Entre o Amor de Mãe e o Orgulho: O Preço de Perder um Filho

— Não volto a pôr os pés naquela casa, mãe. Nem tu, nem o pai, nem a Mariana conseguem respeitar a minha escolha! — A voz do Tomás ecoava pelo corredor, carregada de mágoa e raiva. Eu estava sentada na ponta do sofá, as mãos trémulas, o coração apertado como se alguém o tivesse fechado numa caixa de ferro.

Lembro-me do dia em que ele me apresentou a Clara. Era uma tarde de domingo, o cheiro do assado ainda pairava no ar e a mesa estava posta com o melhor serviço. O Tomás entrou com ela pela mão, sorridente, orgulhoso. A Clara era bonita, não posso negar, mas havia nela uma arrogância subtil, um olhar que parecia medir tudo e todos. Cumprimentou-nos com um beijo no rosto, mas senti logo que aquele gesto era mais obrigação do que afeto.

A Mariana, minha filha mais nova, tentou puxar conversa:
— Então, Clara, trabalhas onde mesmo?
— Sou gestora numa empresa de Lisboa. — respondeu ela, sem levantar os olhos do telemóvel.

O meu marido, o António, olhou para mim de soslaio. Não precisávamos de palavras para perceber que ambos sentíamos o mesmo: aquela rapariga não era para o nosso Tomás. Mas ele estava tão feliz…

Os meses passaram e a Clara foi-se tornando presença constante nos nossos jantares de família. Mas nunca se misturava verdadeiramente. Trazia sempre uma opinião contrária, criticava as nossas tradições — até o bacalhau da consoada achava seco! — e fazia questão de mostrar que vinha de uma família “diferente”. O Tomás parecia cego. Defendia-a com unhas e dentes.

Uma noite, depois de um jantar particularmente tenso em que a Clara discutiu com a Mariana sobre política — levantando a voz e batendo com os talheres na mesa — chamei o Tomás à cozinha.
— Filho, tens a certeza que é isto que queres para ti? Ela não faz parte da nossa família…
Ele olhou-me como se eu fosse uma estranha.
— Mãe, não tens o direito de julgar a Clara. Ela é a mulher da minha vida.

A partir desse momento, tudo mudou. O Tomás começou a afastar-se. Já não vinha aos almoços de domingo, deixava as mensagens por responder. A Mariana chorava no quarto, dizendo que tinha perdido o irmão. O António tentava manter-se neutro, mas via-se que sofria em silêncio.

No Natal desse ano, insisti para que viessem cá jantar. A mesa estava posta para seis, mas só apareceram quatro. O Tomás enviou uma mensagem curta: “Não vamos. A Clara não se sente bem-vinda.” Senti-me traída. Passei a noite a olhar para o lugar vazio dele.

Os meses seguintes foram um arrastar de silêncios e mágoas. A Mariana tentou falar com ele várias vezes:
— Tomás, és meu irmão! Não podes deixar que uma mulher te afaste da tua família!
Mas ele respondia sempre o mesmo:
— Se não aceitam a Clara, não aceitam a minha felicidade.

Comecei a alimentar um ressentimento surdo pela Clara. Achava-a manipuladora, convencida… E comecei a desejar que se separassem. Sentia-me horrível por isso — que mãe deseja o fim do casamento do filho? Mas não conseguia evitar.

Um dia, ao sair do supermercado, encontrei a Clara na rua. Ia sozinha, com um ar cansado. Pensei em ignorá-la, mas ela aproximou-se.
— Dona Ana… posso falar consigo?
Fiquei sem saber o que dizer.
— Sei que não gosta de mim. Mas eu amo o Tomás. E ele está a sofrer muito por causa desta guerra entre nós todos.
Olhei-a nos olhos pela primeira vez sem preconceito. Vi ali uma tristeza genuína.
— Eu só quero que ele seja feliz — disse-lhe.
Ela sorriu tristemente.
— Então ajude-o a não ter de escolher entre nós.

Fui para casa com aquelas palavras atravessadas na garganta. E se eu estivesse errada? E se fosse eu quem estava a destruir a felicidade do meu filho?

Nessa noite não dormi. O António virou-se para mim na cama:
— Ana… talvez tenhamos sido duros demais com ela.
Senti as lágrimas escorrerem pelo rosto.
— Só queria proteger o nosso filho…
Ele apertou-me a mão.
— Às vezes proteger é saber largar.

No dia seguinte tentei ligar ao Tomás. Não atendeu. Mandei-lhe uma mensagem: “Filho, perdoa-me se te magoei. Quero só que sejas feliz.” Não respondeu.

Passaram-se semanas sem notícias dele. A Mariana culpava-me:
— Foste tu! Se tivesses sido mais aberta com a Clara…
Eu gritava-lhe de volta:
— E tu? Também nunca aceitaste!
As discussões tornaram-se rotina cá em casa. O silêncio do Tomás era um peso insuportável.

Um sábado à tarde ouvi bater à porta. Era ele. Estava magro, olheiras fundas.
— Mãe… vim buscar as minhas coisas. Não volto mais aqui enquanto não aceitarem a Clara como parte da família.
Senti o chão fugir-me dos pés.
— Tomás… por favor…
Ele abanou a cabeça.
— Já chega de sofrer.

Vi-o sair com duas malas na mão. A Mariana chorava no corredor. O António fechou-se no escritório.

Fiquei sozinha na sala, rodeada pelas fotografias antigas: o Tomás em pequeno, no batizado da Mariana, nas férias em Vila Nova de Milfontes… Senti-me velha e inútil. Tinha perdido o meu filho por orgulho? Ou tinha razão em proteger aquilo que sempre foi a nossa família?

Os dias passaram lentos e cinzentos. Às vezes apanhava-me a desejar que ele se separasse da Clara e voltasse para nós — mas depois sentia vergonha desse pensamento mesquinho.

Hoje escrevo estas linhas sem saber se algum dia voltaremos a ser uma família unida. Pergunto-me: quantas mães já passaram por isto? Quantos filhos se afastam porque não conseguimos aceitar quem eles amam? Será possível reconstruir os laços depois de tanta mágoa?

E vocês? O que fariam no meu lugar? Será que fui mesmo uma má mãe… ou apenas humana demais?