Escolher-te-ei para Sempre – Uma História de Amor, Traição e Perdão numa Família Portuguesa
— Não me olhes assim, Inês. Não faças de conta que não sabes o que se passa! — A voz do Miguel ecoou pela cozinha, cortando o silêncio da noite como uma faca afiada. Eu tremia, segurando a chávena de chá com tanta força que temi parti-la. O cheiro do pão torrado misturava-se com o amargo da desconfiança que pairava entre nós há semanas.
Desde o nosso casamento, há sete anos, sempre soube que a vida com o Miguel não seria fácil. Ele era apaixonado, intenso, mas também orgulhoso e teimoso. Eu própria não era santa: trazia comigo as inseguranças de uma infância marcada por discussões constantes entre os meus pais, sempre à beira do divórcio. Talvez por isso tenha fechado os olhos aos sinais, às mensagens no telemóvel dele que apareciam tarde da noite, aos sorrisos trocados com a colega nova do escritório.
— Miguel, por favor… — tentei sussurrar, mas a minha voz falhou. — Não compliques mais. Só quero saber a verdade.
Ele virou-me as costas, apoiando-se na bancada. O relógio da parede marcava quase meia-noite. Lá fora, ouvia-se o barulho dos carros na Avenida de Roma, mas aqui dentro o tempo parecia suspenso.
— A verdade? — riu-se, amargo. — A verdade é que tu nunca confiaste em mim. Nem quando casei contigo, nem quando te prometi que seríamos uma família.
As palavras dele feriram-me mais do que qualquer suspeita. Senti as lágrimas a subir-me aos olhos, mas recusei-me a chorar à frente dele. Lembrei-me da minha mãe, sentada à mesa da cozinha da nossa casa em Setúbal, a limpar as lágrimas com o avental enquanto o meu pai gritava no corredor. Jurei a mim mesma que nunca seria como ela.
Mas ali estava eu: magoada, traída e sozinha.
A traição não foi uma surpresa total. A Andreia era bonita, divertida e livre — tudo aquilo que eu deixara de ser desde que começara a tentar engravidar. Os tratamentos de fertilidade tinham-me transformado numa sombra de mim mesma: exames constantes, hormonas, esperanças desfeitas mês após mês. O Miguel afastou-se aos poucos, refugiando-se no trabalho e nos amigos. Eu tornei-me obsessiva, controladora, incapaz de falar sobre outra coisa que não fosse a possibilidade de sermos pais.
— Eu só queria que estivesses comigo — disse-lhe uma noite, depois de mais uma discussão sobre consultas e exames.
— E eu só queria ter a minha mulher de volta — respondeu ele, cansado.
O ciclo repetiu-se até ao inevitável: uma mensagem no telemóvel dele, um perfume estranho na camisa, um fim de semana em que ele não voltou para casa. Quando finalmente confessou tudo — numa noite chuvosa de novembro — senti o chão fugir-me dos pés.
A minha mãe foi a primeira pessoa a quem contei. Esperava compreensão, mas recebi julgamento.
— Os homens são todos iguais — disse ela, sem olhar para mim. — Mas tu também tens culpa. Não se pode sufocar um homem assim.
Fiquei revoltada. Como podia ela culpar-me? Não era eu quem sofria todos os meses com testes negativos? Não era eu quem fazia tudo para salvar o casamento?
O meu pai foi mais pragmático:
— Ou perdoas ou vais-te embora. Mas decide-te depressa. Não fiques nesse limbo.
Os dias seguintes foram um nevoeiro espesso. Ia trabalhar mecanicamente no escritório de advogados onde era assistente jurídica; evitava os olhares dos colegas e as perguntas indiscretas da Dona Graça, a porteira do prédio.
À noite, voltava para casa vazia. O Miguel tinha ido viver para casa da mãe dele em Benfica. A casa parecia maior sem ele — e mais fria.
A Andreia ligou-me uma vez. Atendi sem pensar.
— Inês… desculpa. Eu não queria…
Desliguei antes que ela terminasse. Não queria ouvir desculpas nem justificações.
Foi nesse inverno que percebi o verdadeiro significado da solidão. Os amigos afastaram-se — uns por lealdade ao Miguel, outros porque não sabiam o que dizer. A minha irmã Marta tentou ajudar:
— Vem passar uns dias comigo ao Porto. Vais ver que te faz bem mudar de ares.
Mas eu recusei. Sentia vergonha — como se tivesse falhado em tudo: como mulher, como esposa, como futura mãe.
Os meses passaram devagar. Em março, recebi uma carta do hospital: havia uma última hipótese de tratamento para engravidar. Hesitei em contar ao Miguel, mas acabei por lhe ligar.
— Preciso de falar contigo — disse-lhe ao telefone.
Encontrámo-nos num café discreto em Alvalade. Ele estava magro, olheiras fundas sob os olhos castanhos.
— O que queres de mim agora? — perguntou ele, defensivo.
— Não sei — respondi honestamente. — Só sei que ainda não consigo desistir de nós.
Ficámos em silêncio durante minutos intermináveis. Finalmente, ele pegou na minha mão por cima da mesa.
— Eu errei, Inês. Mas tu também te perdeste pelo caminho…
Chorei ali mesmo, sem vergonha dos olhares alheios.
Decidimos tentar novamente — não apenas o tratamento, mas também reconstruir o nosso casamento. Foi difícil: as feridas estavam abertas e cada discussão parecia reabrir todas as dores antigas.
A família não ajudou:
— Vais voltar para ele? Depois do que te fez? — indignou-se a Marta.
— O importante é seres feliz — disse o meu pai, resignado.
A minha mãe ficou semanas sem me falar.
O tratamento foi um calvário: injeções diárias, exames dolorosos, esperança e medo misturados em cada consulta. O Miguel acompanhou-me sempre — calado, mas presente.
Quando finalmente soube que estava grávida, não consegui acreditar. Liguei-lhe imediatamente:
— Miguel… vamos ser pais!
Do outro lado ouvi-o chorar pela primeira vez desde que nos conhecemos.
O nascimento do nosso filho mudou tudo e nada ao mesmo tempo. O amor cresceu entre nós — mas as cicatrizes ficaram. Houve noites em que acordava sobressaltada com medo de voltar a ser traída; outras em que via no olhar dele o peso da culpa e da dúvida se algum dia me perdoaria por ter mudado tanto.
Hoje olho para trás e pergunto-me: teria sido diferente se tivéssemos falado mais cedo? Se tivéssemos pedido ajuda antes de nos magoarmos tanto?
A vida ensinou-me que amar é escolher todos os dias — mesmo quando dói, mesmo quando parece impossível perdoar.
E vocês? Acham mesmo que é possível recomeçar depois de uma traição? Ou há feridas que nunca saram?