Expulsa de Casa Após a Gravidez: Uma Década Depois, Eles Pedem Ajuda

— Não acredito no que estás a dizer, Mariana! — gritou o meu pai, a voz a tremer entre raiva e desespero. O cheiro do café acabado de fazer misturava-se com o frio cortante daquela manhã de janeiro, mas nada me aquecia. — Tu estragaste a tua vida! E a nossa também!

A minha mãe chorava baixinho, sentada à mesa da cozinha, as mãos apertadas num lenço branco já encharcado. Eu sentia-me pequena, esmagada pelo peso das palavras e do silêncio que se seguiu. Tinha acabado de lhes contar que estava grávida do Miguel. Tínhamos ambos 17 anos, estávamos no último ano do secundário em Coimbra. Eu sabia que seria difícil, mas nunca imaginei que seria assim.

— Pai, eu amo o Miguel. Vamos assumir o bebé. Não vou desistir dele — tentei argumentar, mas a minha voz soou fraca, quase infantil.

Ele levantou-se de rompante, bateu com o punho na mesa. — Aqui em casa não há espaço para irresponsabilidades! Se queres ser adulta, vai viver como adulta!

A minha mãe tentou interceder, mas ele já tinha decidido. Naquela noite, arrumei as minhas coisas num saco de viagem e saí de casa. O Miguel esperava-me no portão, olhos vermelhos de tanto chorar. Os pais dele não eram melhores: aceitaram-me por pena, mas deixaram claro que não queriam “mais uma boca para alimentar”.

Ficámos num pequeno quarto alugado numa casa antiga perto da Baixa. As paredes cheiravam a humidade e os vizinhos faziam barulho até tarde. Tínhamos pouco dinheiro: eu trabalhava numa pastelaria durante as manhãs e estudava à noite; o Miguel arranjou emprego numa oficina de motas. Os dias eram longos e as noites ainda mais. A barriga crescia e com ela o medo: será que íamos conseguir?

O Miguel era carinhoso, mas sentia-se perdido. Discutíamos por tudo: pelo dinheiro que nunca chegava, pelo cansaço, pelo futuro incerto. Uma noite, depois de uma discussão acesa sobre as contas da luz, ele saiu porta fora e só voltou de madrugada. Cheirava a álcool e lágrimas.

— Desculpa, Mariana… — sussurrou ele, abraçando-me com força. — Tenho medo de falhar contigo e com o nosso filho.

— Só precisamos um do outro — menti, porque no fundo sentia falta da minha mãe, do colo dela, do cheiro do arroz doce ao domingo.

O parto foi difícil. Estava sozinha no hospital porque o Miguel ficou preso no trabalho. Lembro-me do choro do meu filho, Tomás, e do vazio ao olhar para as cadeiras vazias na sala de espera. Ninguém da minha família apareceu.

Os anos passaram devagar. O Miguel acabou por sair de casa quando o Tomás tinha três anos. Disse que precisava “de espaço para crescer”. Fiquei sozinha com um filho pequeno e um emprego precário. Houve dias em que só havia sopa para jantar e noites em que chorei baixinho para não acordar o Tomás.

Aos poucos fui-me reerguendo. Voltei a estudar à noite, tirei um curso técnico de contabilidade e consegui um emprego melhor numa empresa local. O Tomás crescia saudável e feliz, apesar das dificuldades. Fiz amigos novos: a Dona Lurdes do café, que me guardava pão quente ao fim do dia; o Sr. António da mercearia, sempre pronto a dar-me boleia quando chovia.

Nunca mais falei com os meus pais. Às vezes via a minha mãe na missa ou no mercado, mas ela desviava o olhar ou fingia não me ver. O meu pai adoeceu — soube pelos vizinhos — mas nunca me procurou.

Dez anos passaram assim: entre trabalho, escola do Tomás e pequenas alegrias roubadas ao quotidiano. Até ao dia em que ouvi bater à porta com força.

Abri e vi os meus pais: envelhecidos, cansados, com olhos suplicantes. A minha mãe agarrou-me as mãos com força.

— Mariana… precisamos da tua ajuda — disse ela, a voz embargada.

O meu pai estava desempregado há meses; a reforma atrasava-se; as contas acumulavam-se na mesa da cozinha onde um dia me expulsaram. A casa deles estava prestes a ser penhorada pelo banco.

Fiquei ali parada, sem saber o que dizer. O Tomás apareceu atrás de mim e olhou curioso para os avós que nunca conheceu.

— Mãe… quem são estas pessoas?

Senti uma raiva antiga misturada com pena e saudade. Eles tinham-me virado as costas quando mais precisei; agora pediam-me ajuda como se nada tivesse acontecido.

— São os teus avós — respondi devagar, tentando controlar as lágrimas.

A minha mãe chorava baixinho outra vez, tal como naquela manhã gelada há dez anos atrás.

— Perdoa-nos, filha… Fomos orgulhosos demais — murmurou ela.

O meu pai olhou-me nos olhos pela primeira vez em muitos anos.

— Fizemos tudo mal… Só queremos uma oportunidade para recomeçar.

O silêncio pesou entre nós como uma pedra enorme. O Tomás puxou-me pela mão.

— Mãe… eles podem ficar para jantar?

Olhei para o meu filho e vi nele uma bondade que eu própria julgava ter perdido. Convidei-os a entrar. O jantar foi estranho: conversas hesitantes, memórias dolorosas à mesa. Mas também houve sorrisos tímidos e promessas de um novo começo.

Agora pergunto-me: será possível perdoar verdadeiramente quem nos magoou tanto? Ou será que algumas feridas nunca saram? E vocês… já tiveram de escolher entre o orgulho e o perdão?