Expulsa do Baile: O Dia em Que a Minha Vida Mudou
— Não podes entrar, Mariana. O teu vestido não está de acordo com o regulamento. — A voz da professora Helena soou fria, quase mecânica, enquanto me barrava a entrada no salão do liceu D. João II.
Fiquei ali, parada, com o coração a bater tão forte que quase me doía no peito. Olhei para baixo, para o meu vestido florido, que a minha mãe costurara com tanto carinho. As flores cor-de-rosa e amarelas pareciam agora desbotadas sob as luzes brancas e impiedosas da entrada. Senti as lágrimas a quererem saltar, mas forcei-me a engolir o choro.
— Professora, mas… — tentei argumentar, a voz a tremer. — O regulamento só diz que não se pode usar vestidos demasiado curtos ou decotados. O meu vestido tapa tudo!
Ela olhou-me de cima a baixo, com aquele olhar de quem já decidiu e não vai voltar atrás.
— Mariana, não é só uma questão de comprimento. O padrão é demasiado chamativo. Não queremos distrair os outros alunos.
Distrair? Era isso que eu era? Uma distração? Senti-me pequena, insignificante. Atrás de mim, ouvi risos abafados de alguns colegas. A vergonha queimou-me as faces.
Saí dali a correr, tropeçando nos saltos altos que a minha mãe insistira para eu usar. Mal cheguei ao parque de estacionamento, sentei-me no passeio e deixei as lágrimas correrem livremente.
Peguei no telemóvel e liguei à Inês, a minha melhor amiga.
— Inês… — soluçava eu, sem conseguir controlar o choro. — Mandaram-me embora do baile… por causa do vestido…
Do outro lado ouvi o silêncio chocado dela, seguido de um palavrão sussurrado.
— Estás a gozar? Mas o teu vestido é lindo! E nem é nada provocador! Queres que vá ter contigo?
Assenti, mesmo sabendo que ela não podia ver. Ouvia ao longe a música abafada do salão, as vozes alegres dos meus colegas. Aquela devia ser a noite mais feliz do meu secundário. Em vez disso, estava ali sozinha, com o rímel a escorrer-me pela cara.
Passados dez minutos, vi o carro do meu pai aproximar-se. Ele saiu apressado, com a cara fechada.
— Mariana! O que aconteceu? — perguntou ele, já a adivinhar o pior.
Expliquei-lhe tudo entre soluços. Ele ficou furioso.
— Isto é uma vergonha! Vou já falar com a direção!
Mas eu só queria desaparecer. Não queria ser notícia na escola por causa de um vestido. Queria dançar com os meus amigos, rir-me das piadas do João, tirar fotos com a Inês e sentir-me bonita por uma noite.
Em casa, a discussão foi inevitável. A minha mãe estava indignada.
— Eu costurei esse vestido com tanto amor! Nunca pensei que te fossem humilhar assim…
O meu irmão mais novo entrou na sala e ficou a olhar para mim com pena.
— Não chores, mana. Eles são parvos.
Mas eu chorei. Chorei até adormecer, exausta.
No dia seguinte, acordei com mensagens dos meus colegas. Uns diziam que era injusto, outros riam-se e faziam memes com fotos minhas antigas em vestidos coloridos.
A Inês veio ter comigo à tarde.
— Não deixes que isto te defina — disse ela, abraçando-me. — Eles é que estão errados.
Mas era difícil acreditar nisso quando toda a escola parecia estar contra mim.
A minha mãe decidiu ir à escola falar com a diretora. Eu fui com ela, apesar de não querer enfrentar mais ninguém.
— D. Teresa — começou a minha mãe, tentando manter a calma — pode explicar-me por que razão a minha filha foi expulsa do baile?
A diretora olhou para mim como se eu fosse um problema para resolver.
— O regulamento é claro quanto à sobriedade dos trajes. Temos de manter um certo padrão…
— Sobriedade? — interrompeu a minha mãe. — Então agora as flores são indecentes?
A diretora suspirou.
— Não é isso… Mas temos de evitar situações que possam causar desconforto entre os alunos.
Eu queria gritar: “O desconforto é meu! Fui humilhada!” Mas limitei-me a baixar os olhos.
No final da reunião, ficou decidido que nada seria feito. O baile já tinha passado e eu tinha perdido aquela noite para sempre.
Durante dias senti-me invisível na escola. Os professores evitavam olhar para mim e os colegas cochichavam quando eu passava. Só a Inês e o João continuaram ao meu lado.
Uma semana depois, recebi um convite inesperado da minha prima Sofia:
— Mariana, vem ao meu baile de finalistas! Tenho um convite extra e quero mesmo que venhas comigo!
Hesitei. Tinha medo de passar por tudo outra vez. Mas ela insistiu tanto que acabei por aceitar.
Desta vez escolhi outro vestido — simples, azul-escuro — mas levei o florido na mala, como um amuleto secreto.
Quando cheguei ao salão do liceu Camões com a Sofia, senti um frio na barriga. Mas ali ninguém olhou duas vezes para mim ou para o meu vestido. Dançámos até de madrugada, rimos até nos doerem as bochechas e tirei dezenas de fotos com pessoas que mal conhecia mas me acolheram como se fosse uma delas.
No fim da noite, fui à casa de banho e vesti o meu vestido florido por cima do azul-escuro. Saí para a pista e dancei sozinha no meio das luzes coloridas. Pela primeira vez em semanas senti-me livre — e bonita.
Quando voltei para casa naquela madrugada, sentei-me na cama e olhei para o vestido espalhado sobre os lençóis.
Será que um pedaço de tecido pode mesmo definir quem somos? Ou será que somos nós que damos significado às coisas simples da vida? Talvez nunca saiba responder… Mas sei que nunca mais vou deixar ninguém decidir se sou demasiado “florida” para existir.