Expulsa de Casa por Estar Grávida: Uma Década Depois, os Meus Pais Voltaram a Bater-me à Porta

— Vais sair desta casa hoje mesmo, Mariana! — gritou o meu pai, com a cara vermelha de raiva, enquanto a minha mãe chorava baixinho ao fundo do corredor. Eu sentia o chão fugir-me dos pés. O teste de gravidez ainda estava na minha mochila, embrulhado num lenço de papel, como se esconder o resultado pudesse mudar o que estava prestes a acontecer.

Tinha 18 anos e estava no 12º ano da Escola Secundária de São João. O Rui, meu namorado desde o 10º ano, estava tão perdido quanto eu. Quando lhe contei, ele ficou calado durante minutos intermináveis. — Vamos dar conta do recado — disse ele finalmente, mas a voz dele tremia.

Naquela noite, arrumei as minhas coisas às pressas. A minha mãe não me olhou nos olhos. Só me deixou um saco com roupa lavada à porta do quarto. O meu pai não voltou a falar comigo. Saí de casa com o coração despedaçado, sentindo-me traída por quem mais devia proteger-me.

Fui para casa da avó do Rui, em Vila Franca de Xira. Ela recebeu-nos sem perguntas, mas percebi que não estava propriamente feliz com a situação. — Isto não é vida para ninguém — murmurava ela enquanto me servia sopa. O Rui arranjou trabalho numa oficina e eu comecei a trabalhar numa pastelaria. As manhãs eram passadas a servir cafés e croissants, as tardes a estudar para os exames finais. O cansaço era tanto que, às vezes, adormecia com os livros abertos em cima da barriga já saliente.

O Rui e eu discutíamos muito. Ele sentia-se pressionado, eu sentia-me sozinha. — Achas que eu não queria outra vida? — gritava ele. — Mas agora temos de ser adultos! — respondia eu, entre lágrimas. A avó dele tentava acalmar-nos, mas era difícil. O dinheiro mal chegava para pagar o quarto e a comida. No Natal desse ano, não recebi um telefonema dos meus pais. Passei a noite a chorar baixinho, para não acordar o Rui.

Quando a Leonor nasceu, tudo mudou. O Rui chorou ao vê-la pela primeira vez. Eu senti um amor tão grande que quase me esqueci de todas as dores. Mas a realidade não tardou a bater à porta. O Rui começou a chegar tarde a casa, cheirando a cerveja. — Preciso de desanuviar — dizia ele. Eu ficava sozinha com a Leonor, desesperada por um pouco de descanso.

Um dia, encontrei mensagens no telemóvel dele para outra rapariga. O mundo caiu-me em cima outra vez. — Não foi nada! — jurou ele, mas eu sabia que era mentira. Discutimos tanto que a avó dele pediu-nos para sair. — Isto não pode continuar assim — disse ela, com tristeza.

Fui viver para um quarto alugado em Lisboa, com a Leonor ao colo e o coração em pedaços. Trabalhava de manhã à noite, deixava a Leonor numa creche social e estudava à noite para tentar acabar o secundário. Houve dias em que pensei desistir. Mas cada vez que olhava para a minha filha, prometia-lhe que nunca lhe faltaria nada.

Os anos passaram devagar. Consegui terminar o secundário e entrei num curso técnico de contabilidade. Arranjei emprego num escritório pequeno, mas honesto. A Leonor crescia saudável e feliz, mesmo sem pai por perto — o Rui acabou por desaparecer das nossas vidas. Nunca mais soube dele.

Aos poucos, fui construindo uma vida estável. Aluguei um T1 modesto em Odivelas, comprei um carro em segunda mão e até consegui levar a Leonor à praia no verão. Fiz amigos novos, aprendi a confiar outra vez. Mas havia sempre um vazio dentro de mim — uma saudade dos meus pais, da família que perdi.

Durante anos, tentei ligar-lhes no Natal e nos aniversários. Nunca atenderam. Mandava fotos da Leonor pelo correio, mas nunca recebi resposta. A minha mãe era orgulhosa demais, o meu pai ainda mais.

Dez anos depois daquela noite em que fui expulsa de casa, estava a preparar o jantar quando ouvi bater à porta. A Leonor foi abrir e voltou com os olhos arregalados: — Mãe… estão aqui uns senhores velhinhos…

O meu coração disparou. Fui até à porta e vi os meus pais, envelhecidos e cansados, parados no corredor do prédio. A minha mãe chorava baixinho, como naquela noite há tantos anos. O meu pai olhou-me nos olhos pela primeira vez desde então.

— Mariana… precisamos da tua ajuda — disse ele, com a voz embargada.

Fiquei sem palavras. Eles explicaram-me que o meu pai estava doente, tinha perdido o emprego e as dívidas acumulavam-se. Tinham vendido tudo o que podiam e agora não tinham para onde ir.

— Não temos mais ninguém — murmurou a minha mãe.

Senti uma mistura de raiva e pena. Durante anos precisei deles e eles viraram-me as costas. Agora vinham pedir-me ajuda? Olhei para a Leonor, que me observava em silêncio, sem perceber bem o que se passava.

— E onde é que estavam quando eu precisei? — perguntei, com lágrimas nos olhos.

O meu pai baixou a cabeça. — Fomos estúpidos… Não há desculpa.

A minha mãe agarrou-me as mãos e chorou ainda mais. — Perdoa-nos…

Não sei explicar o que senti naquele momento. Queria gritar-lhes tudo o que sofri, queria abraçá-los como se ainda fosse criança. No fim, deixei-os entrar.

Durante semanas, viveram connosco naquele pequeno T1. A Leonor adorou ter os avós por perto e eu fui aprendendo a perdoar devagarinho. O meu pai acabou por morrer meses depois, mas pelo menos partiu reconciliado comigo e conhecendo a neta.

Hoje olho para trás e penso em tudo o que vivi: a dor da rejeição, o medo do futuro, a força que descobri em mim própria. Pergunto-me muitas vezes: será possível perdoar verdadeiramente quem nos magoou tanto? E vocês, conseguiriam abrir a porta depois de tudo?