Entre Paredes Frias: A Minha Luta Pela Guarda e Pela Minha Dignidade

— Não vou deixar que fiques com eles, Mariana! — gritou Rui, com os olhos vermelhos de raiva, enquanto eu segurava as lágrimas que ameaçavam cair. O eco da sua voz ressoou pela sala, misturando-se com o som distante dos carros na Avenida da Liberdade. Era uma noite fria de fevereiro, e o nosso apartamento parecia mais gelado do que nunca.

Olhei para ele, tentando encontrar vestígios do homem por quem me apaixonei há treze anos. Mas tudo o que via era um estranho. O Rui que me fazia rir nas noites de verão, que me escrevia bilhetes apaixonados e me surpreendia com flores nos aniversários, tinha desaparecido há muito. Agora, só recebia flores duas vezes por ano — no meu aniversário e no Dia da Mãe — e mesmo assim, eram entregues por um estafeta apressado.

— Rui, por favor… — tentei manter a voz firme — Não quero guerra. Só quero o melhor para o Tomás e a Leonor. Eles precisam de estabilidade.

Ele riu-se, um riso amargo. — Estabilidade? Achas que vais conseguir dar-lhes isso sozinha? Passas a vida preocupada com a tua imagem, com as tuas amigas do ginásio e os jantares no Chiado. Achas mesmo que és melhor mãe do que eu sou pai?

As palavras dele cortaram-me como facas. Sim, eu cuidava de mim. Sim, gostava de me sentir bonita — talvez porque era das poucas coisas que ainda conseguia controlar na minha vida. Mas nunca descurei os meus filhos. Nunca.

A verdade é que a nossa relação já estava condenada há anos. O Rui tornou-se ausente, indiferente. Eu tentava reacender a chama: mudava o cabelo, comprava roupa nova, preparava jantares especiais… mas ele parecia sempre distante, como se já tivesse desistido de nós. Os olhares dos outros homens na rua eram um lembrete amargo de que ainda era desejada — menos pelo homem com quem partilhava a vida.

Quando decidi pedir o divórcio, pensei que seria um processo civilizado. Enganei-me redondamente.

— Vou falar com a Natália amanhã — disse-lhe, referindo-me à minha advogada e amiga de infância. — Quero resolver isto sem dramas.

Ele atirou o copo contra a parede. O vidro espalhou-se pelo chão como os pedaços do nosso casamento.

— Vais arrepender-te disto, Mariana. Vais ver.

Na manhã seguinte, acordei com o coração apertado. Tomás e Leonor ainda dormiam nos seus quartos. Fui até à cozinha e preparei-lhes o pequeno-almoço favorito: panquecas com mel e morangos frescos. Sentei-me à mesa e olhei para as mãos trémulas. Como é que cheguei aqui?

A Natália recebeu-me no escritório dela em Campo de Ourique com um abraço apertado.

— Mariana, tens de ser forte agora. O Rui já me ligou. Está furioso e vai lutar pela guarda partilhada.

— Ele nunca quis saber deles! — explodi, sentindo a raiva misturar-se com o medo. — Sempre fui eu a ir às reuniões da escola, aos médicos… Ele mal sabe qual é o prato favorito do Tomás!

Natália olhou-me nos olhos.

— Isso vai ajudar-te em tribunal. Mas tens de te preparar para ouvir coisas feias. Ele vai tentar virar tudo contra ti.

E assim começou a guerra.

Os dias seguintes foram um pesadelo. O Rui começou a chegar mais cedo a casa, a levar as crianças ao parque sozinho, a publicar fotos nas redes sociais como se fosse o pai do ano. Os meus sogros ligavam-me todos os dias, acusando-me de destruir a família.

— Mariana, pensa bem no que estás a fazer — dizia a sogra ao telefone, entre suspiros dramáticos. — O Tomás e a Leonor precisam do pai.

— E da mãe também! — respondia eu, tentando não chorar.

As amigas dividiam-se: umas apoiavam-me incondicionalmente; outras diziam-me para tentar salvar o casamento “pelos miúdos”. Mas eu sabia que já não havia nada para salvar.

Uma noite, depois de deitar as crianças, sentei-me no sofá e desabei. Senti-me sozinha como nunca antes. O silêncio da casa era ensurdecedor. Peguei no telemóvel e escrevi uma mensagem à Natália:

“Não sei se vou aguentar isto. Sinto-me uma péssima mãe.”

Ela respondeu quase de imediato:

“És uma mãe incrível. Não deixes que te façam duvidar disso. Amanhã vamos ao tribunal juntas. Estou contigo.”

O dia da audiência chegou depressa demais. Vesti o meu melhor fato — queria parecer forte, confiante — mas por dentro tremia como uma folha ao vento.

No tribunal, Rui estava acompanhado pelo advogado dele e pelos pais. Evitámos olhar-nos nos olhos.

A juíza fez perguntas duras:

— Senhora Mariana, é verdade que passa muito tempo fora de casa? Que deixa os filhos com a empregada para ir ao ginásio?

Senti o sangue ferver.

— Vou ao ginásio três vezes por semana porque preciso de cuidar da minha saúde mental e física. Mas nunca faltei a um compromisso dos meus filhos. Tenho provas disso.

A juíza assentiu, mas vi o olhar triunfante do Rui.

Quando chegou a vez dele falar, pintou-me como uma mulher fútil e egoísta.

— Ela preocupa-se mais com as aparências do que com os filhos — disse ele, com voz embargada.

Quis gritar-lhe todas as verdades na cara: as noites em que fiquei acordada sozinha à espera dele; as vezes em que chorei no banho para não acordar as crianças; os aniversários esquecidos; os jantares frios à mesa vazia… Mas calei-me.

No final da audiência, saí do tribunal exausta. Natália abraçou-me.

— Foste corajosa. Agora é esperar pela decisão.

As semanas seguintes foram um tormento. O Rui continuava a manipular tudo à volta dele: amigos comuns afastaram-se de mim; os meus pais começaram a duvidar das minhas escolhas; até a Leonor perguntou um dia:

— Mamã, tu vais embora?

Abracei-a com força.

— Nunca vou deixar-te, meu amor. Nunca.

Quando finalmente recebi o telefonema da Natália com a decisão do tribunal, estava sentada no banco do jardim onde costumava brincar em criança.

— Mariana… ficaste com a guarda principal dos teus filhos! — gritou ela do outro lado da linha.

As lágrimas correram-me pelo rosto sem vergonha nem medo.

Voltei para casa nesse dia sentindo-me mais leve — mas também mais consciente do preço desta vitória. O Rui nunca me perdoaria; os meus sogros provavelmente nunca mais me falariam; metade dos meus amigos tinham desaparecido.

Mas quando vi o sorriso do Tomás e da Leonor ao entrarem em casa, soube que tinha feito o certo.

Agora olho para trás e pergunto-me: quantas mulheres vivem presas em casamentos mortos por medo do julgamento dos outros? Quantas sacrificam a própria felicidade para manter uma fachada?

Será que vale mesmo a pena viver uma vida que não é nossa só para agradar aos outros? E vocês… já sentiram este medo de recomeçar?