Entre o Amor e a Ausência: O Silêncio da Minha Sogra

— Ana, acredita que não posso mesmo hoje? Tenho uma consulta marcada há semanas! — A voz da Dona Lurdes ecoa pelo telefone, carregada de uma urgência que já me é familiar. Eu olho para os meus filhos, Tomás e Leonor, brincando no tapete da sala, e sinto o peso da frustração apertar-me o peito.

Não é a primeira vez. Nem será a última. Dona Lurdes, minha sogra, repete a todos os amigos e vizinhos que sente uma saudade imensa dos netos. No café da esquina, no supermercado, até na missa de domingo, ela faz questão de partilhar o quanto lhe dói não os ver mais vezes. Mas quando lhe peço ajuda — quando realmente preciso que fique com eles para eu poder ir ao médico ou simplesmente respirar — há sempre uma desculpa pronta: uma consulta, uma dor nas costas, um compromisso inadiável com a prima Emília.

— Mãe, a Ana só precisa de ti por duas horinhas… — ouço o meu marido, Ricardo, tentar interceder. Ele fala baixo, mas eu percebo o cansaço na voz dele também. — Não podes mesmo?

Do outro lado da linha, o silêncio é pesado. Depois, um suspiro.

— Oh filho, tu sabes como ando cansada… E depois, se me acontece alguma coisa com as crianças? Não quero ser responsável por nada…

Desligo o telefone com um nó na garganta. Sinto-me injusta por estar magoada. Afinal, Dona Lurdes já não é nova. Mas não consigo evitar pensar: será que ela sente mesmo falta deles? Ou será só conversa para os outros ouvirem?

Lembro-me do início, quando Tomás nasceu. Dona Lurdes apareceu em casa com um bolo de laranja e um sorriso largo. Ficou horas a olhar para ele no berço, a fazer promessas de tardes no parque e histórias antes de dormir. Mas essas promessas ficaram por cumprir. Com Leonor foi igual: muitos beijos no hospital, muitas fotografias para mostrar às amigas, mas pouco tempo real.

A minha mãe morreu cedo. Sempre invejei quem tinha uma rede de apoio forte. Achei que Dona Lurdes poderia ser essa figura para os meus filhos — e para mim. Mas cada vez que lhe peço ajuda, sinto-me mais sozinha.

Ricardo tenta justificar:

— A minha mãe sempre foi assim… Não gosta de se comprometer. Mas acredita que gosta mesmo dos miúdos.

Mas gostar não é só dizer. Gostar é estar presente quando faz falta. Gostar é ouvir o cansaço na minha voz e aparecer à porta com um tupperware de sopa e um sorriso cúmplice.

As discussões começaram a surgir entre mim e Ricardo. Pequenas farpas ao jantar:

— A tua mãe diz que sente falta dos netos, mas nunca está disponível!
— Não sejas injusta… Ela tem a vida dela.
— E eu? Eu não tenho vida? Não preciso de ajuda?

O silêncio instala-se entre nós como uma terceira pessoa à mesa.

Certa tarde, depois de mais uma recusa da Dona Lurdes, decidi confrontá-la pessoalmente. Fui até à casa dela com as crianças pela mão.

— Dona Lurdes, posso falar consigo?
Ela olhou-me surpresa, quase assustada.
— Claro, Ana… O que se passa?
Sentei-me à mesa da cozinha enquanto Tomás mexia nos ímanes do frigorífico e Leonor pedia colo.
— Sabe… Eu sinto mesmo falta de poder contar consigo. Os miúdos também sentem a sua falta. Não quer passar mais tempo com eles?
Ela desviou o olhar para a chávena de chá.
— Eu tenho medo, Ana… Medo de não conseguir dar conta deles. Medo de falhar convosco.
Fiquei sem palavras. Nunca tinha pensado nisso: que por trás das desculpas podia estar o medo.

— Mas Dona Lurdes… Eles só querem estar consigo. Não precisam de nada especial… Só da sua presença.
Ela chorou baixinho. E eu chorei também.

Saí daquela casa com o coração apertado e uma nova compreensão. Mas as coisas não mudaram muito depois disso. Dona Lurdes continuou a dizer a todos que sentia falta dos netos — mas continuou ausente.

Os meses passaram. As crianças cresceram. Aprendi a não pedir tanto. A confiar mais em mim mesma e menos nas promessas dos outros. Mas ainda dói ver as fotografias das outras avós nos parques, nas festas da escola, nos almoços de domingo.

Às vezes pergunto-me: será que estou a ser injusta? Será que espero demais? Ou será que há amores que só sabem existir à distância?

E vocês? Já sentiram esta ausência disfarçada de saudade? Como lidam com as promessas não cumpridas dentro da família?