Descobri a traição dele quando mais precisei: uma história de dor e renascimento
— Não me deixes agora, por favor… — sussurrei, com a voz embargada, enquanto via o Miguel afastar-se do quarto de hospital. O cheiro a desinfetante misturava-se com o medo que me apertava o peito. Tinha acabado de ouvir do médico que a operação era inevitável. O Miguel olhou-me, mas os olhos dele estavam noutro lugar. — Preciso de apanhar ar, Inês. Volto já.
Fiquei sozinha, com o bip das máquinas e o frio das paredes brancas. O meu corpo estava fraco, mas a minha cabeça fervilhava. Lembrei-me das últimas semanas: o Miguel distante, as mensagens trocadas às escondidas, as desculpas para chegar tarde. Tentei convencer-me de que era só o stress do trabalho, mas algo dentro de mim gritava que não era só isso.
Naquela noite, depois da visita dele, a enfermeira trouxe-me o telemóvel. — O seu filho ligou, Dona Inês. Quer devolver-lhe? — Aceitei, agradecida. O João tinha 16 anos e estava em casa com a irmã mais nova, a Matilde. — Mãe, o pai não veio jantar outra vez — disse ele, num tom seco. — Disse que tinha uma reunião importante. — Fiquei em silêncio, sem saber o que responder. — Está tudo bem aí? — perguntou ele, preocupado. — Está, querido. Só preciso descansar.
Mas não estava nada bem. Senti-me sozinha como nunca antes. O Miguel não voltou naquela noite. Nem na seguinte. No terceiro dia, a Matilde ligou-me a chorar: — Mãe, o pai não atende! Não sei onde está! — O meu coração disparou. Liguei-lhe dezenas de vezes, sem resposta.
Foi a minha cunhada, a Teresa, quem me abriu os olhos. Apareceu no hospital com um ar grave e sentou-se ao meu lado. — Inês… há algo que tens de saber. — O quê? — perguntei, já a tremer. — O Miguel… ele está com outra pessoa. Vi-o ontem à noite com a Andreia no café do bairro.
O chão fugiu-me dos pés. Andreia? A vizinha do terceiro esquerdo? Aquela que vinha pedir açúcar e ficava horas à conversa? Senti uma náusea profunda. — Tens a certeza? — perguntei, numa última tentativa de negar o óbvio. — Vi-os de mãos dadas, Inês. Não mereces isto.
Chorei baixinho durante horas. A dor física da doença misturava-se com uma dor nova, cortante: a traição. Senti-me humilhada, traída e abandonada no momento em que mais precisava dele.
Quando finalmente consegui falar com o Miguel, ele apareceu no hospital com um ar cansado e olheiras fundas. — Inês… desculpa. Não queria que soubesses assim. — Então é verdade? — perguntei, tentando manter a dignidade. Ele baixou os olhos. — É.
A raiva tomou conta de mim. — Estive aqui sozinha! Os teus filhos estavam sozinhos! E tu… tu estavas com ela?! — Ele tentou justificar-se: — Eu… senti-me perdido, Inês. Tu estavas sempre doente, sempre cansada… Eu precisava de alguém que me ouvisse.
As palavras dele foram como facas. — E eu? Quem me ouve a mim? Quem me segura quando tudo desaba?
Os dias seguintes foram um nevoeiro de exames médicos e lágrimas escondidas na almofada do hospital. A operação correu bem, mas eu sentia-me vazia por dentro.
Quando voltei para casa, tudo parecia diferente. Os miúdos evitavam falar do pai; a Matilde dormia comigo todas as noites; o João fechava-se no quarto com os auscultadores nos ouvidos.
O Miguel vinha buscar as coisas dele à socapa, sem olhar para mim. Uma noite ouvi-o discutir ao telefone no corredor: — Não posso ir agora, Andreia! Os miúdos estão em casa! — Senti vontade de gritar, de lhe atirar tudo à cara.
A minha mãe veio ajudar-me nos primeiros tempos. Um dia entrou na cozinha e encontrou-me sentada no chão, rodeada de panelas por lavar e lágrimas nos olhos. — Filha… tens de ser forte pelos teus filhos.
Mas eu não queria ser forte. Queria gritar, partir tudo, desaparecer.
Foi numa dessas noites longas que recebi uma mensagem inesperada da Andreia: «Desculpa por tudo o que aconteceu.» Fiquei furiosa: quem era ela para me pedir desculpa? Respondi-lhe: «Desculpa não apaga nada.»
No dia seguinte encontrei-a nas escadas do prédio. Ela tentou falar comigo: — Inês… eu não queria magoar ninguém… O Miguel disse-me que vocês já não estavam juntos… — Olhei-a nos olhos e vi medo e arrependimento. Mas isso não me trouxe alívio.
Os meses passaram devagarinho. Fui recuperando fisicamente, mas as feridas emocionais demoraram muito mais tempo a sarar.
Um dia o João entrou na sala e atirou-me um caderno para o colo: — Escrevi isto para ti, mãe. Era um poema sobre mães-coragem e filhos perdidos no meio da tempestade.
Chorei como há muito não chorava. Abracei-o com força e percebi que tinha de lutar por eles – por mim.
Comecei a ir à psicóloga do centro de saúde; inscrevi-me num curso de costura; voltei a sair com amigas antigas que tinha deixado para trás por causa do Miguel.
Aos poucos fui reconstruindo a minha vida: pintei as paredes da sala de amarelo; comprei flores para a varanda; comecei a rir outra vez.
O Miguel tentou voltar algumas vezes, mas já era tarde demais. Um dia disse-lhe: — Não sou a mesma mulher que deixaste no hospital.
Hoje olho para trás e vejo tudo o que perdi – mas também tudo o que ganhei: coragem, independência e amor-próprio.
Às vezes pergunto-me: porque é que só descobrimos a nossa força quando somos obrigados a sobreviver? E vocês? Já passaram por algo assim? Como encontraram forças para recomeçar?