Desesperada por Respostas: Abandonada pelo Meu Marido em Vila Nova de Gaia

— Rui, por favor, não faças isto! — gritei, com a voz embargada, enquanto ele largava as malas no chão da sala húmida e fria. Matilde, a nossa filha de seis anos, olhava para mim com os olhos arregalados, sem perceber o que se passava. O cheiro a mofo misturava-se com o medo que me apertava o peito.

Ele não respondeu. Limitou-se a olhar para mim com uma expressão vazia, quase como se eu fosse uma estranha. Depois, pegou nas chaves do carro e saiu porta fora, deixando-me ali, sozinha com a Matilde, naquela casa que mais parecia ter sido esquecida pelo tempo e pela vida.

Durante horas, sentei-me no chão da cozinha, tentando perceber onde tinha falhado. O Rui sempre foi um homem reservado, mas nunca imaginei que fosse capaz de algo assim. Os últimos meses tinham sido difíceis — ele perdera o emprego na fábrica de calçado e andava cada vez mais distante. Mas abandonar-nos? Nunca pensei.

— Mamã, o pai vai voltar? — perguntou Matilde, agarrada ao meu braço.

Tentei sorrir-lhe, mas a minha voz saiu trémula:
— Vai, filha… Ele só precisa de um tempo.

Mas eu própria não acreditava nas minhas palavras.

Os dias seguintes foram um tormento. A casa era velha, as paredes descascadas e as janelas deixavam entrar o vento gelado do Douro. Não conhecia ninguém em Vila Nova de Gaia; tinha deixado para trás a minha mãe e a minha irmã em Aveiro, convencida pelo Rui de que esta mudança era para o nosso bem. Agora percebia que tudo não passara de uma armadilha.

O dinheiro que tínhamos era pouco. Fui à mercearia do bairro comprar pão e leite, sentindo os olhares curiosos das vizinhas. Uma delas, Dona Emília, aproximou-se de mim:

— Você é a nova inquilina da casa dos Santos? Aquela casa tem má fama… — disse ela, baixando a voz.

Sorri sem vontade e agradeci. Não queria alimentar mexericos.

À noite, depois de adormecer a Matilde com histórias inventadas para lhe distrair o pensamento do pai ausente, sentei-me na varanda e chorei em silêncio. Perguntava-me como tinha chegado ali. Recordava os primeiros anos com o Rui — os passeios à beira-mar, as promessas de amor eterno. Onde se perdera tudo isso?

Uma semana depois, ouvi o barulho do carro na rua. O coração disparou. Espreitei pela janela e vi o Rui a sair do carro, com o rosto fechado. Abri a porta antes que ele batesse.

— Rui! Porquê? Porque é que nos deixaste aqui?

Ele olhou-me como se eu fosse culpada de tudo.
— Preciso de espaço, Ana. Não consigo respirar contigo sempre a perguntar-me coisas! — atirou ele, sem sequer olhar para Matilde.

— Espaço? Trouxeste-nos para esta casa miserável e desapareceste! A tua filha sente a tua falta! — gritei-lhe, já sem conseguir conter as lágrimas.

Ele encolheu os ombros.
— Não percebes… Eu perdi tudo! O emprego, o respeito… Não sou homem para ti nem para ela.

— Então foges? Deixas-nos aqui como se fôssemos lixo?

Rui virou costas e saiu novamente. Matilde apareceu à porta:
— O pai vai embora outra vez?

Abracei-a com força.
— Vai, filha… Mas nós vamos ficar bem.

Nessa noite decidi ligar à minha mãe. A vergonha era maior que tudo — sempre me avisara que o Rui não era homem de confiança. Mas agora precisava dela mais do que nunca.

— Ana, volta para casa — disse-me ela ao telefone. — Não tens de passar por isso sozinha.

Mas eu sentia-me presa entre dois mundos: o orgulho ferido e a necessidade de proteger a minha filha.

Nos dias seguintes tentei arranjar trabalho. Fui à padaria da Dona Emília pedir emprego; ela olhou-me com pena e disse que só precisava de alguém aos fins-de-semana. Aceitei sem hesitar. Cada euro era precioso.

Certa tarde, enquanto limpava as prateleiras da padaria, ouvi duas clientes a cochichar:
— Dizem que o marido dela anda metido com outra mulher lá no Porto…

O sangue gelou-me nas veias. Seria verdade? Sempre suspeitara das ausências do Rui, das mensagens apagadas no telemóvel… Mas nunca quis acreditar.

Quando ele apareceu novamente na casa — desta vez para buscar algumas roupas — enfrentei-o:
— Rui, há outra mulher?

Ele hesitou antes de responder:
— Isso agora não interessa…

Senti o chão fugir-me dos pés. Tudo fazia sentido: o desprezo, as mentiras, o abandono.

— Como pudeste? E a Matilde? Pensaste nela?

Ele baixou os olhos:
— Eu não sou bom pai… Nem bom marido…

A raiva deu lugar à tristeza. Percebi que não podia continuar à espera dele. Tinha de ser forte por mim e pela minha filha.

Decidi aceitar o convite da minha mãe e voltar para Aveiro. Arrumei as poucas coisas que tínhamos e despedi-me da Dona Emília, que me abraçou com ternura:
— Coragem, menina Ana. A vida dá muitas voltas.

No comboio para Aveiro, Matilde adormeceu no meu colo. Olhei pela janela e vi o rio Douro desaparecer ao longe. Senti um misto de alívio e medo do futuro.

Em casa da minha mãe fui recebida com lágrimas e abraços apertados. A minha irmã Inês ajudou-me a procurar trabalho numa loja de roupa; aos poucos fui reconstruindo a minha vida.

O Rui nunca mais apareceu. Às vezes Matilde perguntava por ele; outras vezes ficava em silêncio durante horas, desenhando famílias felizes em folhas de papel.

Hoje olho para trás e pergunto-me: como é possível alguém virar costas à própria família? Será que algum dia vou conseguir confiar novamente em alguém? E vocês, já sentiram este vazio dentro do peito? Como seguir em frente quando tudo parece perdido?