Entre o Amor e o Orgulho: A História de Clara e Miguel

— Não posso casar contigo, Clara. Não agora. — A voz do Miguel ecoou pela cozinha da casa dos meus pais, fria como o mármore da bancada onde me apoiava para não cair.

Senti o chão fugir-me dos pés. O teste de gravidez ainda estava no bolso do meu casaco, como se pudesse esconder a verdade se o mantivesse ali. Olhei para ele, à espera de um sorriso, de um gesto de carinho, mas só encontrei os olhos baixos e as mãos trémulas.

— Mas… Miguel, eu estou grávida. — A minha voz saiu num sussurro, quase uma súplica.

Ele desviou o olhar. — Eu sei. Mas não posso. Não estou preparado. A minha mãe também acha que não faz sentido precipitar as coisas.

A mãe dele. Dona Teresa. Sempre tão controladora, sempre a decidir tudo por ele. Lembrei-me das vezes em que ela me olhou de cima a baixo, como se eu fosse uma ameaça ao futuro brilhante do filho. Agora, ela tinha a desculpa perfeita para afastar-me de vez.

Naquela noite, não dormi. Oiço ainda as palavras do meu pai, António, a ecoar pela casa:

— Isto não é maneira de tratar uma rapariga! Se não assumes as tuas responsabilidades, Miguel, então não mereces a minha filha!

A minha mãe chorava baixinho na sala. O meu irmão mais novo fechou-se no quarto, envergonhado com os gritos que se ouviam pela aldeia inteira.

No dia seguinte, fui falar com Dona Teresa. Queria ouvir da boca dela o que tanto temia.

— Clara, tu és uma boa rapariga, mas o Miguel tem uma carreira pela frente. Não pode estragar tudo agora por um erro. — Ela serviu-me chá como se estivéssemos a falar do tempo.

— Um erro? — Senti o sangue ferver-me nas veias. — O seu neto é um erro?

Ela pousou a chávena com delicadeza. — Não ponhas palavras na minha boca. Só acho que deviam esperar. Ter um filho agora vai complicar tudo.

— E fugir das responsabilidades não complica?

Ela não respondeu. Levantou-se e saiu da sala, deixando-me sozinha com o cheiro a camomila e a sensação de que estava completamente só.

Os dias passaram lentos e pesados. O Miguel evitava-me, respondia às mensagens com monosílabos ou nem respondia de todo. O meu pai insistia para que eu fosse falar com o pai do Miguel, o senhor Joaquim, homem de poucas palavras mas de princípios firmes.

Encontrei-o no café da vila, sentado ao balcão com o jornal aberto à frente.

— Senta-te, Clara. — A voz dele era grave mas acolhedora.

Contei-lhe tudo: a recusa do Miguel, as palavras da Dona Teresa, o medo que sentia de enfrentar tudo sozinha.

Ele suspirou fundo. — O meu filho sempre foi influenciável pela mãe. Mas eu eduquei-o para ser homem e assumir as consequências dos seus atos. Vou falar com ele.

Naquela noite houve nova discussão na casa dos pais do Miguel. Ouvi dizer que os gritos se ouviram até à rua principal. O senhor Joaquim exigiu que o filho viesse falar comigo e com os meus pais.

Quando finalmente nos sentámos todos à mesa — eu, os meus pais, o Miguel e os pais dele — senti-me como uma ré num tribunal.

— Clara merece respeito — começou o meu pai. — E este bebé também.

O Miguel olhou para mim, olhos vermelhos de chorar ou de raiva, não sei.

— Eu… eu não sei se consigo ser pai agora — murmurou ele.

O senhor Joaquim bateu com a mão na mesa. — Não é uma questão de conseguir ou não! É uma questão de caráter!

A Dona Teresa tentou intervir, mas ele calou-a com um olhar duro.

— Se não queres casar agora, pelo menos assume o teu filho! — insistiu o meu pai.

O silêncio caiu pesado sobre nós. Senti-me pequena, esmagada pelo peso das expectativas e dos sonhos desfeitos.

Depois daquela noite, tudo mudou. O Miguel começou a aparecer mais vezes em minha casa, mas era como se estivesse ali por obrigação. A alegria que tínhamos partilhado nos primeiros meses do namoro desaparecera por completo.

As pessoas da aldeia começaram a cochichar quando eu passava na rua. A minha barriga crescia e com ela crescia também a vergonha e o medo do futuro.

A minha mãe tentava animar-me:

— Vai correr tudo bem, filha. Tens-nos a nós.

Mas eu sentia-me sozinha como nunca antes.

Uma tarde, enquanto caminhava pelo campo para tentar acalmar a cabeça, encontrei a Ana, amiga de infância que já tinha passado por algo semelhante.

— Não deixes que decidam por ti — disse ela, apertando-me a mão. — O teu filho precisa de ti forte e feliz.

Essas palavras ficaram comigo durante dias. Comecei a pensar no que realmente queria para mim e para o meu bebé. Queria um casamento forçado? Queria viver ao lado de alguém que só estava comigo por pressão?

Numa noite chuvosa, chamei o Miguel para conversar.

— Miguel… eu amo-te. Sempre amei. Mas não quero obrigar-te a nada. Se não estás preparado para ser pai ou marido agora… eu vou seguir em frente sozinha.

Ele ficou em silêncio durante muito tempo. Depois chorou como nunca o tinha visto chorar.

— Desculpa… Desculpa por ser tão fraco…

Abracei-o uma última vez e deixei-o ir.

Os meses seguintes foram duros mas libertadores. Com o apoio dos meus pais e do senhor Joaquim (que passou a visitar-me todas as semanas), preparei-me para receber o meu filho no mundo.

Quando o Tomás nasceu, senti uma força dentro de mim que nunca imaginei ter. O Miguel veio vê-lo algumas vezes; aos poucos começou a assumir o papel de pai, sem pressões nem obrigações impostas por ninguém.

A Dona Teresa nunca mais falou comigo diretamente, mas ouvi dizer que mostrava fotos do neto às vizinhas com orgulho disfarçado.

Hoje olho para trás e pergunto-me: quantas mulheres vivem presas às expectativas dos outros? Quantas vezes sacrificamos a nossa felicidade por medo do julgamento alheio?

Será que teria sido mais fácil ceder à pressão? Ou foi esta luta que me fez descobrir quem realmente sou? E vocês… já sentiram que tiveram de escolher entre o vosso coração e as expectativas da família?