Depois de 25 Anos de Casamento, Descobri Que Não Conhecia o Homem com Quem Dormia
— Não me mintas, Janete! Eu vi as mensagens! — gritei, com a voz embargada, enquanto segurava o telemóvel dele nas mãos trémulas. O meu coração batia tão forte que quase abafava o silêncio pesado da sala. Janete, a nossa filha, olhava para mim com os olhos arregalados, sem perceber ao certo o que estava a acontecer. Mas não era com ela que eu queria falar. Era com o homem que partilhava a minha vida há vinte e cinco anos: o meu marido, António.
Ele estava sentado no sofá, com as mãos entrelaçadas e o olhar fixo no chão. Não disse nada. O silêncio dele era pior do que qualquer palavra. Senti uma raiva surda a crescer dentro de mim, misturada com medo e incredulidade. Como é que isto me podia estar a acontecer? Logo a mim, que sempre achei que conhecia cada recanto da alma do António.
Tudo começou naquela manhã de sábado, quando ele saiu para comprar pão e esqueceu-se do telemóvel em casa. O aparelho vibrou várias vezes. Não sou mulher de mexer nas coisas dele, mas naquele dia… não sei explicar. Talvez fosse o sexto sentido de quem já viveu demasiado tempo ao lado de alguém. Peguei no telemóvel e vi o nome: “Sofia”. Uma mensagem curta: “Amanhã às 18h? Mal posso esperar para te ver.” Senti o chão fugir-me dos pés.
Esperei que ele voltasse. O pão ficou esquecido em cima da mesa. Quando lhe mostrei o telemóvel, ele empalideceu. — Explica-me isto, António. Agora.
Ele demorou a responder. — Não é o que parece…
— Então explica! — insisti, já com lágrimas nos olhos.
Janete levantou-se devagar, como se quisesse desaparecer dali. — Mãe…
— Vai para o teu quarto, filha — pedi-lhe, tentando manter a voz firme.
Quando ficámos sozinhos, António finalmente falou:
— Sofia é… uma amiga do trabalho. Só isso.
Ri-me, um riso amargo e incrédulo. — Uma amiga? Com quem combinas encontros ao domingo à tarde? Achas que sou estúpida?
Ele levantou-se de repente, os olhos cheios de lágrimas. — Não é isso! Eu… eu não sei como te dizer isto.
O medo tomou conta de mim. — Estás apaixonado por ela?
Ele abanou a cabeça. — Não. Não é isso… Sofia é minha filha.
Fiquei sem ar. — O quê?
António desabou no sofá, as mãos a tapar o rosto. — Antes de te conhecer… tive um caso com uma mulher em Lisboa. Nunca soube que ela tinha engravidado. Há uns meses, ela procurou-me. Disse-me que Sofia queria conhecer o pai.
Senti-me traída de todas as formas possíveis. — E nunca me disseste nada? Escondeste-me isto durante meses?
— Tive medo de te perder — murmurou ele.
A raiva deu lugar à tristeza. Sentei-me ao lado dele, sem saber se devia abraçá-lo ou bater-lhe. — E agora? Vais conhecê-la? Vais trazê-la cá para casa?
Ele olhou-me nos olhos pela primeira vez naquela noite. — Quero conhecê-la, sim. Mas não quero perder-te a ti nem à Janete.
As semanas seguintes foram um turbilhão de emoções. Janete percebeu que algo estava errado e acabou por descobrir tudo. Chorou muito, zangou-se connosco, especialmente com o pai. — Como é que pudeste esconder isto da mãe? E de mim? — gritava ela.
A família ficou dividida. A minha mãe, Dona Rosa, quando soube da história, foi peremptória: — Os homens são todos iguais! Mas tens de pensar na tua filha, Maria. Não destruas a tua família por causa de um erro antigo.
Mas será mesmo só um erro antigo? Ou será uma mentira que cresceu durante anos até se tornar uma bomba pronta a explodir?
António conheceu Sofia numa tarde chuvosa num café em Setúbal. Voltou para casa diferente: mais leve, mas também mais distante. Eu sentia-o a afastar-se todos os dias um bocadinho mais.
Uma noite, depois do jantar, tentei conversar com ele:
— António… ainda gostas de mim?
Ele demorou a responder. — Gosto… mas sinto-me perdido.
— Perdido como?
— Não sei quem sou neste momento. Sinto que falhei contigo e com a nossa filha… mas também falhei com a Sofia todos estes anos.
As palavras dele doeram-me mais do que qualquer traição física poderia ter doído.
Comecei a duvidar de tudo: dos nossos jantares em família, das férias no Algarve, das noites em que adormecíamos juntos depois de ver televisão no sofá. Será que alguma vez fomos mesmo felizes? Ou será que sempre houve segredos entre nós?
Janete afastou-se do pai durante semanas. Só falava comigo ou com as amigas da faculdade. Um dia entrou no meu quarto e disse:
— Mãe… achas que algum dia vamos voltar a ser uma família normal?
Não soube responder-lhe.
O tempo foi passando e as feridas começaram a sarar devagarinho. António insistiu em trazer Sofia cá a casa para conhecermos todos juntos. No início recusei-me, mas depois percebi que estava a ser injusta com uma rapariga que não tinha culpa nenhuma dos erros dos adultos.
Quando Sofia entrou na nossa sala pela primeira vez, senti um aperto no peito. Era parecida com António: os mesmos olhos castanhos, o mesmo sorriso tímido.
O jantar foi tenso e cheio de silêncios constrangedores. Mas aos poucos fomos conversando sobre banalidades: música portuguesa, futebol, os melhores pastéis de nata de Lisboa.
No final da noite, Sofia despediu-se com um abraço tímido e um “obrigada” quase sussurrado.
Depois disso, as coisas começaram lentamente a mudar. Janete aceitou conhecer a irmã e até começaram a sair juntas de vez em quando. Eu e António fomos à terapia de casal — algo que nunca pensei fazer na vida.
Ainda hoje não sei se alguma vez vou perdoar completamente o António por me ter escondido uma parte tão importante da vida dele durante tanto tempo. Mas aprendi que as famílias perfeitas só existem nas novelas da televisão portuguesa.
Às vezes dou por mim a pensar: quantas famílias vivem com segredos destes? Quantas mulheres descobrem depois de décadas que afinal não conheciam assim tão bem o homem com quem dormiam todas as noites?
E vocês? Acham mesmo possível perdoar uma mentira destas? Ou há segredos que nunca deviam ser revelados?