Entre Silêncios e Segredos: O Dia em que Decidi Conhecer o Namorado da Minha Filha
— Inês, não achas estranho nunca me teres apresentado o teu namorado? — perguntei, tentando controlar o tremor na voz enquanto ela mexia distraidamente no telemóvel, sentada à mesa da cozinha.
Ela suspirou, sem levantar os olhos. — Mãe, já falámos sobre isto. Não é o momento.
O silêncio caiu pesado entre nós. O relógio da parede marcava quase oito da noite, e o cheiro do arroz de pato que preparara para o jantar parecia não conseguir aquecer o ambiente gelado. Senti uma pontada no peito. Desde que o pai da Inês nos deixou, há três anos, tenho tentado preencher todos os espaços vazios da nossa casa e do nosso coração. Mas há buracos que nem o tempo consegue tapar.
Lembro-me bem do dia em que ela nasceu. O choro dela era tão forte que as enfermeiras riram e disseram: “Esta menina vai dar luta.” E deram razão. Inês sempre foi determinada, teimosa como eu. Mas agora, com dezassete anos, parece que cada vez que tento aproximar-me, ela ergue um muro mais alto.
— Não confias em mim? — arrisquei, tentando não soar desesperada.
Ela largou finalmente o telemóvel e olhou-me nos olhos. — Não é isso, mãe. Só quero evitar complicações.
— Complicações? Eu sou tua mãe! — a minha voz saiu mais alta do que queria. Ela encolheu-se na cadeira.
— Não percebes… — murmurou.
Levantei-me abruptamente e fui até à janela. Lá fora, a chuva batia nos vidros, desenhando caminhos tortuosos como os meus pensamentos. Lembrei-me de quando ela era pequena e corria para mim sempre que tinha medo dos trovões. Agora, parecia que eu era o trovão de quem ela queria fugir.
A verdade é que sinto falta dela. Da menina que me pedia para lhe fazer tranças antes da escola, que me contava tudo sobre as amigas e os rapazes da turma. Agora, tudo é segredo. E este namorado misterioso tornou-se uma obsessão para mim.
Na escola, as mães das amigas dela já conhecem os namorados das filhas. A Carla até foi jantar com o namorado da filha e os pais dele! Sinto-me excluída, como se houvesse uma parte da vida da Inês a que não tenho direito de acesso.
Naquela noite, depois de ela se fechar no quarto, sentei-me sozinha na sala e comecei a pensar num plano. Não era justo continuar assim. Eu precisava de saber quem era aquele rapaz que ocupava tanto espaço no coração da minha filha.
No dia seguinte, aproveitei a hora do almoço para ligar à minha irmã, Teresa.
— Teresa, estou a ficar maluca com isto da Inês. Nunca me apresentou o namorado! — desabafei.
Ela riu-se do outro lado da linha. — Deixa-a respirar, mana. Os miúdos hoje são assim.
— Mas e se ele não presta? E se ela está a esconder alguma coisa?
— Tens de confiar nela. Mas se queres mesmo conhecê-lo… porque não tentas convidá-la para sair e sugeres que ele venha também?
A ideia ficou a martelar-me na cabeça todo o dia. Quando cheguei a casa, tentei agir com naturalidade.
— Inês, estava a pensar irmos ao cinema no sábado. Podes convidar o teu namorado se quiseres.
Ela olhou-me desconfiada. — Não sei se ele vai querer…
— Diz-lhe que eu pago as pipocas — tentei brincar.
Ela sorriu de lado, mas não respondeu.
Na sexta-feira à noite ouvi-a ao telefone no quarto:
— A minha mãe quer conhecer-te… Sim, eu sei… Não tens de ir se não quiseres… — A voz dela estava baixa, quase suplicante.
No sábado acordei cedo e preparei um pequeno-almoço especial: panquecas com chocolate, como ela adorava em criança. Quando ela entrou na cozinha, parecia nervosa.
— Ele vem — disse apenas.
O meu coração disparou. Finalmente ia conhecer o rapaz que ocupava tanto espaço nos pensamentos dela… e nos meus.
No centro comercial, esperei ansiosa junto à entrada do cinema. Quando os vi aproximarem-se, quase não reconheci a minha filha: estava diferente, mais adulta, com um brilho nos olhos que há muito não via. Ao lado dela vinha um rapaz alto, magro, com ar tímido e cabelo desalinhado.
— Mãe, este é o Miguel — disse ela rapidamente.
Estendi-lhe a mão e ele apertou-a com força surpreendente.
— Prazer — murmurou ele.
Durante o filme tentei concentrar-me na história mas só conseguia espreitar os dois pelo canto do olho. Vi como ele lhe segurava a mão com delicadeza e como ela sorria para ele de uma forma que nunca sorria para mim ultimamente.
Depois do cinema fomos lanchar. Tentei puxar conversa:
— Então Miguel, onde moras? O que gostas de fazer?
Ele respondeu educadamente mas percebi que estava desconfortável. Inês olhava para mim como quem pede para não fazer perguntas difíceis.
Quando chegámos a casa ela fechou-se no quarto sem dizer nada. Fiquei na sala a remoer tudo aquilo. Senti-me uma intrusa na vida dela. Será que tinha feito mal em insistir?
No domingo à noite ouvi-a chorar baixinho no quarto. Bati à porta devagarinho.
— Inês? Posso entrar?
Ela não respondeu mas entrei na mesma. Estava sentada na cama com os olhos vermelhos.
— O que se passa?
Ela hesitou antes de falar:
— O Miguel… ele tem problemas em casa. Os pais estão sempre a discutir e ele odeia falar sobre isso. Não queria trazer esses problemas para aqui também…
Sentei-me ao lado dela e abracei-a com força.
— Filha… eu só quero proteger-te. Mas também quero confiar em ti.
Ela encostou-se ao meu ombro como fazia em pequena.
— Eu sei mãe… Só queria resolver tudo sozinha pela primeira vez.
Ficámos ali abraçadas durante muito tempo. Pela primeira vez em meses senti que talvez ainda houvesse esperança para nós as duas.
Agora pergunto-me: será que as mães conseguem mesmo proteger os filhos sem invadir o espaço deles? Ou será que temos de aprender a confiar mesmo quando tudo dentro de nós grita por controlo? E vocês? Já passaram por algo assim?