Entre o Amor de Mãe e o Medo da Perda: O Dilema de Dona Teresa

— Miguel, não vês o que está a acontecer? — perguntei, com a voz trémula, enquanto ele desviava o olhar para o chão da cozinha. O cheiro do café acabado de fazer misturava-se com a tensão no ar. — Mãe, por favor, não comeces outra vez — respondeu ele, cansado, como se cada sílaba lhe pesasse nos ombros.

A minha casa sempre foi um refúgio para o Miguel. Desde pequeno, era aqui que ele vinha chorar as mágoas, contar os segredos, pedir conselhos. Mas desde que casou com a Sofia, tudo mudou. Ela entrou na nossa vida como uma brisa suave, mas depressa se tornou num vendaval. No início, tentei gostar dela. Era educada, sorridente, parecia amar o meu filho. Mas bastaram poucos meses para perceber que por trás daquele sorriso havia algo de frio, calculista.

Lembro-me do primeiro Natal juntos. Sofia insistiu em passar a consoada com os pais dela, em Braga, mesmo sabendo que era tradição a família reunir-se aqui em casa. Miguel cedeu. Vi-lhe nos olhos a tristeza, mas não disse nada. Não queria ser aquela sogra que todos temem. Mas desde então, cada decisão importante era tomada por ela. O Miguel foi-se apagando aos poucos.

— Não percebes que ela te afasta de toda a gente? — insisti, tentando conter as lágrimas. — Já quase não vens cá, não falas com a tua irmã, até com o teu pai tens estado distante.

Ele levantou-se abruptamente da cadeira. — Mãe, tu é que não percebes! A Sofia só quer o melhor para nós. E eu sou adulto, sei tomar as minhas decisões.

Senti um nó na garganta. O meu filho, aquele menino doce que eu embalei nos braços durante tantas noites de febre e pesadelos, agora olhava para mim como se eu fosse uma ameaça.

Os dias passaram e a distância entre nós aumentou. A minha filha, Mariana, tentava ser mediadora. — Mãe, deixa o Miguel viver a vida dele. Se for para perceber alguma coisa sobre a Sofia, tem de ser sozinho.

Mas como posso ficar calada quando vejo o meu filho definhar? Sofia controlava tudo: as finanças do casal, as amizades, até as roupas que ele vestia. Uma vez ouvi-a dizer-lhe ao telefone: “Miguel, não te esqueças do que combinámos. Não quero surpresas.” O tom era seco, autoritário.

Comecei a duvidar de mim própria. Estaria eu a exagerar? Seria ciúme de mãe? Mas cada vez que via o Miguel mais magro, mais calado, sabia que não era imaginação.

Um domingo à tarde, decidi ir visitá-los sem avisar. Levei um bolo de laranja — o preferido do Miguel desde criança. Quando cheguei ao apartamento deles em Matosinhos, Sofia abriu a porta com um sorriso forçado.

— Olá Teresa… Que surpresa — disse ela, olhando-me de cima a baixo.

— Vim só trazer um bolinho ao Miguel — respondi, tentando soar casual.

Ela hesitou antes de me deixar entrar. O Miguel estava na sala, sentado no sofá com o portátil no colo. Quando me viu, sorriu de forma triste.

— Olá mãe…

Sentei-me ao lado dele e tentei puxar conversa. Sofia ficou de pé junto à porta da cozinha, como uma sentinela.

— Então filho, tens estado bem? Pareces cansado…

Ele encolheu os ombros. — O trabalho tem sido puxado.

— E tens saído? Visto amigos?

Sofia interrompeu: — O Miguel tem estado muito ocupado com o novo projeto. Não sobra tempo para distrações.

Olhei para ela e depois para ele. Vi nos olhos do meu filho um pedido de ajuda silencioso. Mas ele não dizia nada.

Naquela noite chorei sozinha na minha cama. O meu marido tentou consolar-me: — Teresa, temos de confiar no nosso filho. Ele há de abrir os olhos.

Mas e se não abrir? E se for tarde demais?

As semanas passaram e comecei a ouvir rumores no bairro: Sofia controlava até o dinheiro do Miguel; ele já não ia ao café com os amigos; recusava convites para aniversários em família porque “a Sofia não gosta”.

Um dia recebi uma chamada da Mariana: — Mãe… O Miguel pediu-me dinheiro emprestado. Disse que era para pagar uma conta urgente porque a Sofia tinha bloqueado o cartão dele.

O meu coração disparou. Era pior do que eu pensava.

Decidi confrontar a Sofia diretamente. Liguei-lhe e pedi para falarmos as duas.

— Teresa, não sei porque está tão preocupada com o Miguel. Ele está ótimo comigo — disse ela friamente.

— Não está nada bem! Está isolado da família e dos amigos! — gritei sem me conseguir controlar.

Ela riu-se baixinho: — Talvez o problema seja que não sabe largar o filho…

Desliguei o telefone com as mãos a tremer. Pela primeira vez senti ódio por alguém.

Nessa noite escrevi uma carta ao Miguel. Disse-lhe tudo: que sentia falta dele, que estava preocupada, que achava que ele merecia ser feliz e livre. Pedi-lhe desculpa se estava a ser invasiva mas que nunca deixaria de ser mãe.

Durante dias não tive resposta. Até que numa sexta-feira à noite ouvi bater à porta. Era o Miguel. Estava pálido e tinha olheiras profundas.

— Posso entrar? — perguntou baixinho.

Sentei-o à mesa da cozinha e servi-lhe chá quente.

— Mãe… Eu li a tua carta — começou ele, com lágrimas nos olhos. — Não sei o que fazer… Sinto-me preso… Mas tenho medo de ficar sozinho…

Abracei-o com força e chorei com ele.

— Filho… Nunca estarás sozinho enquanto eu aqui estiver.

Naquele momento percebi que às vezes amar é esperar em silêncio até que quem amamos esteja pronto para ouvir.

Hoje continuo sem saber se fiz bem ou mal em intervir. O Miguel ainda está com a Sofia mas agora fala mais comigo e com a irmã. Sinto que dei um passo atrás para poder estar aqui quando ele precisar avançar.

Será que devia ter feito mais? Ou menos? Quantas mães vivem este dilema todos os dias? Se fosse convosco… O que fariam?