“Ela dava-se tão bem com a minha mãe, porque tu não consegues?”: A dor de ser comparada à ex-mulher do meu marido

“Tu nunca vais conseguir entender a minha mãe como a Sofia entendia.” As palavras do Miguel ecoaram na cozinha, misturando-se com o cheiro do café acabado de fazer e o som abafado da chuva contra a janela. Fiquei parada, com a chávena a tremer nas mãos, sentindo o coração apertar-se no peito. Não era a primeira vez que ouvia aquela frase, mas cada vez parecia mais pesada, mais cruel.

“Desculpa, Miguel, mas eu não sou a Sofia,” respondi, tentando manter a voz firme, embora por dentro me sentisse a desmoronar. Ele nem sequer olhou para mim; continuou a mexer o açúcar no café, como se aquela conversa fosse apenas mais uma rotina matinal.

A verdade é que desde que casei com o Miguel, há três anos, nunca consegui escapar à sombra da ex-mulher dele. Sofia era o nome que pairava sobre todas as discussões, todos os jantares de família, todos os momentos em que eu tentava ser suficiente. A mãe dele, Dona Teresa, fazia questão de me lembrar disso sempre que podia. “A Sofia fazia um arroz de pato maravilhoso. Já tentaste aprender?” Ou então: “A Sofia sabia sempre o que dizer quando eu estava em baixo.”

No início, tentei ignorar. Pensei que era só uma questão de tempo até me aceitarem, até perceberem que eu também tinha valor. Mas o tempo passou e as comparações só se intensificaram. Comecei a duvidar de mim própria. Será que era mesmo tão diferente? Será que nunca seria suficiente?

Lembro-me de um domingo à tarde, quando fomos almoçar a casa da Dona Teresa. O ambiente estava tenso desde o início. Ela olhava para mim com aquele ar crítico, como se estivesse à espera que eu cometesse um erro. No final do almoço, enquanto eu ajudava a arrumar a mesa, ouvi-a sussurrar para o Miguel:

“Ela nem sequer sabe dobrar os guardanapos como deve ser.”

Miguel não respondeu, mas lançou-me um olhar de desaprovação. Senti-me uma criança outra vez, incapaz de agradar aos adultos. No carro, no regresso a casa, tentei desabafar:

“Sabes, às vezes sinto que nunca vou ser suficiente para ti… nem para a tua mãe.”

Ele suspirou e respondeu: “A Sofia fazia tudo com naturalidade. Não precisava de se esforçar tanto.”

Essas palavras ficaram gravadas na minha memória como uma cicatriz. Comecei a comparar-me constantemente à Sofia. Perguntei-me como seria ela, como falava, como se vestia, como conseguia ser tão perfeita aos olhos deles. Cheguei ao ponto de procurar fotos antigas no Facebook, ler comentários antigos da Dona Teresa cheios de elogios e saudades.

A minha autoestima foi-se esvaindo aos poucos. No trabalho, já não tinha confiança para apresentar ideias nas reuniões. Com as amigas, evitava falar sobre o casamento — tinha vergonha de admitir que me sentia uma intrusa na minha própria vida.

As discussões com o Miguel tornaram-se mais frequentes. Ele dizia que eu era demasiado sensível, que via problemas onde não existiam. Mas como não ver? Até nas pequenas coisas — como escolher um vinho para o jantar — ele fazia questão de mencionar: “A Sofia sabia sempre qual era o vinho preferido da minha mãe.”

Uma noite, depois de mais uma discussão acesa, tranquei-me na casa de banho e chorei até não ter mais forças. Olhei-me ao espelho e quase não me reconheci. Onde estava aquela mulher confiante que ele conheceu? Onde estava eu?

No dia seguinte, decidi falar com a minha irmã, Mariana. Ela sempre foi o meu porto seguro.

“Rita, tu não podes continuar assim,” disse ela ao telefone. “O Miguel tem de perceber que tu és TU. Se ele não conseguir ver isso… talvez não seja o homem certo para ti.”

As palavras dela ficaram a ecoar na minha cabeça durante dias. Mas como largar tudo? Tínhamos uma vida juntos — uma casa comprada com tanto esforço, planos para o futuro… E se fosse só uma fase?

Mas as coisas só pioraram quando a Dona Teresa adoeceu e ficou internada durante duas semanas. Miguel passou a ir todos os dias ao hospital e insistia para eu ir também.

“Se fosses mais parecida com a Sofia, saberias como animar a minha mãe,” disse ele num desses dias.

Fui ao hospital com um nó no estômago. Quando entrei no quarto, Dona Teresa olhou para mim e disse:

“Não precisas de vir por obrigação. A Sofia vinha porque queria.”

Saí dali destroçada. No carro, chorei compulsivamente até sentir vergonha das minhas próprias lágrimas.

Foi nesse momento que percebi: estava a perder-me para agradar a pessoas que nunca me aceitariam verdadeiramente.

Nessa noite, sentei-me com o Miguel na sala e disse-lhe tudo o que sentia.

“Miguel… Eu amo-te. Mas não posso continuar a viver à sombra da tua ex-mulher. Não sou ela e nunca serei. Preciso que me aceites como sou — ou então… talvez seja melhor cada um seguir o seu caminho.”

Ele ficou em silêncio durante longos minutos. Depois levantou-se e saiu de casa sem dizer palavra.

Passei aquela noite sozinha, a pensar em tudo o que tinha vivido nos últimos anos. Lembrei-me dos momentos felizes — porque também os houve — mas percebi que nunca seriam suficientes para compensar toda aquela dor.

No dia seguinte, Miguel voltou para casa com um ar cansado.

“Preciso de tempo para pensar,” disse ele simplesmente.

Durante semanas vivemos como estranhos sob o mesmo teto. Eu ia trabalhar cedo e voltava tarde só para evitar estar em casa.

Foi então que comecei a redescobrir-me. Voltei a sair com as amigas, inscrevi-me num curso de cerâmica — algo que sempre quis fazer mas nunca tive coragem.

Aos poucos fui recuperando aquela Rita que tinha desaparecido algures entre as comparações e as expectativas dos outros.

Um mês depois, Miguel chamou-me à sala.

“Rita… Percebi que fui injusto contigo. Vivi demasiado tempo preso ao passado e isso fez-te sofrer. Não sei se ainda vamos a tempo de salvar isto… mas quero tentar.”

Olhei para ele e percebi que já não era aquela mulher desesperada por aprovação. Tinha aprendido — à força — que ninguém merece viver à sombra de outra pessoa.

“Eu também preciso de tempo,” respondi calmamente.

Hoje escrevo estas palavras já longe daquela casa e daquela família que nunca me aceitou verdadeiramente. Estou sozinha — mas pela primeira vez em muito tempo sinto-me inteira.

Pergunto-me: quantas mulheres vivem presas às comparações com as ex-mulheres dos seus maridos? Quantas perdem anos da sua vida a tentar ser alguém que não são? E vocês… já sentiram esta dor?