Depois do Divórcio, Nunca Mais… Até Aquele Café

— Não me peças para voltar, Mário. Não desta vez. — A minha voz tremia, mas eu mantinha o olhar fixo na janela embaciada do nosso antigo quarto. Lá fora, Lisboa chorava comigo, a chuva caía pesada sobre os telhados de Alfama. Mário suspirou, cansado, e largou as chaves em cima da cómoda.

— Leonor, não podemos simplesmente deitar tudo fora… — murmurou ele, mas eu já não ouvia. O nosso casamento era uma casa velha, cheia de infiltrações e silêncios. E eu estava cansada de tentar remendar o que já não tinha conserto.

O divórcio foi rápido, quase burocrático. Os amigos diziam que eu era corajosa, mas eu só sentia um vazio gelado a ocupar todos os cantos da minha vida. A minha mãe ligava todos os dias:

— Filha, tens de sair de casa! Vais acabar amarga, sozinha…

Eu sorria ao telefone, fingindo força:

— Mãe, estou bem. Preciso de tempo para mim.

Mas à noite, o silêncio era ensurdecedor. Oiço ainda o eco dos passos de Mário no corredor, o cheiro do café de manhã, as discussões sobre contas e férias que nunca fizemos. Tudo se foi.

As amigas tentavam animar-me:

— Leonor, há vida depois do divórcio! Vai a um jantar, conhece alguém novo!

Eu recusava sempre. Não queria mais promessas quebradas nem sorrisos falsos. Bastava-me a minha dor.

Foi numa terça-feira cinzenta que tudo mudou. Saí para fugir das paredes do meu apartamento e entrei numa pequena cafetaria perto do Largo do Carmo. O lugar estava cheio e só havia uma mesa vaga, já ocupada por um homem de cabelo grisalho e olhar cansado.

— Desculpe, importa-se que me sente? — perguntei, sem esperança.

Ele sorriu com gentileza:

— Claro que não. Sente-se à vontade.

Sentei-me e pedi um chá. O silêncio entre nós era confortável, quase cúmplice. Ele lia um livro de José Saramago e eu fingia interesse no telemóvel. Mas a chuva lá fora parecia pedir conversa.

— Gosta de Saramago? — arrisquei.

Ele levantou os olhos e sorriu:

— Gosto. Ajuda-me a perceber que a vida é feita de pequenas ironias.

Rimo-nos juntos. Chamava-se António e era professor de História numa escola secundária em Benfica. Falámos sobre livros, sobre Lisboa antiga, sobre como a cidade mudava com o tempo — tal como as pessoas.

— Sabe — disse ele —, às vezes penso que as coisas mais importantes acontecem quando menos esperamos.

Olhei para ele e senti uma pontada estranha no peito. Não era paixão, nem desejo. Era uma sensação de reconhecimento: alguém que também sabia o que era perder-se para se reencontrar.

O tempo passou sem darmos por isso. Quando dei por mim, a cafetaria estava quase vazia e o empregado olhava-nos com impaciência.

— Desculpe — disse António —, acho que estamos a ser expulsos.

Saímos juntos para a rua molhada. Ele ofereceu-me o guarda-chuva e caminhámos lado a lado até ao metro.

— Gostava de voltar a vê-la — disse ele antes de se despedir.

Sorri, hesitante:

— Talvez…

Durante dias pensei naquele encontro. As amigas ficaram histéricas quando contei:

— Leonor! Isto é um sinal! Tens de te dar uma oportunidade!

Mas eu tinha medo. Medo de me magoar outra vez, medo de confiar em alguém que podia partir como Mário partiu.

A minha mãe insistia:

— Filha, não podes viver fechada no passado!

Mas o passado era confortável na sua dor conhecida. O futuro assustava-me mais do que a solidão.

Mesmo assim, aceitei encontrar-me com António outra vez. Fomos ao Jardim da Estrela num sábado de sol tímido. Ele trouxe pão quente e queijo da serra; eu levei chá num termo antigo do meu avô.

Falámos sobre tudo: os filhos dele (dois rapazes já crescidos), o meu trabalho na biblioteca municipal, as viagens que nunca fizemos por falta de tempo ou coragem.

— O que é que te assusta mais? — perguntou ele de repente.

Fiquei em silêncio. Olhei para as mãos e respondi:

— Ter esperança outra vez.

Ele sorriu com ternura:

— Às vezes é preciso coragem para acreditar que ainda pode haver felicidade depois da dor.

Os meses passaram e António tornou-se parte dos meus dias: mensagens ao acordar, cafés ao fim da tarde, passeios sem destino pelas ruas estreitas da cidade. Mas quanto mais me aproximava dele, mais sentia o peso do passado a puxar-me para trás.

Uma noite, depois de um jantar em casa dele, António olhou-me nos olhos:

— Leonor, quero construir algo contigo. Mas preciso saber se estás pronta para deixar o passado ir.

Fugi. Saí porta fora sem olhar para trás. Passei horas a caminhar pela cidade adormecida, os pensamentos em turbilhão.

Lembrei-me das palavras da minha mãe:

— O medo não te protege da dor; só te impede de viver.

No dia seguinte, António não me ligou. Nem no outro dia. O silêncio dele era diferente do silêncio de Mário: não era abandono, era respeito pelo meu tempo.

Senti saudades. Saudades das conversas longas, dos risos partilhados, da sensação de ser vista como realmente sou — com todas as minhas cicatrizes.

Finalmente tomei coragem e bati à porta dele numa noite fria de dezembro.

— Desculpa — disse eu antes mesmo de ele abrir bem a porta — Desculpa ter fugido. Tenho medo… mas também tenho vontade de tentar outra vez.

António puxou-me para um abraço apertado:

— Eu também tenho medo, Leonor. Mas prefiro arriscar contigo do que viver seguro sozinho.

Naquele momento percebi: o amor não é ausência de dor ou garantia de felicidade eterna. É escolher alguém todos os dias apesar dos medos e das dúvidas.

Hoje olho para trás e vejo como fui injusta comigo mesma ao pensar que já não merecia recomeçar. A vida surpreende-nos quando menos esperamos — basta termos coragem para aceitar o inesperado.

E vocês? Já sentiram medo de recomeçar? Quantas vezes deixaram o passado decidir pelo vosso futuro?