Duas Avós, Uma Netinha: Quando o Amor se Transforma em Disputa

— Não percebes, Leonor? A tua mãe só quer a menina para ela, nem se importa com o que é melhor para a Maria! — A voz da minha sogra ecoava pela cozinha, carregada de ressentimento. Eu, de costas para ela, fingia arrumar a loiça, mas as mãos tremiam.

A minha mãe, sentada à mesa, apertava os lábios numa linha fina. — Eu só quero passar tempo com a minha neta. Não sou eu que a encho de doces e depois deixo a Leonor a lidar com as birras.

Maria, com cinco anos, brincava no tapete da sala, alheia ao veneno que se espalhava entre as duas mulheres mais velhas da sua vida. Ou talvez não tão alheia assim: ultimamente, tinha começado a perguntar-me porque é que as avós não gostavam uma da outra.

O meu marido, Ricardo, evitava estas cenas como o diabo foge da cruz. “São coisas de mulheres”, dizia ele, como se isso fosse desculpa para o sofrimento silencioso que se instalava na nossa casa todos os fins de semana.

Lembro-me do dia em que percebi que algo tinha de mudar. Maria chegou da casa da minha mãe com os olhos tristes e disse-me: — A avó Lurdes disse que a avó Teresa não sabe contar histórias bonitas como ela. E depois perguntou se eu gostava mais dela.

O meu coração apertou-se. Não era justo. Não era justo para ninguém, mas sobretudo não era justo para a Maria. Sentei-me ao lado dela e abracei-a.

— Sabes, filha, às vezes as pessoas dizem coisas porque têm medo de perder alguém que amam muito. Mas tu não tens de escolher. Podes amar as duas avós.

Ela olhou-me com aqueles olhos grandes e inocentes. — Mas elas não gostam uma da outra…

Naquela noite, depois de deitar a Maria, sentei-me na sala escura e chorei. Chorei pela minha filha, por mim, pelas duas mulheres que tanto me deram e agora pareciam crianças zangadas num recreio.

No domingo seguinte, o ritual repetiu-se. As duas avós sentadas em lados opostos da sala, cada uma tentando conquistar a atenção da Maria com presentes ou promessas de passeios. Eu já nem conseguia ouvir as palavras; só sentia o peso do ambiente.

Foi então que decidi agir. Não podia continuar a permitir que a minha filha fosse usada como troféu numa guerra que não era dela.

Na segunda-feira liguei à minha mãe. — Mãe, precisamos de conversar. Sério.

Ela suspirou do outro lado. — É sobre a Lurdes, não é?

— É sobre a Maria. E sobre mim. E sobre nós todas.

Convidei as duas para um café em minha casa, sem avisar uma da presença da outra. Quando chegaram e se viram frente a frente, percebi o desconforto imediato.

— O que é isto? — perguntou Lurdes, cruzando os braços.

— É uma conversa que já devia ter acontecido há muito tempo — respondi, tentando manter a voz firme.

Sentei-me entre elas e respirei fundo.

— Eu amo-vos às duas. E sei que amam a Maria mais do que tudo. Mas esta rivalidade está a magoar-nos a todas. Sobretudo à Maria. Ela sente-se culpada por gostar das duas. Sente-se pressionada para escolher lados. E eu não vou permitir mais isso.

As duas ficaram em silêncio. A minha mãe foi a primeira a falar:

— Eu só quero estar presente na vida dela…

— E eu também — disse Lurdes, num tom mais baixo do que o habitual.

— Então têm de aprender a partilhar. A respeitar-se. A Maria precisa das duas, mas precisa ainda mais de paz à sua volta.

A conversa foi longa e difícil. Houve lágrimas e acusações antigas vieram ao de cima: ressentimentos guardados desde o casamento, diferenças de educação, ciúmes nunca confessados.

— Sempre achei que tu achavas que eras melhor mãe do que eu — atirou Lurdes à minha mãe.

— E eu sempre senti que nunca fui suficiente para ti — respondeu Teresa, com os olhos marejados.

Eu ouvi tudo em silêncio, sentindo-me ora filha ora nora ora mãe. No final, pedi-lhes um favor: durante um mês, cada uma teria um dia por semana com a Maria — sem presentes, sem comparações, só tempo de qualidade.

No início foi estranho. A Maria estranhou não receber brinquedos novos ou doces fora de horas. Mas aos poucos começou a contar-me histórias dos passeios no parque com uma avó e das tardes a fazer bolos com outra.

As avós também mudaram. Começaram a falar uma com a outra sobre o que faziam com a neta, trocar ideias e até combinaram um almoço juntas para celebrar o aniversário da Maria.

Mas nem tudo foi fácil. Houve recaídas: comentários passivo-agressivos, olhares atravessados nos encontros familiares. Um dia apanhei Lurdes a dizer baixinho à Maria: “A avó Teresa não percebe nada de bonecas como eu”. Chamei-a à parte e pedi-lhe respeito pela nossa decisão.

— Não é fácil para mim — confessou ela. — Sempre tive medo de perder o Ricardo para ti… agora tenho medo de perder a Maria também.

Abracei-a. — Ninguém vai perder ninguém se aprendermos a partilhar.

Com o tempo, as coisas foram melhorando. Não se tornaram melhores amigas, mas aprenderam a coexistir pelo bem da neta.

Hoje olho para trás e vejo o quanto crescemos todas com esta experiência. A Maria é uma menina feliz, rodeada de amor — amor imperfeito, mas verdadeiro.

Às vezes pergunto-me: porque é que deixamos o medo e o ciúme falarem mais alto do que o amor? Será que conseguimos mesmo aprender a partilhar quem mais amamos? O que fariam vocês no meu lugar?