Entre o Amor e a Dor: Quando o Meu Filho Disse Que Queria Ir Embora
— Mãe, eu quero ir morar com o pai. — A voz do Tiago, tão pequena e ao mesmo tempo tão pesada, ecoou pela cozinha como se fosse um trovão. Eu estava a cortar cebolas para o jantar, mas naquele instante, as lágrimas que me vieram aos olhos não tinham nada a ver com o cheiro forte.
Fiquei imóvel, faca na mão, a olhar para ele. O meu filho, o meu bebé, com apenas seis anos, olhava-me com uma seriedade que não combinava com as bochechas redondas e os olhos grandes. Senti o coração apertar-se no peito, como se alguém o estivesse a espremer com força.
— Porquê, Tiago? — perguntei, tentando manter a voz firme. — O que aconteceu?
Ele encolheu os ombros, desviando o olhar para o chão. — O pai deixa-me jogar PlayStation até tarde. E ele não me obriga a comer sopa.
Sentei-me à mesa, sem saber se devia rir ou chorar. Era isso? Era só isso? Mas sabia que não era. O divórcio tinha sido há pouco mais de um ano. Eu e o Rui tentámos manter tudo civilizado, mas as discussões eram inevitáveis. E Tiago, no meio de tudo, era quem mais sofria.
— Tiago, tu sabes que eu te amo muito, não sabes? — arrisquei.
Ele assentiu devagar, mas não me olhou nos olhos. — Mas eu gosto mais do pai agora.
Aquelas palavras foram como facas. Senti-me rejeitada, inútil. Tinha dado tudo por aquele miúdo: noites sem dormir, febres altas, birras intermináveis. E agora ele queria ir embora.
Naquela noite, depois de o deitar, sentei-me no sofá e chorei em silêncio. Liguei à minha mãe.
— Mãe, o Tiago disse que quer ir viver com o Rui. Não sei o que fazer.
Do outro lado da linha, ouvi um suspiro pesado. — Filha, ele é uma criança. Não leves isso tão a peito. Eles dizem coisas sem pensar.
Mas eu sabia que havia mais ali. O Rui sempre foi mais permissivo. Quando Tiago ia para casa dele aos fins de semana, voltava cheio de histórias: comer pizza no sofá, ver filmes até tarde, jogar videojogos sem limites. Aqui em casa havia regras: sopa antes do prato principal, hora de dormir às nove e meia, nada de ecrãs depois do jantar.
No dia seguinte, fui buscá-lo à escola. Vi-o a correr para mim no recreio, mochila às costas e sorriso tímido. Por um momento, pareceu-me tudo normal outra vez.
— Tiveste um bom dia? — perguntei.
— Sim… — respondeu ele, mas logo acrescentou: — O pai vai buscar-me amanhã?
Senti outra pontada no peito. — Não, amanhã é comigo. Vamos ao parque depois da escola.
Ele fez uma careta. — O pai deixa-me ir ao Burger King.
A caminho de casa, tentei conversar com ele sobre o que sentia. — Tiago, tu sabes que podes falar comigo sobre tudo, não sabes?
Ele ficou calado durante um tempo e depois disse baixinho: — Eu só queria que tu e o pai fossem amigos outra vez.
A verdade é que eu também queria isso. Mas depois do que aconteceu — a traição do Rui com uma colega do trabalho — era impossível fingir que estava tudo bem. Ainda assim, tentei não deixar transparecer a minha mágoa na frente do Tiago.
Naquela noite, liguei ao Rui.
— Precisamos de conversar sobre o Tiago — disse-lhe assim que atendeu.
— O que foi agora? — respondeu ele com aquele tom impaciente que me irritava tanto.
— Ele disse-me que quer ir viver contigo. Está a sentir-se dividido entre nós dois.
Do outro lado ouvi um silêncio desconfortável.
— Olha, ele está bem aqui comigo. Talvez seja melhor deixá-lo escolher…
Senti uma raiva surda crescer dentro de mim. — Ele tem seis anos! Não pode tomar uma decisão dessas!
— Então talvez devesses ser menos rígida com ele — atirou Rui antes de desligar abruptamente.
Fiquei ali sentada com o telemóvel na mão, a tremer de raiva e tristeza. Será que estava mesmo a ser demasiado rígida? Será que devia ceder mais? Mas se não lhe desse limites, quem lhos daria?
Os dias seguintes foram um tormento. Tiago estava mais distante comigo. Às vezes recusava-se a comer à mesa ou fazia birras para ir dormir. Eu tentava manter a calma, mas sentia-me cada vez mais sozinha nesta luta.
Uma noite, depois de uma discussão por causa dos trabalhos de casa, perdi a paciência e gritei:
— Se queres tanto ir viver com o teu pai, vai! Vê se ele te aguenta!
Assim que as palavras saíram da minha boca arrependi-me imediatamente. Vi os olhos do Tiago encherem-se de lágrimas e ele correu para o quarto a chorar.
Passei horas sentada à porta do quarto dele, pedindo desculpa baixinho através da madeira. Senti-me a pior mãe do mundo.
No dia seguinte fui falar com a psicóloga da escola. Contei-lhe tudo: o divórcio, as birras do Tiago, o pedido dele para ir viver com o pai.
Ela ouviu-me com atenção e depois disse:
— O Tiago está a tentar perceber onde pertence neste novo mundo em que os pais já não estão juntos. Ele sente-se inseguro e procura testar os limites do amor dos dois lados.
— E eu? Como é que lido com isto? — perguntei quase em desespero.
— Precisa de lhe mostrar que o seu amor é incondicional. Mesmo quando ele diz coisas dolorosas. E talvez seja importante conversar com o Rui sobre manterem regras semelhantes nas duas casas.
Saí dali com um peso no coração mas também com uma réstia de esperança.
Nessa noite sentei-me ao lado do Tiago na cama dele e abracei-o forte.
— Sabes uma coisa? Eu vou amar-te sempre. Mesmo quando estás zangado comigo ou quando dizes coisas feias. O meu amor por ti não muda nunca.
Ele ficou calado durante um tempo e depois sussurrou:
— Desculpa ter dito aquilo… Eu só queria que tudo fosse como antes.
Chorámos juntos naquele quarto pequeno onde cabia todo o nosso mundo partido ao meio.
Com o tempo fui aprendendo a ceder em pequenas coisas: deixei-o escolher o jantar às sextas-feiras, fizemos maratonas de filmes ao sábado à noite e até comprei-lhe um jogo novo para jogarmos juntos na PlayStation (com regras!).
Também tive conversas difíceis com o Rui sobre mantermos alguma coerência nas rotinas do Tiago. Não foi fácil — houve discussões feias pelo telefone e acusações mútuas — mas aos poucos fomos encontrando um equilíbrio possível.
Hoje sei que nunca vou conseguir proteger totalmente o meu filho das dores do mundo ou das falhas dos adultos à volta dele. Mas posso garantir-lhe todos os dias que tem um lugar seguro nos meus braços e no meu coração.
Às vezes ainda acordo a meio da noite assustada: será que estou a falhar como mãe? Será que algum dia ele vai entender tudo isto?
E vocês? Já sentiram este medo de perder quem mais amam? Como lidaram com isso?