Entre Promessas Quebradas e Laços de Sangue: O Meu Caminho para a Verdade

— Não, Mariana. Não vou casar só porque estás grávida. — A voz do Vicente ecoou pela sala, fria, cortante, como se cada palavra fosse uma sentença. Senti o chão fugir-me dos pés. O meu coração batia tão alto que quase abafava o som da televisão, ainda ligada, a debitar notícias que já não interessavam a ninguém naquela casa.

— Mas… Vicente, eu… — tentei argumentar, mas ele desviou o olhar, como se a minha dor fosse um incómodo menor, algo que se varria para debaixo do tapete.

A mãe dele, a Dona Teresa, estava sentada no sofá, as mãos cruzadas no colo, o rosto impassível. — Mariana, querida, não penses que o casamento resolve tudo. O meu filho sabe o que faz. — O tom dela era doce, mas havia ali uma dureza que me gelou a espinha.

Olhei para o Vicente, à procura de qualquer sinal de dúvida, de compaixão. Mas ele mantinha-se firme, os olhos fixos no chão, como se já tivesse decidido há muito tempo. Senti-me sozinha, traída, como se todo o futuro que tinha imaginado se desfizesse ali mesmo, entre aquelas quatro paredes.

A minha mãe sempre me disse que a vida não era um conto de fadas, mas nunca pensei que o meu pesadelo começasse assim. Eu e o Vicente estávamos juntos há três anos. Conhecemo-nos na faculdade, em Coimbra, e desde então fomos inseparáveis. Ele era divertido, inteligente, fazia-me sentir especial. Quando soube que estava grávida, chorei de alegria e medo. Mas nunca duvidei que ele estaria ao meu lado.

Agora, tudo parecia uma mentira.

— Mariana, tens de perceber — continuou o Vicente, finalmente olhando-me nos olhos —, eu não acredito no casamento. Não quero fazer isso só porque sim. Podemos ser uma família sem papéis.

— E se eu quiser mais do que isso? — perguntei, a voz a tremer. — E se eu quiser sentir-me segura, saber que estamos juntos de verdade?

Ele encolheu os ombros. — Não posso dar-te isso.

A Dona Teresa levantou-se e pousou uma mão no ombro do filho. — Fazes bem, meu querido. O casamento só complica. Olha para mim e para o teu pai…

Nesse momento, ouvi a porta da rua bater. O Senhor António, pai do Vicente, entrou na sala, o rosto cansado de quem já viu demasiado. Olhou para mim, depois para o filho, e por fim para a mulher.

— O que se passa aqui? — perguntou, a voz grave, mas serena.

— O Vicente não quer casar — respondi, antes que alguém pudesse mentir por mim. — E a Dona Teresa acha que ele faz bem.

O Senhor António ficou em silêncio por um momento. Depois, aproximou-se de mim e olhou-me nos olhos. — Mariana, senta-te. — O tom dele não admitia discussão.

Sentei-me, as mãos a tremer. Ele virou-se para o filho. — Vicente, tu sabes o que estás a fazer?

— Sei, pai. Não quero casar só porque sim. — O Vicente parecia um miúdo a justificar-se pela primeira vez.

— E tu, Teresa? — O olhar dele era duro. — Achas mesmo que é assim tão simples?

A Dona Teresa cruzou os braços. — António, não te metas. O nosso filho é adulto, sabe o que faz.

O Senhor António suspirou, passou a mão pelo cabelo grisalho. — Mariana, tu queres casar?

Assenti, sentindo as lágrimas a ameaçarem cair. — Quero. Quero construir uma família, quero sentir que pertenço a algum lado.

Ele olhou para o filho. — Vicente, tu amas a Mariana?

O Vicente hesitou. — Amo, mas…

— Não há mas — interrompeu o pai. — Ou amas e lutas por ela, ou assumes que não és homem para isso. Não podes brincar com a vida de uma mulher, muito menos agora que vai ser mãe do teu filho.

O silêncio caiu pesado sobre nós. A Dona Teresa olhava para o marido como se ele tivesse enlouquecido. O Vicente parecia prestes a explodir.

— Pai, não é assim tão simples! — gritou ele. — Eu não quero viver preso a uma convenção! Não quero acabar como vocês, a fingir que está tudo bem!

A Dona Teresa levantou-se de rompante. — Basta! Não admito que fales assim do nosso casamento!

O Senhor António virou-se para ela, os olhos cheios de mágoa. — Teresa, tu sabes tão bem como eu que já não somos felizes há anos. Mas isso não tem nada a ver com a Mariana e com o nosso neto.

A revelação caiu como uma bomba. Eu sabia que o casamento deles não era perfeito, mas nunca imaginei que fosse assim tão mau. O Vicente olhou para os pais, perdido.

— Então é isso? É por isso que não queres que eu case? Porque tu própria te arrependes?

A Dona Teresa ficou em silêncio, os olhos cheios de lágrimas. O Senhor António sentou-se ao meu lado e pegou-me na mão.

— Mariana, tu mereces alguém que te respeite, que queira construir uma vida contigo. Não aceites menos do que isso.

As palavras dele ecoaram dentro de mim. Pela primeira vez, senti-me vista, compreendida. Mas também percebi que estava sozinha nesta luta. O Vicente não ia mudar. A mãe dele nunca ia apoiar-me. E eu tinha de decidir o que fazer com a minha vida e com o meu filho.

Os dias seguintes foram um tormento. O Vicente evitava-me, passava mais tempo fora de casa. A Dona Teresa fazia questão de me lembrar, todos os dias, que eu não precisava de um papel para ser mãe. O Senhor António era o único que me perguntava como me sentia, que me trazia chá e me ouvia chorar.

Uma noite, não aguentei mais. Esperei que todos estivessem a dormir, peguei na mala e saí de casa. Fui para casa da minha mãe, em Aveiro. Ela recebeu-me de braços abertos, sem perguntas, apenas com um abraço apertado.

— Filha, tu és forte. Vais conseguir — disse ela, enquanto me acariciava o cabelo.

Os meses passaram devagar. A barriga crescia, e com ela o medo do futuro. O Vicente ligava de vez em quando, perguntava pelo bebé, mas nunca falou em casamento. A Dona Teresa mandou-me uma mensagem fria quando soube que era um menino: “Que corra tudo bem.”

O Senhor António foi o único que apareceu no hospital quando o Tomás nasceu. Trouxe flores e um peluche azul.

— O teu filho vai ter orgulho em ti, Mariana. — disse ele, com lágrimas nos olhos.

Olhei para o meu bebé e percebi que, apesar de tudo, não estava sozinha. Tinha a minha mãe, o Senhor António, e acima de tudo, tinha-me a mim mesma.

Hoje, olho para trás e pergunto-me: quantas mulheres vivem presas a promessas que nunca se cumprem? Quantas aceitam menos do que merecem, só para não ficarem sozinhas? E tu, o que farias no meu lugar?