Entre a Casa da Minha Sogra e o Meu Próprio Destino: O Dia em que o Meu Mundo Ruiu

“Não vou contigo, Mariana. Não posso deixar a minha mãe assim.”

As palavras do Eugénio ecoaram pelo corredor frio da casa da minha sogra, como se cada sílaba fosse um prego a cravar-se no meu peito. Eu estava ali, com as malas feitas, o coração aos pulos, e ele, de braços cruzados, olhos baixos, incapaz de me encarar. A dona Odete, sentada no sofá, fingia ver televisão, mas eu sabia que cada músculo do rosto dela estava atento ao desenrolar daquele drama.

“Eugénio, tu prometeste! Falámos disto durante meses! Eu já tratei de tudo: arrendei o apartamento, mudei as moradas, até pedi transferência no trabalho!”

Ele suspirou fundo. “A minha mãe não está bem, Mariana. Tu sabes disso. Ela precisa de mim.”

Olhei para a dona Odete. Ela sempre foi aquela sombra entre nós — nunca abertamente hostil, mas sempre presente, sempre a lembrar ao Eugénio que era o único filho e que ela não tinha mais ninguém. Desde que o sogro morreu, há três anos, Eugénio tornou-se o pilar dela. Mas e eu? Não sou também família dele?

“Precisa de ti? E eu? E nós? O nosso casamento não precisa?”

Ele hesitou. “Tu és forte, Mariana. Tu consegues.”

Senti uma raiva surda a crescer dentro de mim. “Não é uma questão de força! É uma questão de escolha! E tu escolheste!”

As lágrimas ameaçavam cair, mas recusei-me a dar esse prazer à dona Odete. Peguei nas malas e saí porta fora, sentindo o peso do olhar dela nas minhas costas. O táxi esperava-me na rua. Entrei e pedi ao motorista para me levar ao novo apartamento — aquele que devia ser o nosso recomeço.

A viagem foi feita num silêncio pesado. Olhei pela janela e vi Lisboa a passar devagar — as luzes dos candeeiros, as pessoas apressadas, os elétricos a chiar nas curvas. Senti-me mais sozinha do que nunca.

Quando cheguei ao apartamento vazio, larguei as malas no chão e sentei-me no sofá improvisado com caixas de cartão. O telefone tocou. Era a minha mãe.

“Então filha? Já chegaram?”

Engoli em seco. “Cheguei… sozinha.”

O silêncio do outro lado foi quase ensurdecedor. “O que aconteceu?”

“Ele ficou com a mãe dele.”

A minha mãe suspirou. “Filha… já te disse tantas vezes: o Eugénio nunca vai cortar o cordão umbilical.”

“Eu achei que desta vez era diferente… Que ele ia escolher-me.”

“Queres que vá ter contigo?”

“Não… preciso de estar sozinha.”

Desliguei e deixei-me cair em prantos. O eco das minhas lágrimas misturava-se com o vazio do apartamento.

Os dias seguintes foram um tormento. O Eugénio mandava mensagens curtas: “Está tudo bem?”, “Precisas de alguma coisa?”. Eu respondia com monosílabos. Não queria falar com ele. Não queria ouvir desculpas.

No trabalho, os colegas perguntavam pelo Eugénio. Inventei uma desculpa qualquer: “Teve um imprevisto, vem para a semana.” Mas todos viam nos meus olhos que algo estava errado.

À noite, a solidão era insuportável. Oiço os vizinhos a rir na varanda do lado, casais a discutir sobre quem vai buscar pão amanhã, crianças a correr pelo corredor do prédio. E eu ali, sozinha com os meus pensamentos.

Uma noite, bati à porta da vizinha do lado — a Dona Rosa, uma senhora reformada que me ofereceu chá e bolachas Maria.

“Então menina Mariana, está tudo bem?”

“Mais ou menos… O meu marido ficou com a mãe dele.”

Ela abanou a cabeça. “Homens e as mães… Olhe que o meu Alfredo só saiu de casa quando a minha sogra morreu!”

Rimo-nos as duas, mas por dentro eu sentia-me cada vez mais perdida.

Passaram-se duas semanas sem ver o Eugénio. Um domingo à tarde, ele apareceu à porta do apartamento.

“Posso entrar?”

Assenti em silêncio.

Ele sentou-se à minha frente, mãos nervosas.

“Mariana… Eu amo-te. Mas não consigo deixar a minha mãe sozinha. Ela está cada vez pior… Anda esquecida, confunde as coisas…”

“E eu? Achas justo eu estar aqui sozinha? Achas justo termos feito planos e tu desistires à última hora?”

Ele baixou os olhos. “Eu tentei… Juro que tentei.”

“E agora? O que queres que eu faça?”

“Não sei… Só queria que percebesses.”

Levantei-me e fui até à janela. Lá fora chovia miudinho sobre os telhados de Lisboa.

“Eu percebo… Mas não aceito.”

Ele levantou-se também. “Queres que me vá embora?”

Olhei para ele — aquele homem por quem me apaixonei há oito anos, com quem sonhei ter filhos e envelhecer lado a lado.

“Quero que escolhas. Não entre mim e ela — mas entre viver no passado ou construir um futuro.”

Ele não respondeu. Saiu devagar, fechando a porta atrás de si.

Naquela noite percebi que talvez nunca tivesse sido realmente escolhida. Que talvez o amor não fosse suficiente para romper laços antigos e expectativas familiares.

Hoje escrevo-vos porque preciso de saber: será egoísmo querer ser prioridade na vida de quem amamos? Ou será apenas humano desejar ser escolhida? Quantas vezes devemos esperar por alguém antes de percebermos que merecemos mais?

E vocês? Já sentiram que ficaram para segundo plano por causa da família do vosso companheiro? O que fariam no meu lugar?