Deixei de Sustentar o Meu Filho e Ele Deixou de Me Visitar: Já Não Vejo a Minha Neta Há Mais de Um Ano
— Mãe, não podes mesmo ajudar-me este mês? — A voz do Rui ecoava pelo telefone, carregada de impaciência e uma ponta de desdém. Senti o coração apertar-se no peito, como se cada palavra dele fosse um prego a cravar-se na minha alma.
— Rui, já te disse… A minha reforma mal chega para as contas da casa. Não posso continuar a dar-te dinheiro. — Tentei manter a voz firme, mas ela tremia. Sabia que estava a desapontá-lo, mas sentia-me ainda mais a desapontar-me a mim própria.
Do outro lado, silêncio. Depois um suspiro pesado. — Pois, está bem. — E desligou.
Fiquei ali sentada na cozinha, com as mãos a tremerem em cima da mesa de fórmica gasta. Olhei para a chávena de café frio e pensei em tudo o que tinha feito por ele. Fui mãe solteira desde os vinte e três anos, quando o pai do Rui decidiu que não queria responsabilidades. Trabalhei em dois empregos durante anos: de manhã na escola primária como auxiliar, à noite a limpar escritórios no centro de Lisboa. Nunca tive férias, nunca comprei roupa nova para mim sem pensar primeiro no que o Rui precisava.
Quando ele entrou na universidade, fiz contas à vida e pedi um empréstimo para lhe pagar os estudos. Lembro-me do orgulho que senti no dia em que se formou em Engenharia Informática. Chorei tanto nesse dia! Achei que todo o sacrifício tinha valido a pena.
Mas agora, aos sessenta e oito anos, com uma reforma pequena e dores nas costas que me lembram todos os dias do esforço de uma vida inteira, vejo-me sozinha. O Rui casou-se com a Marta, tiveram a Leonor — a minha neta querida — e durante uns anos parecia que tudo ia correr bem. Eu ajudava sempre que podia: pagava contas deles quando havia apertos, comprava fraldas e roupinhas para a Leonor, até paguei parte da entrada do apartamento onde vivem.
Mas há cerca de um ano, as coisas mudaram. O dinheiro começou a faltar-me. Tive de dizer ao Rui que não podia continuar a ajudar. Desde então, ele deixou de me ligar. Deixou de me visitar. E deixou de trazer a Leonor cá a casa.
No início tentei justificar: “Ele está ocupado”, “A Leonor está doente”, “A Marta tem muito trabalho”. Mas as desculpas foram-se acumulando até se transformarem num muro intransponível entre nós.
Lembro-me da última vez que vi a Leonor. Ela tinha acabado de fazer cinco anos. Correu para mim com os braços abertos: — Avó! Avó! Olha o desenho que fiz para ti! — Era um sol amarelo com uma casa ao lado e três bonecos de mãos dadas. Guardei esse desenho na porta do frigorífico como se fosse um tesouro.
Agora olho para ele todos os dias e sinto um vazio tão grande que às vezes me falta o ar.
As vizinhas perguntam: — Então, D. Teresa, já viu a neta este fim-de-semana? — E eu sorrio, minto: — Sim, sim, vieram cá ontem. Está tão crescida! — Não tenho coragem de admitir que passo os dias sozinha, a ouvir o eco dos meus próprios passos pela casa.
Oiço as crianças do prédio a brincar no pátio e imagino que é a Leonor lá em baixo. Às vezes sonho com ela: vejo-a correr para mim, sinto os bracinhos dela à volta do meu pescoço… Acordo sempre com lágrimas nos olhos.
Tentei ligar ao Rui várias vezes. Às vezes atende, outras não. Quando atende, fala pouco e depressa: — Estou ocupado, mãe. Depois ligo-te. — Mas nunca liga.
No Natal passado comprei um presente para a Leonor: um livro de histórias com ilustrações bonitas. Esperei por eles até às dez da noite. Nunca vieram. Acabei por adormecer no sofá com o livro no colo.
No dia seguinte liguei à Marta. Ela atendeu com voz fria:
— Olá Teresa.
— Olá Marta… Está tudo bem? Queria saber se posso passar aí para ver a Leonor…
— Agora não dá jeito, Teresa. Estamos cheios de coisas para fazer.
— Mas… já não vejo a Leonor há tanto tempo…
— Pois… mas agora não dá mesmo.
Desligou antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa.
Senti-me humilhada. Como se tivesse deixado de ser família deles assim, de um dia para o outro.
Os dias passaram lentos e iguais. Comecei a sair menos de casa. Ia ao café da esquina só para ouvir vozes humanas à minha volta. O senhor António, dono do café, perguntava sempre:
— Então D. Teresa, novidades?
Eu sorria e dizia:
— Tudo igual, António… tudo igual.
Às vezes penso onde foi que errei. Será que estraguei o Rui ao dar-lhe tudo? Será que ele só me via como uma carteira aberta? Ou será que falhei como mãe?
Lembro-me das noites em claro quando ele era pequeno e tinha febre; das vezes em que fiquei sem comer para lhe comprar livros; das lágrimas escondidas quando ele me gritava na adolescência: “Tu não percebes nada!” Sempre achei que o amor era dar tudo sem esperar nada em troca… Mas agora percebo que talvez tenha confundido amor com dependência.
A solidão pesa mais à noite. Sento-me na sala escura e olho para as fotografias antigas: o Rui bebé ao colo; o primeiro dia de escola; o casamento dele; a Leonor recém-nascida nos meus braços…
Às vezes penso em escrever-lhes uma carta. Dizer tudo o que sinto: a dor da ausência, o medo de morrer sozinha sem ver crescer a minha neta, o arrependimento por não ter imposto limites antes… Mas depois desisto. Tenho medo de parecer patética ou de piorar ainda mais as coisas.
No outro dia encontrei a D. Emília no supermercado:
— Teresa! Há quanto tempo! Então, como vai a família?
Senti um nó na garganta.
— Vai-se andando… O Rui está muito ocupado com o trabalho…
Ela sorriu:
— Os filhos crescem e esquecem-se das mães…
Fui para casa com as compras e chorei no elevador.
Já pensei em procurar ajuda psicológica no centro de saúde, mas depois penso: “Para quê? Não vai trazer o Rui nem a Leonor de volta.” Mas às vezes sinto-me tão perdida…
Hoje sentei-me à janela a ver o pôr-do-sol sobre Lisboa e perguntei-me: será este o destino das mães que dão tudo? Seremos sempre esquecidas quando deixamos de ser úteis?
Se pudesse voltar atrás faria diferente? Não sei… O amor é assim: cega-nos para as consequências.
E vocês? Acham que uma mãe deve impor limites aos filhos desde cedo? Ou será que amar demais é sempre um erro?