Expulsei a tia do meu marido de casa – Será que fui eu a errada?
— Não admito esse tipo de comentário na minha casa, Dona Irene! — gritei, sentindo o sangue ferver nas veias, enquanto o silêncio pesado caía sobre a sala de jantar. O olhar do meu marido, Miguel, era de puro choque, e os meus sogros pareciam petrificados. Dona Irene, com aquele sorriso de superioridade, nem sequer pestanejou.
Tudo começou naquela sexta-feira chuvosa, quando Miguel me avisou que a tia dele, Irene, vinha jantar connosco. Ela tinha acabado de regressar de França, onde viveu quase vinte anos, e era a primeira vez que nos visitava desde o nosso casamento. Eu, ansiosa por agradar, passei o dia inteiro a preparar o bacalhau à Brás, a sobremesa preferida do Miguel, e até comprei um vinho do Douro especial para a ocasião.
Quando Dona Irene entrou, trazia um casaco de pele e um perfume tão forte que quase me fez lacrimejar. Cumprimentou-me com dois beijos apressados e um olhar avaliador.
— Então, és tu a mulher do Miguel? Pensei que fosses mais alta, — disse, rindo-se sozinha.
Engoli em seco e sorri, tentando manter a compostura. Miguel, atrapalhado, tentou mudar de assunto, mas Dona Irene parecia determinada a testar os meus limites.
Durante o jantar, criticou tudo: o tempero do bacalhau, a decoração da sala, até o modo como eu dobrava os guardanapos.
— Em França, as mulheres têm mais cuidado com a apresentação. Aqui, tudo parece feito à pressa, — comentou, olhando-me de cima a baixo.
Os meus sogros tentaram suavizar a situação, mas Dona Irene não parava. Falava alto, interrompia toda a gente e, a certa altura, começou a contar histórias embaraçosas do Miguel, expondo detalhes da adolescência dele que ele sempre quis esquecer.
— Lembras-te, Miguel, daquela vez que molhaste a cama na casa da avó? — disse, soltando uma gargalhada estrondosa.
Miguel ficou vermelho como um tomate. Eu tentei mudar de assunto, mas ela insistia em puxar temas desconfortáveis. Quando finalmente chegou a sobremesa, pensei que o pior já tinha passado. Mas enganei-me.
— E tu, Ana, já pensaste em ter filhos? Ou vais continuar a adiar até ficares velha demais? — disparou, olhando-me nos olhos.
Senti um nó na garganta. Eu e o Miguel estávamos a tentar engravidar há meses, sem sucesso. Era um assunto doloroso, que só partilhávamos entre nós. O comentário dela foi como uma facada.
— Isso não é da sua conta, Dona Irene, — respondi, tentando manter a voz firme.
Ela encolheu os ombros, como se nada fosse.
— Só estou a dizer o que toda a gente pensa. A família precisa de crescer, não é?
Miguel tentou intervir, mas Dona Irene continuou:
— Se calhar, o problema é teu, Miguel. Ou então a Ana não está a fazer as coisas bem feitas. Em França, as mulheres sabem como agradar aos maridos.
Foi aí que perdi o controlo. Levantei-me da mesa, com as mãos a tremer.
— Já chega! Não admito que venha à minha casa insultar-me e humilhar o meu marido. Se não sabe comportar-se, a porta está ali.
O silêncio foi absoluto. Dona Irene olhou-me, surpresa, como se não esperasse resistência. Levantou-se devagar, ajeitou o casaco de pele e disse:
— Vejo que a educação portuguesa está cada vez pior. No meu tempo, as mulheres sabiam o seu lugar.
Pegou na mala e saiu, batendo a porta com força. Os meus sogros ficaram sentados, sem saber o que dizer. Miguel aproximou-se de mim, abraçou-me em silêncio, mas percebi que estava dividido entre o alívio e a culpa.
Naquela noite, quase não dormi. A cabeça fervilhava de perguntas. Será que exagerei? Devia ter aguentado mais? Ou finalmente pus um ponto final numa situação insuportável?
No dia seguinte, a família inteira já sabia do escândalo. A minha sogra ligou-me, preocupada:
— Ana, filha, a Irene é assim mesmo, não leves a mal. Ela sempre foi difícil, mas é da família…
— Eu compreendo, mas há limites, — respondi, sentindo as lágrimas a quererem cair.
Miguel também estava estranho. Passou o dia calado, evitava olhar-me nos olhos. À noite, explodiu:
— Não podias ter esperado? Era só uma noite! Agora a minha mãe está chateada, o meu pai não fala comigo, e a Irene vai contar a toda a gente que tu a expulsaste de casa!
— E tu achas justo o que ela fez? Achas que eu devia ter ficado calada enquanto ela nos humilhava?
Discutimos durante horas. Pela primeira vez, senti que o nosso casamento estava em risco por causa de alguém de fora. Miguel acabou por sair para dar uma volta, deixando-me sozinha com as minhas dúvidas.
Os dias seguintes foram um inferno. Recebi mensagens de familiares a criticar-me, outros a apoiar-me. No supermercado, encontrei a prima Lúcia, que me disse:
— Fizeste bem, Ana. Alguém tinha de lhe mostrar que não pode dizer tudo o que lhe apetece.
Mas também ouvi o contrário:
— Podias ter tido mais paciência. Família é família, — disse-me o tio Joaquim, abanando a cabeça.
A tensão em casa era insuportável. Miguel estava cada vez mais distante. Comecei a questionar tudo: o meu papel como mulher, como esposa, como nora. Será que fui egoísta? Ou finalmente defendi-me depois de anos a engolir sapos?
Uma semana depois, Dona Irene ligou-me. Atendi com o coração aos pulos.
— Ana, só queria dizer que não guardo rancor. Mas espero que aprendas a lidar melhor com as diferenças. Em França, as mulheres são mais fortes, mas também mais diplomáticas.
Desligou antes que eu pudesse responder. Fiquei a olhar para o telefone, sem saber se ria ou chorava.
Hoje, meses depois, a família ainda está dividida. Eu e Miguel fizemos as pazes, mas nunca mais fomos os mesmos. Sinto que perdi algo, mas também ganhei respeito por mim própria.
Será que fiz o certo? Ou será que, ao defender-me, destruí uma parte da família? Quantas vezes devemos engolir em seco para manter a paz? E vocês, o que teriam feito no meu lugar?