Entre Silêncios e Gritos: Os Erros Que Marcaram a Minha Vida Depois dos 30

— Não me venhas outra vez com isso, mãe! — gritei, sentindo a garganta arder, enquanto o eco da minha voz se espalhava pela cozinha fria. O cheiro do café queimado misturava-se ao silêncio pesado entre nós. A minha mãe, Maria do Carmo, olhou-me com aqueles olhos cansados que sempre me fizeram sentir pequena. — Só quero o teu bem, Leonor. — A voz dela era um sussurro, quase uma prece. — Não percebes que estás a desperdiçar a tua vida?

Tinha trinta e dois anos e, naquele momento, percebi que não sabia quem era. O meu casamento com o Rui estava por um fio — ou talvez já tivesse rebentado há muito tempo, mas eu fingia não ver. O trabalho no escritório de advogados em Lisboa consumia-me os dias e as noites, e a única coisa que me restava era o cansaço. Não tinha filhos, não tinha tempo para amigos, e a minha mãe era a única pessoa que ainda insistia em puxar-me para fora do abismo.

Lembro-me de sair de casa dela naquela noite de chuva, o casaco encharcado colado ao corpo, e pensar: “Quando foi que deixei de viver para começar apenas a sobreviver?” O Rui estava sentado no sofá quando cheguei ao nosso apartamento. Nem olhou para mim. — Chegaste tarde outra vez. — A voz dele era fria, distante. — Não esperes que eu fique à tua espera para jantar.

Sentei-me na cama do quarto vazio e chorei baixinho. Tantas vezes ouvi dizer que depois dos trinta tudo se acalma, tudo se encaixa. Mas ninguém fala das noites em claro, das dúvidas que nos corroem por dentro, dos sonhos adiados porque o medo é maior do que a vontade de mudar.

No dia seguinte, acordei com uma mensagem da minha irmã mais nova, a Inês: “Mãe está preocupada contigo. Liga-lhe.” Senti uma raiva surda crescer dentro de mim. Porque é que todos acham que sabem o que é melhor para mim? Porque é que ninguém percebe que estou a tentar manter-me inteira?

No trabalho, o Dr. Álvaro chamou-me ao gabinete. — Leonor, tens estado distraída. Os clientes notam. Preciso de saber se posso contar contigo ou se estás a pensar sair.

Senti o chão fugir-me dos pés. Sair? Para onde? Não tinha coragem de largar tudo, mas também não sabia como continuar ali. Passei o resto do dia a rever contratos sem os ver realmente, enquanto as palavras da minha mãe ecoavam na cabeça: “Estás a desperdiçar a tua vida.”

À noite, tentei falar com o Rui. — Achas que ainda faz sentido continuarmos juntos? — perguntei-lhe, a voz trémula.

Ele olhou-me finalmente nos olhos. — Não sei, Leonor. Já não te reconheço. Já não sei quem és.

Fui dormir ao sofá nessa noite. O silêncio entre nós era mais pesado do que qualquer discussão.

Os dias passaram arrastados. Comecei a evitar a minha mãe e a Inês. No trabalho, limitava-me ao mínimo indispensável. Um sábado à tarde, recebi uma chamada do hospital de Santa Maria: o meu pai tinha tido um AVC.

Corri para lá sem pensar. A minha mãe estava sentada numa cadeira de plástico no corredor, os olhos vermelhos de tanto chorar. Sentei-me ao lado dela e peguei-lhe na mão.

— Desculpa — sussurrei.

Ela apertou-me os dedos com força. — Agora não importa nada disso.

O meu pai sobreviveu, mas ficou diferente. Mais calado, mais dependente. A minha mãe envelheceu dez anos em poucos meses. Eu ia lá todos os dias depois do trabalho, ajudava como podia, mas sentia-me sempre uma intrusa na minha própria família.

A Inês começou a afastar-se de mim também. Um dia encontrei-a no corredor do hospital e tentei abraçá-la.

— Não faças de conta que está tudo bem — disse ela, afastando-se. — Nunca estás presente quando precisamos de ti.

As palavras dela foram como facas. Tinha passado tanto tempo a tentar ser perfeita no trabalho e em casa que me esqueci das pessoas que realmente importavam.

O Rui pediu o divórcio numa manhã de domingo. Não discutimos. Limitámo-nos a assinar os papéis em silêncio. Ele levou o cão e deixou-me sozinha no apartamento vazio.

Durante semanas vivi num torpor. Ia trabalhar, visitava os meus pais, evitava olhar-me ao espelho. Um dia sentei-me na varanda com um copo de vinho barato e escrevi numa folha os erros que me tinham trazido até ali:

  1. Deixar de falar com quem amo por orgulho.
  2. Colocar o trabalho acima da família.
  3. Fingir que está tudo bem quando não está.
  4. Adiar sonhos por medo do fracasso.
  5. Ignorar sinais de cansaço e tristeza.
  6. Não pedir ajuda quando preciso.
  7. Comparar-me constantemente aos outros.
  8. Esquecer quem sou para agradar aos outros.
  9. Recusar perdoar quem me magoou.
  10. Desistir de mim mesma.

Chorei ao ler aquela lista. Cada linha era uma ferida aberta.

Comecei devagar a tentar remendar as pontes partidas. Liguei à Inês e pedi desculpa sem esperar perdão imediato. Passei mais tempo com o meu pai, mesmo quando ele não dizia nada e só queria ver televisão em silêncio.

A minha mãe continuava a olhar para mim com preocupação, mas já não discutíamos tanto. Um dia surpreendeu-me com um abraço apertado na cozinha.

— Ainda vais ser feliz, Leonor — disse ela baixinho.

Não sei se acredito nisso, mas tento todos os dias dar um passo em frente.

Hoje tenho trinta e cinco anos e continuo sozinha no mesmo apartamento pequeno em Lisboa. O trabalho já não é tudo para mim; aprendi a sair mais cedo quando posso e a dizer “não” sem culpa.

A solidão ainda pesa muitas noites, mas já não me assusta tanto como antes. Aprendi a gostar da minha própria companhia e a perdoar-me pelos erros cometidos.

Às vezes pergunto-me: será possível recomeçar depois de perder quase tudo? Ou será que vivemos sempre com as consequências das escolhas erradas?

E vocês? Já tiveram coragem de enfrentar os vossos próprios erros? O que fariam diferente se pudessem voltar atrás?