Entre Duas Mulheres: O Meu Marido, a Minha Sogra e Eu
— Vais outra vez sair à pressa, Miguel? — perguntei, tentando controlar o tremor na voz enquanto ele calçava os sapatos à porta.
Ele nem olhou para mim. — Tenho de ir tratar de umas coisas, Mariana. Não demoro.
A porta fechou-se com um estalido seco. Fiquei ali, parada na sala, a olhar para o vazio, com o coração apertado. Já não era a primeira vez que Miguel saía assim, com desculpas vagas e um olhar esquivo. Mas naquela manhã, algo em mim quebrou. Senti-me invisível, como se a nossa casa já não fosse o nosso refúgio, mas apenas um cenário onde eu desempenhava o papel de esposa enquanto ele vivia uma vida paralela.
Durante semanas, tentei ignorar os sinais. As mensagens que ele apagava do telemóvel, os almoços que dizia serem de trabalho mas que nunca tinham cheiro a café ou a stress. Até que um dia, sem querer, vi uma mensagem no ecrã do telemóvel dele: “Filho, tenho o teu prato preferido à tua espera. Não te atrases. Beijinhos da mãe.” O nome da minha sogra, Dona Lurdes, apareceu como uma sombra entre nós.
O choque foi imediato. Senti-me traída, não por outra mulher qualquer, mas pela mulher que lhe deu a vida. Como podia competir com isso? O ciúme misturou-se com uma sensação de ridículo. Era só um almoço com a mãe dele, dizia a voz da razão. Mas outra voz gritava dentro de mim: porque é que ele me esconde isto? Porque é que não me convida?
Naquela noite, esperei que ele adormecesse e chorei baixinho na casa de banho. O reflexo no espelho devolveu-me uma mulher cansada, com olheiras profundas e um nó na garganta. Lembrei-me dos primeiros tempos do nosso casamento, quando Miguel me olhava como se eu fosse o centro do universo dele. Agora, sentia-me um satélite esquecido.
No dia seguinte, decidi confrontá-lo. Esperei até ao pequeno-almoço, quando ele estava mais calmo.
— Miguel, precisamos de conversar — disse-lhe, tentando soar firme.
Ele pousou a chávena de café e olhou-me nos olhos pela primeira vez em semanas.
— O que se passa?
— Porque é que tens ido almoçar à casa da tua mãe às escondidas? — perguntei diretamente.
O silêncio instalou-se entre nós como uma parede de vidro. Ele suspirou.
— Mariana… Não é nada de especial. A minha mãe sente-se sozinha desde que o meu pai morreu. Eu só quero fazer-lhe companhia de vez em quando.
— E porque é que não me disseste? Porque é que nunca me convidaste?
Ele encolheu os ombros.
— Achei que não ias querer ir… Tu e a minha mãe nunca se deram muito bem.
Aquelas palavras doeram mais do que eu esperava. Era verdade: Dona Lurdes sempre me olhou com desconfiança, como se eu fosse uma intrusa na vida do filho dela. Mas eu tentei tantas vezes agradar-lhe! Lembrei-me das tardes em que lhe levava bolos feitos por mim, dos jantares em família onde ela criticava discretamente tudo o que eu fazia — desde o tempero da comida até à forma como arrumava a mesa.
— Eu tentei, Miguel — sussurrei. — Mas nunca fui suficiente para ela… nem para ti.
Ele levantou-se abruptamente.
— Não digas disparates! Tu és tudo para mim.
Mas as palavras dele soaram ocas. Senti-me ainda mais sozinha.
Os dias seguintes foram um tormento. Comecei a duvidar de mim própria: estaria a exagerar? Seria apenas insegurança minha? Mas cada vez que via Miguel sair apressado ou receber uma chamada da mãe, sentia uma pontada no peito.
Certa tarde, decidi ir falar com Dona Lurdes. Queria entender o que se passava entre eles — e entre nós.
Toquei à campainha com as mãos suadas. Ela abriu a porta com um sorriso forçado.
— Mariana… Que surpresa! Entra.
O cheiro a sopa de legumes enchia o ar. Sentei-me à mesa da cozinha, onde tantas vezes me senti deslocada.
— Dona Lurdes, posso ser sincera consigo?
Ela pousou a colher e olhou-me nos olhos.
— Claro que sim, filha.
— Sinto que estou a perder o Miguel… E sinto que você está feliz com isso.
Ela ficou em silêncio durante uns segundos longos demais.
— Mariana… Eu só quero o melhor para o meu filho. Ele tem andado tão triste ultimamente…
— E eu? Não faço parte desse “melhor”?
Ela suspirou.
— Tu és boa rapariga, mas és diferente do que eu imaginei para ele. Não és como as mulheres da nossa família…
As palavras dela caíram sobre mim como pedras. Levantei-me devagar.
— Talvez nunca seja suficiente para si… Mas amo o seu filho e não vou desistir dele sem lutar.
Saí dali com lágrimas nos olhos e uma raiva surda no peito. Pela primeira vez na vida, senti vontade de gritar — não só com ela, mas também comigo própria por ter deixado chegar as coisas a este ponto.
Quando cheguei a casa, Miguel estava à minha espera na sala.
— A minha mãe ligou-me — disse ele, sério. — O que foste lá fazer?
Sentei-me ao lado dele e contei-lhe tudo: os meus medos, as minhas inseguranças, o sentimento de exclusão. Pela primeira vez em muito tempo, falei sem filtros.
Ele ouviu-me em silêncio e depois abraçou-me com força.
— Desculpa… Nunca percebi o quanto isto te magoava.
Chorámos juntos nessa noite. Pela primeira vez em meses, senti que estávamos do mesmo lado da barricada.
Mas as coisas não mudaram de um dia para o outro. Dona Lurdes continuou a ligar-lhe todos os dias; Miguel continuou a sentir-se dividido entre nós duas. Eu tentei ser mais compreensiva — convidei-a para jantar cá em casa, fiz-lhe perguntas sobre a infância do Miguel, tentei encontrar pontos em comum. Mas havia sempre uma barreira invisível entre nós.
Certa noite, depois de mais uma discussão sobre os almoços secretos, Miguel explodiu:
— Não posso escolher entre vocês! Amo-te a ti e amo a minha mãe! Porque é que tem de ser uma guerra?
Fiquei sem palavras. Tinha razão — mas também tinha eu direito ao meu lugar no coração dele.
Os meses passaram e aprendi a aceitar que talvez nunca fosse “a nora perfeita” para Dona Lurdes. Mas também percebi que não podia viver numa guerra constante por atenção ou aprovação. Comecei a investir mais em mim própria: voltei a pintar, saí com amigas antigas, redescobri quem era Mariana antes de ser “a mulher do Miguel” ou “a nora da Dona Lurdes”.
Miguel percebeu essa mudança e começou também ele a abrir-se mais comigo: contou-me histórias da infância dele, partilhou inseguranças sobre o futuro e pediu-me ajuda para lidar com a solidão da mãe.
Hoje ainda há dias difíceis — há silêncios desconfortáveis ao telefone quando Dona Lurdes liga durante o jantar; há olhares trocados quando ela faz comentários passivo-agressivos sobre a minha comida ou decoração da casa. Mas já não sinto aquela raiva cega nem aquela sensação de traição constante.
Aprendi que o amor não é uma competição — mas também não pode ser um sacrifício unilateral. E continuo à procura desse equilíbrio frágil entre ser esposa e ser nora; entre respeitar os laços familiares e proteger o meu próprio espaço emocional.
Às vezes pergunto-me: quantas mulheres vivem esta luta silenciosa todos os dias? Quantos casais se perdem no meio destas lealdades divididas? Será possível amar sem nos anularmos? Gostava mesmo de saber: onde acaba o dever filial e começa o respeito pelo casamento?