Entre a Esperança e o Desentendimento: Como Tentei Ajudar a Minha Filha e o Genro

— Não quero mais ouvir falar disso, pai! — gritou a Inês, com os olhos marejados de lágrimas, enquanto batia com a porta da sala. Fiquei ali parado, com a mão ainda suspensa no ar, sentindo o peso do silêncio que se instalou na casa. Teresa olhou para mim, os lábios trémulos, como se quisesse dizer algo mas não tivesse coragem. O relógio da parede marcava quase meia-noite, e eu sentia-me mais velho do que nunca.

Tudo começou há seis meses, numa tarde chuvosa de novembro. Inês apareceu em nossa casa com o Rui, o marido dela, ambos de semblante carregado. Sentaram-se à mesa da cozinha sem dizer palavra. Teresa serviu-lhes chá, tentando disfarçar a tensão. Eu sabia que algo não estava bem — conheço a minha filha melhor do que ninguém.

— Pai… mãe… precisamos de falar convosco — disse Inês, finalmente, com a voz embargada.

O Rui olhava para o chão, as mãos entrelaçadas. Inês explicou-nos que estavam com dificuldades em pagar a renda do apartamento em Benfica. O Rui perdera o emprego há dois meses e ainda não conseguira arranjar nada. As contas acumulavam-se: água, luz, gás, supermercado. O subsídio de desemprego mal chegava para as despesas básicas.

— Não queremos abusar… — murmurou Rui, sem nos encarar.

Teresa apertou-lhe a mão por cima da mesa.

— Vocês são família. Estamos aqui para ajudar.

Eu assenti, embora uma parte de mim hesitasse. Sempre tentei ensinar à Inês a importância de ser independente. Mas como podia virar-lhes as costas naquele momento? Fizemos um empréstimo do nosso próprio bolso e pagámos três meses de renda adiantada.

No início, tudo parecia encaminhar-se. Rui conseguiu uns biscates numa empresa de mudanças; Inês arranjou mais horas no call center onde trabalhava. Mas as discussões entre eles começaram a aumentar. Ela ligava-me à noite a chorar, dizendo que Rui estava cada vez mais distante, que se sentia sozinha.

Uma noite, ouvi Teresa ao telefone com Inês:

— Filha, tens de falar com ele. Não podes guardar tudo para ti.

Eu sentia-me impotente. Queria resolver tudo por ela, mas sabia que não podia viver a vida dela por ela.

As coisas pioraram quando Rui foi despedido do trabalho temporário por causa de um desentendimento com o patrão. Voltaram os atrasos nas contas. Inês pediu-nos mais dinheiro. Teresa queria ajudar; eu comecei a sentir-me usado.

— Eles têm de aprender a resolver os próprios problemas — disse eu à Teresa numa dessas noites em que ficávamos acordados até tarde.

— Mas são nossos filhos… — respondeu ela, com lágrimas nos olhos.

A tensão entre mim e Teresa também cresceu. Ela acusava-me de ser frio; eu achava que ela era ingénua. Começámos a discutir por pequenas coisas: quem lavava a loiça, quem fazia as compras, até sobre o canal da televisão.

Um domingo à tarde, convidei Inês e Rui para almoçar cá em casa. Queria conversar abertamente sobre tudo aquilo. A mesa estava posta com o melhor serviço; Teresa fizera bacalhau à Brás, o prato favorito da Inês desde pequena.

Durante a refeição tentei abordar o assunto com cuidado:

— Filha… já pensaste em procurar outro emprego? Talvez noutra área?

Ela largou os talheres e olhou para mim como se eu tivesse dito a maior barbaridade do mundo.

— Achas que não tento todos os dias? Achas que é fácil?

O Rui ficou calado. Teresa tentou apaziguar:

— O teu pai só está preocupado…

— Preocupado? Ou cansado de nos ajudar? — atirou Inês.

O ambiente ficou insuportável. Rui levantou-se da mesa sem dizer palavra e saiu para o quintal fumar um cigarro. Teresa chorava baixinho na cozinha enquanto eu tentava digerir o nó na garganta.

Nos dias seguintes, Inês deixou de atender as minhas chamadas. Teresa ia visitá-la às escondidas; eu fingia não saber. Sentia-me traído por todos: pela minha filha, pela minha mulher, até por mim próprio por não conseguir ser melhor pai.

Uma noite recebi uma mensagem da Inês: “Desculpa. Preciso de espaço.” Fiquei horas a olhar para aquelas palavras no telemóvel.

Passaram-se semanas sem notícias. O Natal aproximava-se e a casa parecia mais fria do que nunca. Teresa decorou a árvore sozinha; eu limitei-me a observar pela janela o céu cinzento de Lisboa.

No dia 24 de dezembro, já quase à meia-noite, ouvi passos na escada. Era Inês, com os olhos vermelhos e uma mala na mão.

— Posso ficar aqui esta noite? — perguntou baixinho.

Teresa correu a abraçá-la; eu fiquei parado, sem saber o que dizer ou fazer.

Na manhã seguinte, durante o pequeno-almoço, Inês contou-nos que ela e Rui tinham decidido separar-se temporariamente. Disse que precisava de tempo para pensar na vida dela, longe dos problemas financeiros e das discussões constantes.

— Sinto-me um fracasso — confessou ela, com lágrimas a correrem-lhe pelo rosto.

Abracei-a como não fazia há anos. Senti-me impotente mas também aliviado por finalmente poder mostrar-lhe que estava ali para ela — não para resolver tudo, mas para apoiar quando caísse.

Os meses seguintes foram difíceis. Inês ficou connosco até arranjar um quarto para alugar perto do trabalho novo que conseguiu numa loja de roupa no centro comercial Colombo. Rui mudou-se para casa dos pais em Almada. Teresa e eu tentámos reconstruir a nossa rotina; as discussões diminuíram mas as cicatrizes ficaram.

Hoje olho para trás e pergunto-me se fizemos bem em ajudar tanto ou se devíamos ter deixado que aprendessem sozinhos desde o início. O amor pelos filhos é uma corda bamba entre proteger e deixar voar — e nunca sabemos se estamos a cair para o lado certo.

Será que amar é sempre tentar salvar quem amamos? Ou será preciso aprender a deixá-los cair para poderem levantar-se sozinhos? Gostava de saber o que fariam no meu lugar.