Entre o Amor e o Desengano: Como a Mãe do Miguel Mudou o Meu Destino
— Não podes continuar a fingir que está tudo bem, Inês! — A voz da Dona Teresa ecoou pela sala, cortando o silêncio pesado que se instalara depois do jantar. O cheiro do bacalhau ainda pairava no ar, misturado com a tensão que se sentia entre mim e o Miguel. Eu olhava para o prato, tentando evitar o olhar dela, mas sentia cada palavra como uma bofetada.
Naquele momento, tudo o que eu queria era desaparecer. O Miguel, sentado ao meu lado, apertava-me a mão debaixo da mesa, mas não dizia nada. O silêncio dele doía mais do que qualquer palavra. Eu sabia que a mãe dele tinha razão, mas não queria admitir. Tinha medo de perder tudo aquilo por que lutei nos últimos dois anos.
Conheci o Miguel numa tarde chuvosa de novembro, no escritório onde trabalhávamos. Ele era responsável pelo departamento de logística e eu tinha acabado de entrar para a equipa de recursos humanos. O sotaque do Norte dele fazia-me sorrir e, aos poucos, fui-me deixando envolver pelo seu jeito calmo e pelo olhar atento. Começámos a almoçar juntos, depois vieram os cafés ao final da tarde e, sem darmos conta, estávamos apaixonados.
A minha mãe dizia-me sempre para ter cuidado com os homens demasiado calados. “São como rios fundos, Inês. Nunca sabes o que escondem.” Mas eu não quis ouvir. O Miguel fazia-me sentir segura e, depois de tantos desaires amorosos, achei que finalmente tinha encontrado alguém com quem podia construir uma vida.
O problema era a família dele. Ou melhor, a mãe dele. Dona Teresa era uma mulher forte, daquelas que não têm papas na língua e dizem tudo o que pensam. No início achei graça à sua frontalidade, mas depressa percebi que ela não gostava de mim. Fazia comentários sobre a minha roupa, sobre o meu trabalho (“Recursos humanos? Isso é para quem não sabe o que quer da vida!”), até sobre a forma como eu cortava o pão ao jantar.
O Miguel tentava apaziguar as coisas, mas raramente se impunha. “Ela é assim com toda a gente”, dizia-me ele. “Não ligues.” Mas eu ligava. Ligava porque sentia que nunca seria suficiente para aquela família.
As discussões começaram a aparecer quando falámos em casar. Eu queria uma cerimónia simples, só com os mais próximos. A Dona Teresa queria uma festa grande, com toda a aldeia convidada. “Aqui faz-se assim”, dizia ela. O Miguel encolhia os ombros e dizia para fazermos como ela queria. Eu cedia sempre.
Foi nessa altura que comecei a perceber que estava sozinha naquela relação. O Miguel era bom rapaz, mas não sabia lutar por mim. Quando tive problemas no trabalho — fui acusada injustamente de um erro grave — ele limitou-se a dizer “vai passar”. Não me defendeu perante os meus colegas nem tentou perceber o que realmente se passava.
A gota de água foi naquele jantar de domingo. A Dona Teresa perguntou-me se já tinha pensado em deixar o emprego para cuidar dos filhos quando eles viessem. “Aqui em casa sempre foi assim”, disse ela. “As mulheres cuidam da casa e dos filhos.”
Eu engoli em seco e respondi:
— Mas eu gosto do meu trabalho…
Ela interrompeu-me:
— O trabalho não te vai aquecer à noite nem criar os teus filhos!
O Miguel ficou calado. Olhou para mim como quem pede desculpa sem coragem de abrir a boca.
Depois do jantar, fui até à varanda apanhar ar. A Dona Teresa veio atrás de mim. Pensei que vinha pedir desculpa, mas enganei-me.
— Inês, tu és boa rapariga — disse ela, olhando-me nos olhos — mas não és para o meu filho. Ele precisa de alguém que aceite esta casa como ela é. Tu és demasiado independente, demasiado moderna… Vais acabar infeliz aqui.
Senti as lágrimas a quererem saltar-me dos olhos, mas aguentei firme.
— Eu amo o Miguel — respondi baixinho.
— Amar não chega — disse ela. — O amor não resiste quando um dos dois está sempre a ceder.
Naquela noite não dormi. Olhei para o Miguel a dormir ao meu lado e percebi que ele nunca ia mudar. Que eu ia passar a vida inteira a lutar por um lugar numa família onde nunca seria aceite.
No dia seguinte, antes de sair para o trabalho, sentei-me na cama e disse-lhe:
— Miguel, precisamos de falar.
Ele olhou para mim assustado.
— Eu não posso continuar assim… Sinto-me sozinha nesta relação. Preciso que lutes por mim, por nós.
Ele ficou em silêncio durante tanto tempo que pensei que não ia responder.
— Eu amo-te, Inês… Mas não sei se consigo ser diferente do que sou.
Foi aí que percebi tudo. Abracei-o com força e chorei como nunca tinha chorado antes. Depois fiz as malas e saí daquela casa.
Os meses seguintes foram um inferno. Senti-me perdida, sem chão. A minha mãe tentou animar-me: “Antes agora do que depois de casada e com filhos.” Os meus amigos diziam-me que tinha sido corajosa, mas eu só sentia dor.
Um dia recebi uma mensagem da Dona Teresa: “Espero que encontres alguém que te mereça.” Não sei se foi um pedido de desculpa ou apenas uma constatação fria da realidade.
Hoje olho para trás e agradeço-lhe. Se ela não tivesse sido tão dura comigo, talvez ainda estivesse presa naquela vida pequena, a tentar agradar a toda a gente menos a mim própria.
Às vezes pergunto-me: quantas pessoas vivem anos inteiros presas ao medo de desiludir os outros? Quantas vezes sacrificamos quem somos só para caber num lugar onde nunca seremos aceites? E vocês… já passaram por algo assim?