Entre o Amor de Mãe e o Amor de Esposa: Quando a Minha Mãe Veio Viver Connosco

— Não aguento mais, Mariana! — gritou o Rui, batendo com a mão na mesa da cozinha. O som ecoou pela casa, misturando-se com o choro abafado do nosso filho, que a minha mãe tentava acalmar no quarto ao lado.

Senti o peito apertar. O Rui nunca levantava a voz, mas ultimamente parecia que tudo nele era tensão. Olhei para ele, tentando encontrar no seu rosto aquele homem doce por quem me apaixonei há dez anos, mas só vi cansaço e frustração.

— Ela só quer ajudar… — murmurei, mais para mim do que para ele.

— Ajudar? Mariana, ela está a tomar conta da nossa vida! Não posso dar um passo nesta casa sem sentir que estou a ser julgado. Até na forma como faço o biberão ela se mete!

Fechei os olhos por um segundo. A minha mãe sempre foi assim — intensa, presente, cheia de opiniões. Quando o pequeno Tomás nasceu e eu me vi perdida entre noites sem dormir e fraldas sujas, foi ela quem se ofereceu para vir morar connosco. “É só até vocês se habituarem”, disse-me na altura. Mas já lá vão seis meses.

No início, foi um alívio. Ela sabia acalmar o Tomás como ninguém, cozinhava refeições quentes quando eu mal tinha forças para me levantar, e até lavava a roupa sem que eu pedisse. Mas, aos poucos, comecei a sentir-me sufocada. Cada gesto meu era observado, cada decisão questionada.

— Mariana, não achas que devias dar banho ao Tomás mais cedo? — dizia ela quase todos os dias.

— Mariana, não ponhas tanto sal na sopa.

— Mariana, o Rui devia ajudar mais…

E o Rui ouvia tudo. E eu sentia-me no meio de um campo de batalha onde ambos esperavam que eu tomasse partido.

Lembro-me de uma noite em particular. O Tomás tinha finalmente adormecido e eu sentei-me no sofá com o Rui. Ele pegou na minha mão, mas senti-a fria.

— Não aguento mais isto — sussurrou ele. — Sinto que perdi a minha mulher para a tua mãe.

As lágrimas vieram-me aos olhos. Eu também sentia falta de nós. Das nossas conversas à noite, dos jantares improvisados na varanda, das gargalhadas partilhadas sem medo de incomodar ninguém.

No dia seguinte, tentei falar com a minha mãe.

— Mãe, talvez fosse bom começares a pensar em voltar para casa…

Ela olhou para mim como se eu lhe tivesse dado uma facada.

— Mariana! Achas que eu estou aqui porque quero? Estou aqui porque precisas de mim! Não vês como estás cansada? Como o Rui não te ajuda?

— Mãe… — tentei interromper.

— Não me peças para ir embora quando só quero o melhor para ti e para o meu neto!

Fiquei sem palavras. Senti-me ingrata e egoísta. Mas também sentia raiva — raiva por não conseguir impor limites, por não conseguir proteger o meu casamento.

As semanas passaram e a tensão só aumentou. O Rui começou a chegar mais tarde do trabalho. Eu evitava estar sozinha com a minha mãe porque sabia que ia acabar em discussão. O Tomás chorava mais do que nunca e eu sentia-me cada vez mais perdida.

Uma noite, depois de adormecer o Tomás, fui até à varanda respirar fundo. O ar frio da noite soube-me bem na pele quente das lágrimas que escorriam sem controlo.

O Rui apareceu atrás de mim.

— Mariana… — começou ele, hesitante. — Eu amo-te. Mas não posso continuar assim. Ou ela vai embora ou eu vou.

O mundo parou por um segundo. Olhei para ele e vi nos seus olhos uma tristeza profunda, mas também uma determinação que nunca tinha visto antes.

— Não me faças escolher… — pedi-lhe em voz baixa.

Ele não respondeu. Entrou em casa e deixou-me ali sozinha com o peso da decisão.

Na manhã seguinte, sentei-me à mesa com a minha mãe enquanto o Tomás dormia.

— Mãe… precisamos de conversar.

Ela olhou para mim com olhos cansados.

— Já sei o que vais dizer. O Rui não me quer aqui.

— Não é isso… — menti. — É só que precisamos de espaço para sermos uma família. Eu agradeço tudo o que fizeste por nós, mas acho que está na altura de voltares para tua casa.

Ela ficou em silêncio durante muito tempo. Depois levantou-se e foi arrumar as suas coisas sem dizer mais nada.

Quando saiu pela porta com a mala na mão, senti um vazio enorme dentro de mim. O Tomás acordou e chorou pela avó durante dias. O Rui tentou aproximar-se de mim, mas havia uma distância entre nós que parecia impossível de ultrapassar.

Passaram-se meses desde então. A minha mãe liga-me todos os dias, mas as conversas são curtas e cheias de silêncios desconfortáveis. O Rui e eu estamos a tentar reconstruir a nossa relação, mas sinto que perdi uma parte de mim naquele processo.

Às vezes pergunto-me: será possível amar duas pessoas tão diferentes sem magoar nenhuma? Como é que se escolhe entre a mãe que sempre cuidou de nós e o homem com quem construímos uma família?

E vocês? Já passaram por algo assim? Como encontraram equilíbrio entre os vossos amores?