
Senti-me encurralada. Era verdade — tínhamos casado em comunhão de bens porque nunca pensei que ele pudesse virar-se contra mim.
— Saiam da minha casa — disse eu, com a voz trémula mas firme.
O Rui riu-se:
— Estás a ser ridícula, Sofia.
— Saiam! Agora! — gritei, lágrimas a correrem-me pelo rosto.
Dona Amélia olhou para o filho:
— Vamos embora por agora. Mas isto não fica assim.
Vi-os arrumar algumas coisas à pressa e sair batendo a porta com força. Sentei-me no chão da sala e chorei como nunca tinha chorado na vida.
Nos dias seguintes, recebi mensagens ameaçadoras do Rui e da mãe dele. Diziam que iam lutar pelo apartamento nos tribunais, que eu ia arrepender-me de os ter posto na rua. Falei com uma advogada e descobri que tinha direitos — afinal, o apartamento era meu antes do casamento e podia provar isso.
A solidão era esmagadora. Os amigos afastaram-se porque não queriam “meter-se em problemas de família”. No trabalho, fingia estar bem mas sentia-me cada vez mais frágil.
Uma noite, a minha mãe ligou-me:
— Filha, tens de ser forte. Não deixes que eles te destruam.
Chorei ao telefone como uma criança perdida. Mas as palavras dela deram-me força para continuar.
Meses passaram-se em batalhas legais e noites sem dormir. O Rui tentou voltar várias vezes, pedindo desculpa e dizendo que tinha sido influenciado pela mãe. Mas eu já não era a mesma Sofia ingénua de antes.
Um dia, recebi finalmente a decisão do tribunal: o apartamento era meu por direito. Senti um peso sair-me dos ombros.
Olhei à volta da casa vazia — agora verdadeiramente minha — e percebi que estava sozinha mas livre. Pela primeira vez em anos, respirei fundo sem medo do futuro.
Às vezes ainda me pergunto: será que fiz bem? Será que podia ter lutado mais pelo casamento? Mas depois lembro-me das noites em claro, das palavras venenosas da Dona Amélia e do olhar vazio do Rui.
Hoje sei que escolhi a mim mesma — e isso nunca pode estar errado.
E vocês? Já tiveram de escolher entre vocês próprios e quem amam? Até onde iriam para proteger aquilo que é vosso?