“Desde que te divorciaste, não terás herança nenhuma,” ameaçou a avó: O dia em que a minha família se desfez

“Se achas que depois de te teres divorciado ainda vais receber alguma coisa desta casa, estás muito enganada, Teresa!”

As palavras da minha mãe, a Dona Amélia, ecoaram pela sala como um trovão. Senti o chão fugir-me dos pés. O relógio de parede marcava as dez da noite, mas o tempo parecia ter parado naquele instante. Olhei para ela, sentada na sua poltrona de veludo verde, os olhos duros como pedra, e percebi que nada do que dissesse iria mudar o que estava prestes a acontecer.

“Mas mãe… como podes dizer isso? Sou tua filha!”

A minha voz saiu trémula, quase um sussurro. O meu coração batia tão forte que temi que todos na sala o ouvissem. A minha filha, a Inês, de 30 anos, estava sentada no sofá ao meu lado, com os olhos fixos no chão. O meu irmão mais novo, o Luís, encostado à porta da cozinha, cruzava os braços e sorria de lado. Sempre foi o preferido da minha mãe.

“Filha? Filha é quem honra a família! Tu foste a vergonha desta casa quando deixaste o teu marido. O que é que as vizinhas disseram? O que é que a família do teu pai pensou?”

Senti uma raiva surda a crescer dentro de mim. Tantos anos a tentar agradar-lhe, a ser a filha perfeita, e bastou um divórcio para ser tratada como uma estranha. O meu casamento com o António tinha sido um erro desde o início. Aguentei vinte anos de silêncios e traições até não aguentar mais. Saí de casa com uma mala e a Inês pela mão. Nunca pedi nada à minha mãe. Nunca lhe pedi abrigo nem dinheiro. Mas agora… agora era como se tudo o que eu fosse estivesse reduzido à minha condição de mulher divorciada.

A Inês levantou finalmente os olhos e disse num tom baixo:

“Avó… isto não é justo.”

A Dona Amélia virou-se para ela com um olhar frio:

“Tu cala-te, menina! Ainda tens muito que aprender sobre a vida.”

O Luís aproveitou para lançar mais lenha para a fogueira:

“A mãe tem razão. A Teresa sempre fez tudo ao contrário do que devia. Agora quer vir buscar o que não merece.”

Senti as lágrimas a quererem saltar-me dos olhos, mas recusei-me a chorar ali, diante deles. Levantei-me devagar e olhei para a minha mãe:

“Se é assim que pensas… então não preciso de nada teu.”

Saí da sala com a Inês atrás de mim. No corredor ouvi ainda a voz do Luís:

“Vês? Sempre foi orgulhosa.”

Fechei a porta do quarto onde estava hospedada desde que o meu apartamento entrou em obras. Sentei-me na cama e enterrei o rosto nas mãos. A Inês sentou-se ao meu lado e abraçou-me.

“Mãe… não ligues à avó. Ela está velha e teimosa.”

“Não é só isso, filha. É como se nunca tivesse sido suficiente para ela. Nem quando era criança, nem agora.”

A Inês ficou em silêncio. Sabia bem demais o peso das expectativas da família.

Na manhã seguinte, acordei com vozes exaltadas vindas da cozinha. Vesti-me à pressa e fui ver o que se passava. O Luís estava aos gritos com a minha mãe.

“Não podes dar tudo à Teresa! Ela vai gastar tudo com aquela filha dela!”

A minha mãe respondeu-lhe num tom cortante:

“Eu faço o que quiser com o meu dinheiro! E tu devias era ter vergonha na cara depois do que fizeste ao teu pai!”

O Luís calou-se de repente ao ver-me entrar. Olhou-me com ódio.

“Vês? Ela mete-se em tudo!”

A minha mãe virou-se para mim:

“Teresa, vai-te embora daqui antes que eu perca mesmo a cabeça.”

Senti-me humilhada. Peguei nas minhas coisas e saí porta fora com a Inês atrás de mim.

Durante dias não consegui dormir. A Inês tentava animar-me:

“Mãe, não precisas da herança da avó para seres feliz.”

“Eu sei, filha… mas dói tanto sentir-me rejeitada assim.”

O tempo passou devagar. As obras no meu apartamento terminaram e voltei para casa. Mas sentia um vazio enorme dentro de mim. Não conseguia perdoar à minha mãe aquelas palavras duras.

Um dia recebi uma carta do advogado da família: a Dona Amélia tinha decidido deixar toda a herança ao Luís. Nem uma palavra para mim ou para a Inês.

Chorei como há muito não chorava. Liguei à minha mãe, mas ela recusou atender-me.

A Inês ficou revoltada:

“Isto é uma injustiça! Devíamos ir à justiça!”

Mas eu sabia que não valia a pena lutar por algo que nunca foi realmente meu.

Os meses passaram e o Luís começou a vender tudo: os terrenos do meu avô em Trás-os-Montes, o apartamento na Foz, até as jóias da família foram parar ao prego.

A Dona Amélia adoeceu pouco tempo depois. Fui visitá-la ao hospital apesar de tudo.

Quando entrei no quarto ela olhou para mim com olhos cansados.

“Vieste?”

“Vim, mãe.”

Ela chorou baixinho.

“Fui dura contigo… mas só queria proteger-te.”

Abracei-a pela primeira vez em muitos anos.

“Já não importa, mãe.”

Ela morreu naquela noite.

No funeral, o Luís nem me olhou nos olhos. A Inês segurou-me a mão com força.

Hoje olho para trás e pergunto-me: valeu a pena tanto orgulho? Tanta luta por dinheiro e aparências? Será que algum dia conseguiremos perdoar-nos uns aos outros?

E vocês… já sentiram o peso de uma família desfeita por orgulho?