Desde então, só vejo fotos do meu neto e não posso visitá-lo: a história de uma avó portuguesa
— Não, mãe, a Joana não quer visitas agora. — A voz do meu filho, Rui, soava cansada do outro lado da linha. Eu sentia o peso das palavras como se fossem pedras atiradas ao peito.
— Mas, Rui, já passaram três semanas desde que o Martim nasceu. Eu só queria vê-lo um bocadinho, dar-lhe um beijo… — tentei argumentar, a voz embargada pela emoção.
— Mãe, por favor, não compliques. A Joana está cansada, o Martim ainda é muito pequeno. Quando der, avisamos. — E desligou.
Fiquei ali, sentada na cadeira da cozinha, olhando para o telemóvel como se ele pudesse dar-me outra resposta. O silêncio da casa parecia zombar da minha solidão. O meu marido, António, entrou na cozinha e viu-me assim, perdida nos meus pensamentos.
— Outra vez? — perguntou ele, com aquele tom resignado que só quem já perdeu as forças usa.
— Não percebo, António. Fizemos tudo certo. Levámos presentes, demos dinheiro para ajudar com as fraldas e roupinhas… E mesmo assim ela olha para mim como se eu fosse uma intrusa. — As lágrimas começaram a cair sem que eu pudesse controlar.
António suspirou e sentou-se ao meu lado. — Talvez seja só uma fase. As mulheres hoje em dia são diferentes…
Mas eu sabia que não era só isso. Desde o início, Joana nunca me aceitou verdadeiramente. Sempre achei que ela me via como uma ameaça à sua autoridade de mãe. Lembro-me do dia em que Rui a trouxe cá a casa pela primeira vez. Ela mal falou comigo, ficou sempre agarrada ao telemóvel, e quando tentei conversar sobre o futuro deles, ela respondeu com monossílabos.
Os meses passaram e o casamento aconteceu sem grandes festas — ela não quis nada tradicional, nem sequer permitiu que eu ajudasse a escolher o vestido. Senti-me excluída desde então, mas sempre tentei respeitar o espaço deles.
Quando soube da gravidez, chorei de alegria. Preparei um enxoval inteiro com as minhas próprias mãos: mantas de lã, casaquinhos tricotados… Mas Joana nunca usou nada do que fiz. Preferiu comprar tudo novo nas lojas caras do centro de Lisboa.
No dia em que Martim nasceu, Rui mandou uma mensagem seca: “Nasceu bem. Estamos todos bem.” Liguei logo a seguir, mas Joana não quis falar comigo. Desde então, só vejo fotos do meu neto pelo WhatsApp — e mesmo assim, só quando peço muito.
A minha irmã Teresa diz que tenho de ser paciente. “Os tempos mudaram”, repete ela. “As noras agora querem fazer tudo à sua maneira.” Mas será que isso justifica afastar os avós? Sinto-me como se tivesse perdido o meu filho para outra família.
No domingo passado, tentei mais uma vez:
— Rui, venham cá jantar connosco. Fiz bacalhau à Brás como tu gostavas quando eras pequeno.
Ele hesitou antes de responder:
— Mãe… A Joana não quer sair de casa com o Martim tão pequeno.
— E se eu for aí ajudar? Posso levar comida feita…
— Não é boa altura — cortou ele.
Desliguei antes que ele pudesse ouvir o soluço preso na minha garganta.
Na segunda-feira seguinte, fui ao mercado e encontrei a mãe da Joana. Cumprimentámo-nos com aquele sorriso forçado típico das sogras rivais.
— Já viu o Martim? — perguntei, tentando soar casual.
Ela encolheu os ombros: — Só por fotos. A Joana diz que ainda não está preparada para visitas.
Senti um alívio estranho ao perceber que não era só comigo. Mas também uma tristeza profunda: será que estamos todos condenados a sermos avós virtuais?
À noite, António tentou animar-me:
— Lembras-te quando o Rui era pequeno? Também não querias ninguém por perto nos primeiros meses…
— Mas nunca impediria os meus pais de verem o neto! — protestei.
O tempo foi passando e a distância entre mim e Rui só aumentava. No Natal, mandei mensagem a perguntar se podiam vir cá a casa para trocarmos presentes. Recebi uma resposta curta: “Este ano preferimos ficar só nós os três.”
Senti-me rejeitada como nunca antes na vida. Passei o Natal a olhar para as fotos antigas do Rui em criança, tentando perceber onde errei.
Uma noite, depois de mais uma discussão com António sobre se devíamos insistir ou desistir de tentar aproximar-nos, tomei coragem e escrevi uma carta à Joana:
“Querida Joana,
Sei que não somos próximas e talvez nunca venhamos a ser amigas. Mas quero que saibas que só desejo o melhor para ti e para o Martim. Não quero ser um peso na vossa vida, mas gostava muito de poder fazer parte dela. Se fiz algo que te magoou, peço desculpa do fundo do coração.”
Esperei dias por uma resposta que nunca veio.
Certa tarde, ouvi o telemóvel apitar: era uma foto nova do Martim. Estava lindo, com uns olhos enormes iguais aos do pai. Senti um misto de alegria e tristeza — alegria por vê-lo crescer saudável; tristeza por não poder abraçá-lo.
Comecei a evitar falar sobre o assunto com as amigas do bairro. Algumas diziam que era normal hoje em dia; outras achavam um absurdo. “Se fosse comigo já tinha batido à porta deles!”, dizia a Dona Emília.
Mas eu não queria criar mais conflitos. Tinha medo de perder Rui de vez.
Um dia, António sugeriu irmos à missa juntos pedir forças. Sentei-me no banco da igreja e rezei como há muito não fazia:
“Senhor, dá-me paciência para aceitar aquilo que não posso mudar.”
Na saída da missa encontrei a minha vizinha Rosa:
— Então Maria do Carmo, já pegaste no netinho ao colo?
Senti as lágrimas virem aos olhos outra vez:
— Ainda não tive essa sorte…
Ela apertou-me a mão com carinho:
— Não desistas. Um dia vão perceber o valor dos avós.
Às vezes penso se devia ter sido mais firme com Rui quando era mais novo; outras vezes acho que devia ter sido mais flexível com a Joana agora adulta. Mas no fundo sei que só quero amar o meu neto como amei o meu filho.
Hoje olho para as fotos do Martim no telemóvel e pergunto-me: será que um dia vou poder contar-lhe histórias ao colo? Será que ele vai saber quem eu sou? Ou serei apenas uma avó de fotografias?
E vocês? Já passaram por algo assim? O que fariam no meu lugar?