Entre o Amor e a Verdade: Seis Traços que Mudaram o Meu Destino
— Não me mintas, Miguel! — gritou a Inês, com os olhos marejados de lágrimas, enquanto a chuva batia forte nas janelas do noфsso pequeno apartamento em Campo de Ourique. O cheiro do café queimado misturava-se ao da terra molhada, e eu sentia o coração apertado, como se cada gota de chuva fosse uma acusação.
A verdade é que eu tinha mentido. Não sobre uma traição física, mas sobre algo ainda mais profundo: os meus sentimentos. Desde que conheci a Inês, sempre admirei nela aquela confiança tranquila, aquela maneira de entrar numa sala e fazer todos sentirem-se importantes. Mas ultimamente, sentia-me sufocado por essa mesma confiança. Era como se ela não precisasse de mim para nada, e isso fazia-me sentir invisível.
— Não é mentira, Inês… só não te disse tudo — tentei justificar-me, mas a minha voz soava fraca, quase infantil.
Ela virou-se para mim, os cabelos castanhos colados ao rosto pela humidade. — O que é que não disseste? Que já não me amas? Ou que tens medo de seres tu próprio?
Fiquei em silêncio. O relógio da parede marcava quase meia-noite. Lá fora, ouvia-se o som distante de um elétrico. Lembrei-me de quando nos conhecemos, há três anos, numa livraria do Chiado. Ela estava a discutir com o livreiro sobre Saramago e eu, fascinado pela sua paixão, meti-me na conversa. Foi ali que percebi o quanto era irresistível uma mulher autêntica.
Mas a autenticidade tem um preço. A Inês era honesta até à medula, incapaz de fingir ou esconder emoções. Isso era bonito… até ser doloroso. Quando comecei a sentir dúvidas sobre o nosso futuro, ela percebeu antes de mim. E agora estávamos ali, cada um preso na sua verdade.
— Miguel, eu só quero saber se ainda somos nós — disse ela, mais calma agora, mas com uma tristeza funda na voz.
Olhei para ela e vi tudo o que me atraía: a compaixão com que tratava os outros, a coragem de enfrentar os próprios medos, o sentido de humor que aliviava até os piores dias. Mas também vi o peso das expectativas. E percebi que talvez nunca tivesse sido suficiente para ela.
Na manhã seguinte, acordei sozinho. A Inês tinha saído cedo para ir trabalhar no hospital de Santa Maria. Deixou um bilhete na mesa da cozinha: “Pensa no que queres. Eu mereço alguém inteiro.”
Passei o dia em piloto automático. No trabalho, mal ouvi os colegas; só pensava na Inês e no vazio que deixara. À noite, fui ter com o meu amigo Rui ao café Nicola.
— Estás com cara de quem levou um murro no estômago — disse ele, sem rodeios.
— Talvez tenha levado — respondi, mexendo no café frio.
O Rui era o oposto da Inês: reservado, pragmático, pouco dado a dramas. Mas sempre soube ouvir.
— Sabes o que eu acho? — começou ele — Tu apaixonaste-te pela força dela porque te faltava coragem para seres verdadeiro contigo próprio.
As palavras dele ficaram-me na cabeça durante dias. Comecei a reparar em padrões: todas as mulheres por quem me sentira atraído tinham algo em comum — autenticidade, confiança, compaixão… mas também uma independência feroz que me fazia sentir dispensável.
Foi então que conheci a Sofia. Trabalhava comigo numa agência de publicidade em Lisboa. Era diferente da Inês: mais reservada, mas com uma gentileza desarmante. Um dia, ficámos até tarde no escritório e começámos a falar sobre sonhos adiados.
— Sempre quis ser artista plástica — confessou ela, olhando para as mãos manchadas de tinta de caneta.
— Porque não tentas? — perguntei.
Ela sorriu tristemente. — Porque tenho medo de falhar. E tu? O que é que te impede?
Aquela pergunta ficou-me atravessada na garganta. Percebi que nunca tinha tido coragem de ser vulnerável. Sempre procurei mulheres fortes porque achava que elas podiam compensar as minhas fraquezas.
Com o tempo, eu e a Sofia aproximámo-nos. Ela tinha uma empatia rara; conseguia perceber quando alguém estava mal sem precisar de palavras. Um dia, depois de um jantar em minha casa, olhou-me nos olhos e disse:
— Miguel, tu tens medo de amar outra vez?
Fiquei sem resposta. A verdade é que tinha medo de repetir os mesmos erros: esconder sentimentos, fugir dos conflitos, esperar que o outro fosse sempre mais forte.
A relação com a Sofia foi crescendo devagarinho. Ela ensinou-me o valor da vulnerabilidade — outro traço irresistível que nunca tinha valorizado verdadeiramente. Mas também percebi que nenhuma relação sobrevive só à custa dos traços bonitos; é preciso enfrentar as sombras.
Um domingo à tarde, fomos visitar os meus pais em Sintra. A minha mãe sempre foi muito crítica das minhas escolhas amorosas.
— Então agora andas com outra? — perguntou ela à mesa do almoço, sem rodeios.
O meu pai tentou mudar de assunto, mas ela insistiu:
— Tu nunca sabes o que queres! Primeiro foi a Marta, depois a Inês… agora esta Sofia…
Senti-me envergonhado diante da Sofia. Ela apertou-me a mão por baixo da mesa e sorriu-me com compreensão.
No caminho de volta para Lisboa, ela disse:
— Não deixes que as opiniões dos outros ditem quem tu és ou quem amas.
Essas palavras ficaram comigo durante semanas. Comecei a perceber que outro traço irresistível numa mulher era precisamente essa capacidade de apoiar sem julgar — algo raro e precioso.
Mas nem tudo era perfeito. A Sofia tinha uma insegurança profunda; precisava constantemente de garantias do meu amor. Às vezes sentia-me exausto por ter de ser sempre o porto seguro dela.
Numa noite fria de dezembro, tivemos uma discussão feia:
— Porque é que nunca dizes o que sentes? — gritou ela.
— Porque tenho medo! Medo de não ser suficiente! — explodi finalmente.
Ela chorou baixinho e eu senti-me um monstro por lhe causar dor.
No Natal desse ano, decidi passar uns dias sozinho no Porto para pensar na minha vida. Caminhei pelas ruas molhadas da Ribeira e tentei perceber onde tinha falhado tantas vezes.
Foi lá que conheci a Beatriz — uma amiga da minha prima Joana. Era diferente de todas as outras: divertida, espontânea e com uma energia contagiante. Passámos horas a conversar sobre tudo e nada; ela fazia-me rir como há muito não acontecia.
A Beatriz tinha outro daqueles traços irresistíveis: autenticidade sem filtros. Dizia tudo o que pensava, mesmo quando era desconfortável. Uma noite, depois de uns copos num bar da Foz, olhou-me nos olhos e disse:
— Tu complicas demasiado as coisas. O amor não é um enigma para resolveres; é para sentires.
Essas palavras foram como um murro no estômago — mas também um alívio.
Voltei para Lisboa decidido a mudar. Liguei à Sofia e pedi-lhe desculpa por não ter sido honesto comigo próprio nem com ela. Terminámos em paz.
Com o tempo percebi que os traços irresistíveis nas mulheres — autenticidade, confiança, compaixão, vulnerabilidade, apoio incondicional e espontaneidade — são espelhos das nossas próprias necessidades e inseguranças.
Hoje estou sozinho, mas sinto-me mais inteiro do que nunca. Aprendi que não basta admirar nos outros aquilo que nos falta; é preciso cultivar esses traços em nós próprios primeiro.
Às vezes pergunto-me: será que procuramos nos outros aquilo que temos medo de encontrar em nós? Ou será que só aprendemos realmente sobre o amor quando deixamos de fugir das nossas próprias verdades?