Em vez de “Olá”, ouvi: “Sou a esposa do Mário”. Esse momento mudou tudo…

— És tu a Inês? — A voz soou atrás de mim, fria e cortante, enquanto eu mexia o café distraidamente. Levantei os olhos, esperando ver a Sara, mas deparei-me com uma mulher de cabelo castanho apanhado num coque apertado, olhar firme e mãos trémulas. — Sou a esposa do Mário.

O mundo parou. O barulho dos talheres, o cheiro a torradas acabadas de fazer, tudo se desvaneceu. Senti o sangue gelar-me nas veias. A minha amiga Rita olhou para mim, confusa, mas eu já não conseguia ouvir nada. Só aquela frase ecoava na minha cabeça: “Sou a esposa do Mário”.

— Desculpe? — balbuciei, tentando ganhar tempo, mas ela não hesitou.

— Não se faça de desentendida. Sei tudo sobre vocês. — O olhar dela era duro, mas havia ali uma dor que me atravessou como uma faca.

O Mário… O homem por quem me apaixonei há seis meses, o homem que me prometeu que estava separado, que só precisava de tempo para resolver tudo com calma por causa dos filhos. O homem que me fez acreditar que finalmente alguém me via, me escolhia.

— Eu não sabia… — tentei dizer, mas ela interrompeu-me.

— Não sabia? Ou não quis saber? — A voz dela tremeu. — Ele tem dois filhos pequenos. E eu… eu sou a mulher dele há dez anos.

A Rita tentou intervir:

— Se calhar deviam falar com calma…

Mas a mulher ignorou-a. — Vim aqui porque precisava de ver quem era a mulher por quem ele estava disposto a destruir uma família inteira.

Senti-me encolher na cadeira. As palavras dela eram facas. Olhei para as minhas mãos, incapaz de encará-la.

— Eu juro que não sabia que ainda estavam juntos… Ele disse-me que…

Ela riu-se, um riso amargo. — Eles dizem sempre isso, não dizem? Que estão separados, que é complicado… Mas depois vão para casa e jantam com os filhos como se nada fosse.

A vergonha queimava-me o rosto. Senti vontade de desaparecer dali, de apagar os últimos meses da minha vida. Mas não podia fugir da verdade: tinha-me deixado enganar porque quis acreditar.

Ela levantou-se abruptamente. — Só queria que soubesse o que está a fazer. Espero que valha a pena.

Ficámos em silêncio depois de ela sair. A Rita pousou a mão na minha.

— Inês…

— Eu sou tão estúpida… — sussurrei, sentindo as lágrimas a ameaçarem cair. — Como é que fui capaz de acreditar nele?

A Rita abraçou-me, mas eu sentia-me vazia por dentro. O café parecia agora um cenário distante, como se eu estivesse a ver tudo de fora do meu próprio corpo.

Nos dias seguintes, tentei falar com o Mário. Liguei-lhe dezenas de vezes, mandei mensagens. Ele respondeu apenas uma vez: “Desculpa. Não posso falar agora.” Depois disso, silêncio absoluto.

A minha mãe percebeu logo que algo se passava quando fui passar o fim de semana a casa dela em Sintra.

— Estás tão pálida, filha… O que se passa?

Olhei para ela e desatei a chorar como uma criança. Ela sentou-se ao meu lado no sofá e deixou-me desabafar tudo: o Mário, as promessas, a mulher dele no café.

— Inês… — disse ela com ternura — Tu tens um coração tão grande, mas às vezes confundes bondade com ingenuidade.

— Eu só queria ser feliz, mãe… Só queria alguém que me escolhesse.

Ela suspirou e apertou-me contra si. — Às vezes temos de nos escolher primeiro a nós próprias.

As palavras dela ficaram comigo durante dias. Mas era difícil pensar em mim quando tudo à minha volta parecia desmoronar-se. No trabalho, mal conseguia concentrar-me; os colegas notavam o meu ar ausente e perguntavam se estava doente. Em casa, evitava os espelhos — não queria ver nos meus olhos a vergonha e a tristeza.

Uma noite, o meu pai ligou-me:

— A tua mãe está preocupada contigo. Queres vir jantar cá amanhã?

Aceitei sem hesitar. Precisava do conforto da família, mesmo sabendo que eles nunca tinham gostado do Mário desde o início.

Ao jantar, o ambiente estava tenso. O meu irmão mais novo, o Tiago, olhava para mim com pena disfarçada de ironia:

— Então, já arranjaste outro namorado casado?

A minha mãe deu-lhe um safanão no braço:

— Tiago! Não é altura para piadas.

Mas eu sabia que ele só queria proteger-me à sua maneira.

Depois do jantar, sentei-me sozinha no jardim da casa dos meus pais. O cheiro das flores misturava-se com o ar fresco da noite. Senti uma raiva surda crescer dentro de mim — raiva do Mário por me ter mentido, raiva de mim própria por ter acreditado tão facilmente.

No dia seguinte, decidi enfrentar os meus medos e fui até à casa do Mário em Cascais. Esperei no carro até vê-lo sair para levar os filhos à escola. Quando ele voltou sozinho, aproximei-me.

— Precisamos de falar — disse-lhe assim que abriu a porta.

Ele olhou para mim como se tivesse visto um fantasma.

— Inês… Não devias estar aqui.

— Porquê? Porque agora já não te convém? Porque a tua mulher já sabe tudo?

Ele suspirou e passou as mãos pelo cabelo.

— Eu nunca quis magoar-te…

— Mas magoaste! E magoaste-a a ela também! — gritei-lhe, sentindo finalmente toda a dor transformar-se em fúria. — Porque é que me mentiste?

Ele baixou os olhos.

— Tive medo… Medo de perder tudo: os meus filhos, a minha família… E depois conheci-te e senti-me vivo outra vez. Mas fui cobarde.

As lágrimas escorriam-me pelo rosto sem eu dar conta.

— Eu amava-te… E tu usaste-me para fugir à tua vida miserável!

Ele tentou tocar-me no braço mas afastei-o bruscamente.

— Não voltes a procurar-me nunca mais — disse-lhe entre dentes antes de virar costas e sair dali o mais depressa que consegui.

Os meses seguintes foram um processo lento de reconstrução. Voltei à terapia, comecei a correr ao fim da tarde para libertar a raiva e inscrevi-me num curso de cerâmica só para ocupar as mãos e não pensar tanto. A Rita nunca me largou; vinha dormir lá a casa quando eu tinha pesadelos ou me sentia demasiado sozinha.

A família foi-se aproximando outra vez. O Tiago pediu desculpa pela piada infeliz e levou-me ao cinema como fazíamos em miúdos; os meus pais começaram a convidar-me mais vezes para almoçar ao domingo.

Mas havia dias em que tudo parecia voltar ao início: acordava com o peito apertado e sentia falta do Mário como se faltasse uma parte de mim. Nesses dias escrevia cartas que nunca enviei:

“Querido Mário,
Gostava de te odiar mas ainda não consigo…”

Com o tempo fui percebendo que aquela história não era só sobre traição ou mentira; era sobre mim própria e sobre o vazio que tentei preencher com alguém que nunca seria meu por inteiro.

Um dia encontrei a mulher do Mário no supermercado. Ela olhou para mim durante uns segundos longos demais; depois baixou os olhos e continuou o seu caminho sem dizer nada. Senti vontade de lhe pedir desculpa outra vez mas percebi que já não adiantava: cada uma de nós tinha as suas feridas para sarar.

Hoje olho para trás e vejo aquela tarde no café como um ponto de viragem na minha vida. Doeu muito perder as ilusões mas foi preciso para aprender a escolher-me primeiro — mesmo quando isso significa ficar sozinha durante algum tempo.

Às vezes pergunto-me: quantas vezes deixamos alguém entrar na nossa vida só porque temos medo do vazio? E será que alguma vez aprendemos mesmo a amar-nos antes de amar os outros?