Entre o Amor e o Orgulho: O Meu Neto no Meio da Tempestade

— Rui, por favor, pensa bem no que estás a fazer! — gritei, a voz embargada pela angústia, enquanto ele atirava a mala para o porta-bagagens.

O meu filho virou-se para mim com os olhos vermelhos de raiva e cansaço. — Mãe, não aguento mais! A Sofia não me respeita, só sabe gritar e atirar-me tudo à cara. Não posso viver assim!

Do outro lado do corredor, ouvi a porta do quarto bater com força. Sofia, a minha nora, chorava baixinho. O pequeno Tomás, com apenas seis anos, estava sentado no tapete da sala, abraçado ao seu urso de peluche, sem perceber metade do que se passava, mas sentindo toda a tensão no ar.

Nunca imaginei que a minha família chegasse a este ponto. Sempre me orgulhei de ser uma mãe presente, uma sogra justa, mas agora sentia-me impotente. O Rui sempre foi teimoso, herdou isso do pai. A Sofia… bem, nunca teve papas na língua. No início até achei graça àquela energia dela, mas com o tempo percebi que era como um fósforo: acendia-se por tudo e por nada.

Tudo começou a descambar há cerca de um ano, quando o Rui perdeu o emprego na fábrica de cerâmica. Os dias começaram a ser todos iguais: ele fechado em casa, ela a trabalhar horas extra no supermercado para pagar as contas. As discussões tornaram-se rotina. Eu tentava ajudar como podia — levava sopa, ficava com o Tomás para eles descansarem — mas sentia-me cada vez mais afastada.

Lembro-me de uma noite em particular. Estava a fazer o jantar quando ouvi gritos vindos da sala:

— Não aguentas nem procurar trabalho! — atirou Sofia.
— E tu só sabes mandar! Achas que é fácil? — respondeu Rui, já com a voz embargada.

Tomás entrou na cozinha de mansinho e agarrou-se às minhas pernas. — Avó, eles vão separar-se?

O meu coração apertou-se. — Não sei, meu amor… Mas seja o que for, a avó está aqui contigo.

Naquela noite, depois de adormecer o Tomás ao meu lado, chorei baixinho. Senti-me culpada por não conseguir segurar aquela família unida. Recordei os tempos em que o Rui era pequeno e corria pelo quintal atrás das galinhas. Onde é que tudo se perdeu?

O divórcio foi inevitável. Sofia fez as malas e levou Tomás para casa da mãe dela em Vila Nova de Gaia. Rui ficou comigo em Aveiro, mas era só um fantasma do filho que conheci: calado, fechado no quarto, sem vontade de sair ou comer.

Durante semanas tentei convencê-lo a lutar pelo filho. — Rui, o Tomás precisa de ti! Não podes desistir!

Ele só abanava a cabeça. — A Sofia não me deixa vê-lo. Diz que sou um mau pai.

Fui falar com Sofia. Esperei por ela à porta do supermercado onde trabalhava.

— Sofia, precisamos de conversar sobre o Tomás.
Ela olhou-me com desconfiança. — Dona Helena, eu não quero problemas.
— Não é por mim, é pelo seu filho! Ele sente falta do pai… e de mim também.
Ela suspirou fundo. — O Rui não faz ideia do que é ser pai! Só pensa nele próprio.
— E você? Acha que está a fazer melhor ao afastar o miúdo da família dele?

Ficámos ali paradas uns segundos, cada uma agarrada ao seu orgulho. No fundo, ambas queríamos proteger o Tomás — mas cada uma à sua maneira.

Os meses passaram e as visitas tornaram-se cada vez mais raras. O Rui começou a sair à noite com amigos antigos, tentando esquecer as mágoas no fundo de copos de cerveja barata. Eu via-o definhar e sentia-me a perder também o meu filho.

Uma tarde chuvosa de novembro, recebi uma chamada da escola do Tomás:

— Dona Helena? O Tomás está muito triste ultimamente… Não fala com ninguém e chora muito durante as aulas.

O meu coração partiu-se em mil pedaços. Fui buscá-lo nesse mesmo dia. Quando me viu à porta da escola, correu para mim e abraçou-me com força.

— Avó, posso ir viver contigo?

Não soube o que responder. Queria dizer-lhe que sim, claro! Mas sabia que não era assim tão simples.

Convoquei uma reunião familiar em minha casa. Sofia veio contrariada; Rui apareceu atrasado e mal disposto.

— Isto não pode continuar assim! — disse eu, batendo com a mão na mesa. — O Tomás está a sofrer! Vocês têm de pôr as vossas diferenças de lado pelo bem dele!

Sofia olhou para Rui com lágrimas nos olhos. — Eu só quero proteger o meu filho…
Rui suspirou. — E eu só queria ter uma família normal…

O silêncio instalou-se na sala. Tomás brincava no tapete com os legos, alheio à tensão dos adultos.

Foi então que propus: — E se ele passasse uma semana com cada um? Assim não perde nenhum dos pais… nem a avó.

Sofia hesitou. Rui pareceu acordar de um sonho mau.
— Achas mesmo que isso resulta? — perguntou ele.
— Não sei — respondi — mas temos de tentar alguma coisa!

Começámos assim: uma semana em Vila Nova de Gaia com Sofia; outra semana em Aveiro comigo e com Rui. Não foi fácil. O Tomás chorava sempre que mudava de casa; eu chorava quando ele partia; Rui tentava ser um bom pai mas faltava-lhe paciência; Sofia ligava-me todas as noites para saber se estava tudo bem.

Houve dias em que pensei desistir. Senti-me velha e cansada; senti que falhei como mãe e como avó. Mas depois olhava para o Tomás e via nele toda a esperança do mundo.

Um dia ele perguntou-me:
— Avó, porque é que os adultos se zangam tanto?
Fiquei sem resposta. Talvez porque todos temos medo de perder quem amamos…

Hoje continuo a lutar por ele — por nós todos. Sei que nunca mais seremos aquela família perfeita das fotografias antigas… Mas talvez possamos ser outra coisa: uma família imperfeita mas cheia de amor.

Às vezes pergunto-me: será que algum dia vamos conseguir perdoar-nos uns aos outros? Será possível reconstruir uma família depois de tanta dor? E vocês… já passaram por algo assim? Como encontraram forças para recomeçar?