Entre Gritos e Silêncios: O Dia em Que Minha Família Quase se Desfez

“Faz alguma coisa, Mariana! Eu não aguento mais esse choro!” A voz da minha sogra, Isabel, ecoou pela casa como um trovão. Eu estava sentada no chão do quarto, com a pequena Sofia nos braços, febril e vermelha, soluçando de dor. O termómetro marcava 39,2ºC. O suor escorria pela testa da minha filha e pelo meu pescoço. O relógio da sala marcava 3h17 da manhã.

“Ela está doente, Isabel. Não consigo fazer mais nada além de tentar acalmá-la”, respondi, tentando manter a voz firme. Mas por dentro eu estava a desmoronar. Sofia chorava há horas. O paracetamol parecia não fazer efeito. O meu marido, Ricardo, estava a trabalhar no turno da noite no hospital. Eu sentia-me sozinha, exausta e à beira das lágrimas.

Isabel entrou no quarto sem bater. “Isto não é normal! Quando o Ricardo era pequeno, eu nunca deixava chegar a este ponto. Tu mimaste demais essa menina.”

Senti uma raiva surda crescer dentro de mim. “Ela está doente! Precisa de colo, não de bronca.”

Isabel bufou, cruzou os braços e olhou para mim como se eu fosse uma criança birrenta. “O problema é que tu não sabes impor limites. Ela faz o que quer.”

Sofia chorava ainda mais alto, como se sentisse o peso daquela discussão. Eu tentei embalar-lhe a cabeça, cantar uma canção de embalar, mas a minha voz tremia.

“Por favor, Isabel, se não vai ajudar, saia do quarto.”

Ela hesitou, mas ficou. “Eu só quero paz nesta casa! O meu ouvido está a latejar.”

A raiva deu lugar ao desespero. Senti-me pequena, incapaz. Lembrei-me dos conselhos da minha mãe: “Respira fundo, Mariana. Não deixes ninguém pôr-te em causa como mãe.” Mas ali, diante da sogra que sempre me olhou com desconfiança desde o primeiro dia em que entrei nesta casa, eu era só uma mulher cansada com uma filha doente ao colo.

O telefone tocou na sala. Corri para atender, com Sofia ainda nos braços.

“Mariana? Como está a Sofia?” Era Ricardo, com a voz cansada do outro lado.

“Está pior… E a tua mãe está a pressionar-me para calá-la.”

Ouvi Ricardo suspirar. “Tenta aguentar mais um pouco. O meu turno acaba às seis.”

Voltei ao quarto e encontrei Isabel sentada na cama de Sofia, os olhos fixos na janela escura.

“Quando é que vais perceber que não és suficiente para ela?” murmurou Isabel, quase num sussurro.

Aquilo foi como uma facada. Senti as lágrimas subirem aos olhos.

“Eu faço tudo o que posso! Não vê?”

Ela virou-se para mim com um olhar duro. “Fazes tudo errado.”

Sofia tossiu forte e vomitou no meu ombro. O cheiro ácido misturou-se ao suor e às lágrimas. Corri para a casa de banho para limpar tudo enquanto Isabel resmungava atrás de mim.

“Se fosse comigo, já tinha resolvido isto!”

Deixei Sofia sentada na sanita por um segundo para lavar as mãos e ouvi Isabel gritar: “Vês? Até a deixas sozinha!”

Voltei correndo e abracei Sofia com força. Ela tremia.

“Chega!” gritei. “Basta! Não quero ouvir mais nada!”

Isabel levantou-se abruptamente e saiu do quarto batendo a porta.

Fiquei ali, sozinha com Sofia nos braços, ambas a chorar.

O tempo passou devagar até ouvir a chave na porta da frente. Ricardo entrou apressado no quarto.

“O que aconteceu aqui?”

Explodi em lágrimas. “A tua mãe… disse que eu não sou suficiente… que faço tudo errado…”

Ricardo olhou para mim e depois para Sofia, que dormia finalmente exausta no meu colo.

“Vou falar com ela.”

Ouvi-os discutir na cozinha:

“Mãe, não podes tratar assim a Mariana!”

“Eu só quero o melhor para a minha neta! Esta casa está um caos!”

“Tu não ajudas! Só criticas!”

“Se ela não aguenta ser mãe, devia ter pensado antes!”

As palavras cortavam como facas. Senti-me humilhada, exposta.

Ricardo voltou ao quarto e sentou-se ao meu lado.

“Desculpa… Ela é assim desde sempre.”

“Eu não aguento mais viver nesta casa…” sussurrei.

Ele ficou em silêncio. Sabíamos que não tínhamos dinheiro para alugar outro sítio. O salário dele mal dava para as contas e eu estava desempregada desde que Sofia nasceu.

Na manhã seguinte, Isabel evitou-me o olhar durante o pequeno-almoço. Sofia acordou melhor, sem febre, mas ainda fraca.

Enquanto lavava a loiça, ouvi Isabel ao telefone com uma amiga:

“A Mariana não tem jeito nenhum para isto… Se fosse eu…”

Senti uma raiva fria tomar conta de mim. Fui até à sala e encarei-a:

“Se acha que pode fazer melhor, faça! Mas não me humilhe mais à frente da minha filha.”

Ela calou-se por um instante e depois murmurou: “Não percebes que só quero ajudar?”

“Não ajuda nada quando só critica.”

Nesse momento percebi: nunca seria suficiente para ela. Não importava o quanto me esforçasse.

À noite, depois de Sofia adormecer, sentei-me na varanda com Ricardo.

“Não sei quanto tempo mais aguento isto…”

Ele segurou-me a mão em silêncio.

Pensei em tudo o que tinha abdicado: o emprego, os amigos, a liberdade. Agora até a minha dignidade parecia escapar-me entre os dedos.

No fundo da noite ouvi Isabel chorar baixinho no quarto dela. Pela primeira vez senti pena dela — talvez estivesse tão perdida quanto eu.

Mas será que alguma vez vamos conseguir ser família? Ou estamos condenados a viver entre gritos e silêncios?

E vocês? Já sentiram que nunca são suficientes para alguém? Como lidam com as críticas dentro da própria casa?