Entre Dois Mundos: O Peso de Ser Mãe e Mulher

— Não percebo, Miguel! Tu já não vens jantar a casa há três semanas. Achas normal? — A minha voz saiu mais alta do que eu queria, mas não consegui controlar. O Miguel, sentado à mesa da cozinha, olhava para o prato, evitando o meu olhar. O cheiro do arroz de pato enchia a casa, mas o ambiente estava pesado, quase irrespirável.

— Mãe, eu tenho a minha vida agora. A Joana também precisa de mim. — Ele disse isto num tom calmo, mas senti cada palavra como uma facada. Desde que ele casou com a Joana, tudo mudou. Antes, era o meu menino, o meu companheiro de todas as horas. Agora, parecia que eu era apenas uma obrigação na agenda dele.

Lembro-me do dia em que ele me apresentou a Joana. Uma rapariga simpática, mas demasiado independente, demasiado segura de si. Não era como eu, que sempre pus a família em primeiro lugar. Ela trabalhava numa agência de publicidade, fazia horas extraordinárias, e falava de viagens e sonhos como se o mundo fosse pequeno demais para ela. Senti logo que ela ia afastar o Miguel de mim.

As primeiras semanas após o casamento foram um tormento. O telefone já não tocava todos os dias. Os almoços de domingo passaram a ser negociados, como se fossem favores. O meu marido, António, dizia-me para não fazer filmes.

— Teresa, deixa o rapaz viver. Nós também já fomos novos.

Mas ele não percebia. O Miguel era o meu único filho. Depois de anos a tentar engravidar, depois de perder dois bebés, ele era tudo para mim. Não conseguia aceitar que agora havia outra mulher na vida dele, uma mulher que não era eu.

Comecei a arranjar desculpas para ligar ao Miguel. Uma vez disse-lhe que o esquentador estava a fazer um barulho estranho. Outra vez, que precisava de ajuda para montar uma estante. Ele vinha, mas vinha sempre apressado, sempre com o telemóvel na mão, a responder a mensagens da Joana.

Uma noite, não aguentei mais. Liguei-lhe às dez da noite.

— Miguel, desculpa, mas sinto-me mal. Podes vir cá?

Ele chegou meia hora depois, preocupado. Mas quando percebeu que eu estava bem, ficou furioso.

— Mãe, não podes fazer isto! A Joana ficou sozinha em casa, tínhamos planos!

— Então vai ter com ela! — gritei-lhe, lágrimas nos olhos. — Vai, que eu já não sirvo para nada!

Ele saiu sem dizer mais nada. Fiquei sozinha na sala, a olhar para as fotografias dele em pequeno. O António entrou e sentou-se ao meu lado.

— Teresa, tu vais acabar por afastá-lo de vez.

— Eu só quero o meu filho perto de mim…

Os dias seguintes foram um silêncio gelado. O Miguel não me ligou. A Joana também não. Senti-me perdida, como se tivesse sido expulsa da minha própria vida.

No domingo seguinte, decidi ir a casa deles sem avisar. Levei um bolo de laranja, o preferido do Miguel. Quando bati à porta, foi a Joana que abriu.

— Olá, Teresa. O Miguel está a dormir, tivemos um jantar ontem.

— Posso entrar?

Ela hesitou, mas deixou-me passar. A casa deles era moderna, cheia de luz, mas senti-me deslocada ali. Sentei-me na sala, o bolo nas mãos. A Joana sentou-se à minha frente.

— Teresa, posso ser sincera consigo?

Assenti, sem coragem para falar.

— Eu gosto muito do Miguel. E quero que ele seja feliz. Mas ele sente-se preso entre nós as duas. Eu não quero afastá-lo de si, mas preciso que confie em nós. Ele é adulto, precisa de espaço.

As palavras dela ficaram a ecoar na minha cabeça. Pela primeira vez, vi a Joana não como uma rival, mas como uma mulher que também amava o Miguel, à sua maneira.

Quando o Miguel acordou e me viu ali, ficou surpreendido. Sentou-se ao meu lado e pegou na minha mão.

— Mãe, eu nunca vou deixar de ser teu filho. Mas preciso que me deixes viver a minha vida.

Chorei baixinho, envergonhada por me sentir tão sozinha. O António tinha razão: eu estava a sufocar o Miguel, a tentar prendê-lo ao passado porque tinha medo do futuro.

A partir desse dia, tentei mudar. Passei a ligar menos vezes, a aceitar que ele tinha uma nova família. Comecei a sair mais com amigas, a fazer voluntariado na igreja. Mas havia dias em que a saudade apertava tanto que mal conseguia respirar.

No Natal desse ano, fizemos o jantar em minha casa. A Joana ajudou-me na cozinha, rimos juntas, partilhámos histórias. Senti que, talvez, podia haver espaço para todas as formas de amor.

Mas nunca deixei de me perguntar: será que fiz bem? Será que devia ter lutado mais pelo meu filho? Ou será que o amor de mãe só é verdadeiro quando sabe deixar ir?

E vocês, já sentiram este medo de perder alguém que amam? Até onde iriam para não ficarem sozinhos?