Entre o Amor e o Abismo: O Meu Salto de Fé
— Não faças isso, Mariana! — A voz da minha mãe ecoava pela cozinha, misturando-se com o som da chuva a bater nas janelas do nosso apartamento em Benfica. — Tu nem conheces bem o Miguel. Achas mesmo que venderes o teu apartamento para ires viver com ele é sensato?
A minha mão tremia ao segurar a chávena de chá. O cheiro a hortelã não conseguia acalmar o nó no meu estômago. Olhei para ela, olhos marejados, mas determinada.
— Mãe, eu amo-o. Nunca senti isto por ninguém. O Miguel é diferente. Ele faz-me sentir viva.
Ela suspirou, cansada, como se já tivesse tido esta conversa mil vezes. — O amor não paga contas, Mariana. E se as coisas correrem mal? E se ele te deixar? Vais ficar sem casa, sem nada…
Afastei-me da mesa, incapaz de ouvir mais. — Sempre foste pessimista! Porque não consegues ficar feliz por mim?
Ela levantou-se também, aproximando-se devagar. — Porque sou tua mãe. E porque já vi isto acontecer antes. O teu pai também prometeu mundos e fundos…
— O Miguel não é o pai! — gritei, a voz embargada pela raiva e pela dor antiga.
Saí de casa naquela noite com a mala feita e o coração aos saltos. Chovia torrencialmente quando toquei à porta do Miguel, no bairro de Campo de Ourique. Ele abriu com um sorriso largo e braços abertos.
— Vieste mesmo… — murmurou, puxando-me para dentro.
Naqueles primeiros meses juntos, tudo parecia perfeito. As manhãs cheias de café forte e beijos apressados antes do trabalho; as noites de filmes enrolados no sofá; os jantares improvisados à luz das velas quando faltava a eletricidade. Vendi o meu apartamento por um preço justo e investi metade no novo lar que comprámos juntos. O resto ficou numa conta conjunta — decisão que agora me parece tão ingénua.
A minha mãe ligava todos os dias. Às vezes atendia, outras vezes deixava tocar. Cada chamada era uma mistura de saudade e culpa.
— Está tudo bem, mãe. Estou feliz, acredita.
Ela suspirava do outro lado da linha. — Só quero que sejas feliz…
O tempo passou depressa. O Miguel pediu-me em casamento numa noite de verão, no miradouro de Santa Catarina. Tinha um anel simples e um sorriso nervoso.
— Mariana, queres casar comigo?
Disse que sim antes mesmo de pensar duas vezes. A boda foi pequena, só família e amigos próximos, mas a ausência do meu pai pesou como uma sombra. A minha mãe chorou durante toda a cerimónia — lágrimas que eu quis acreditar serem de alegria.
Os primeiros meses de casados foram uma lua-de-mel prolongada. Mas aos poucos, pequenas fissuras começaram a aparecer.
O Miguel trabalhava cada vez mais tarde. Chegava a casa cansado, irritado com tudo e todos. Eu tentava animá-lo com jantares especiais ou surpresas, mas ele parecia cada vez mais distante.
Uma noite, depois de uma discussão sobre dinheiro — sempre sobre dinheiro — ele atirou:
— Se não fosses tão controladora, talvez as coisas corressem melhor!
Fiquei sem palavras. Eu? Controladora? Sempre fora eu a ceder, a tentar agradar-lhe.
Comecei a desconfiar quando encontrei mensagens estranhas no telemóvel dele. Nomes que não conhecia, conversas apagadas. Confrontei-o numa noite em que a tensão era insuportável.
— Miguel, há alguma coisa que me queiras contar?
Ele desviou o olhar, mexendo nervosamente nas chaves do carro.
— Não inventes coisas na tua cabeça, Mariana.
Mas eu sabia. O instinto nunca falha.
As discussões tornaram-se rotina. A casa que antes era refúgio tornou-se campo de batalha. A minha mãe continuava a ligar, cada vez mais preocupada.
— Mariana, volta para casa. Não tens de passar por isto sozinha.
Mas eu sentia vergonha. Vergonha de ter ignorado os avisos dela, vergonha de ter apostado tudo num amor que agora me sufocava.
Uma noite, depois de mais uma discussão violenta, fechei-me na casa de banho e chorei até não ter mais lágrimas. Olhei-me ao espelho: olhos inchados, cabelo desgrenhado, uma sombra da mulher que fora.
Foi aí que tomei uma decisão.
No dia seguinte arrumei algumas roupas numa mala pequena e saí sem olhar para trás. Liguei à minha mãe do táxi.
— Mãe… posso ir para casa?
Ela não hesitou um segundo.
— Claro que sim, filha. Sempre.
O regresso foi agridoce. Senti-me aliviada por estar longe do Miguel mas esmagada pelo fracasso. A minha mãe recebeu-me com um abraço apertado e lágrimas nos olhos.
— Não tens de te envergonhar de nada. O erro foi dele, não teu.
Os dias seguintes foram difíceis. Tive de lidar com advogados para dividir os bens — o dinheiro da venda do meu apartamento estava praticamente todo investido na casa nova e na conta conjunta… que ele esvaziara sem me avisar.
Senti-me traída em todos os sentidos possíveis: como mulher, como filha, como pessoa.
Os amigos afastaram-se aos poucos; alguns diziam que eu devia ter ouvido a minha mãe desde o início; outros simplesmente não sabiam o que dizer.
Passei noites em claro a pensar onde tinha falhado. Será que fui ingénua? Será que confiei demais? Ou será que amar é sempre um salto no escuro?
Hoje olho para trás com uma mistura de tristeza e orgulho. Perdi quase tudo — menos a mim mesma e ao amor incondicional da minha mãe.
Às vezes pergunto-me: valeu a pena arriscar tudo por amor? Ou será que há feridas que nunca saram completamente? E vocês… já deram um salto de fé assim?