Dei a Casa à Minha Filha, Agora Ela Quer Que Eu Saia – Uma História de Traição Dentro de Quatro Paredes

— Mãe, precisamos conversar. — A voz da Sofia ecoou pelo corredor, fria como nunca antes. Senti um arrepio percorrer-me a espinha, mesmo antes de lhe ver o rosto. Estava sentada na cozinha, as mãos trémulas em cima da toalha de linho que eu própria bordei há tantos anos. O cheiro do café acabado de fazer misturava-se com o silêncio pesado da casa.

— O que se passa, filha? — perguntei, tentando esconder o medo que já me apertava o peito.

Ela entrou na cozinha sem olhar para mim. Sentou-se à minha frente, cruzou os braços e respirou fundo. — Eu e o Tiago achamos que está na altura de pensares noutra solução para ti. A casa já não é só tua, sabes disso.

O mundo parou. Senti as palavras dela como facas. A casa… a minha casa… já não era minha? Lembrei-me do dia em que assinei a escritura, há três anos. Sofia estava grávida do meu neto, Miguel, e eu quis garantir que nada lhes faltaria. “Assim ficas descansada, mãe”, disse ela na altura, “e nós cuidamos de ti quando fores mais velha”. Acreditei nela. Sempre acreditei.

— Sofia… — a minha voz saiu num sussurro — Estás a pedir-me para sair?

Ela desviou o olhar, mas não hesitou. — Não é isso… mas precisamos de espaço. O Miguel vai precisar do quarto dele, e tu tens a reforma… Podes arranjar um T1 perto da praia, sempre disseste que gostavas do mar.

O Tiago apareceu à porta nesse momento. Nem sequer me cumprimentou. — Maria, não leves a mal, mas isto é o melhor para todos. Não queremos discussões.

Senti-me pequena, invisível. Lembrei-me do António, o meu marido, falecido há dez anos. Como ele teria reagido? Sempre disse que família era tudo. Que devíamos proteger-nos uns aos outros.

Levantei-me devagar e fui até à janela. Lá fora, o jardim estava cheio de flores que plantei com as minhas próprias mãos. Cada roseira tinha uma história: a branca foi plantada no aniversário da Sofia; a vermelha no dia em que o Miguel nasceu; as amarelas quando o António se reformou.

— E se eu não quiser sair? — perguntei, sem me virar.

Sofia suspirou. — Mãe, não compliques. A casa está no meu nome. Não quero chegar a esse ponto, mas…

O silêncio dela foi mais cruel do que qualquer palavra.

Nessa noite não dormi. Ouvi-os a falar baixinho no quarto deles. O Miguel chorou duas vezes e fui eu quem lhe deu colo. Ele agarrou-se ao meu pescoço como se sentisse o meu desespero.

No dia seguinte, tentei falar com a minha irmã, a Teresa. Liguei-lhe cedo, com a voz embargada.

— Maria, tu não podes aceitar isso! — exclamou ela. — Vem para minha casa até resolveres as coisas.

Mas eu sabia que não era tão simples. A Teresa vivia num T2 minúsculo em Almada com o marido doente e dois netos pequenos.

Passei os dias seguintes num estado de torpor. Sofia evitava-me; Tiago ignorava-me por completo. Só o Miguel me sorria como sempre.

Uma tarde, enquanto regava as flores, ouvi Sofia ao telefone na sala:

— Sim, mãe ainda está cá… Não sei como lhe dizer… Sim, claro que ela tem para onde ir! Não vou ficar com ela aqui para sempre!

Senti uma raiva surda crescer dentro de mim. Como podia ela falar assim de mim? Eu dei-lhe tudo! Trabalhei quarenta anos numa fábrica de conservas para lhe pagar os estudos, para lhe dar esta casa!

Naquela noite, decidi confrontá-la.

— Sofia, preciso de falar contigo agora.

Ela olhou-me com impaciência.

— O que foi?

— Quero saber porque me estás a fazer isto. O que te fiz eu para merecer ser posta fora da minha própria casa?

Ela hesitou um segundo antes de responder:

— Mãe… tu nunca percebeste… Sempre foste tão controladora! Nunca me deixaste viver a minha vida! Agora preciso do meu espaço!

Fiquei sem palavras. Controladora? Eu? Só queria protegê-la!

— E achas justo fazeres-me isto agora? Depois de tudo?

Ela encolheu os ombros.

— É assim a vida.

Saí dali a chorar. Fui até ao jardim e sentei-me junto à roseira branca. Senti uma dor tão funda que pensei que ia sufocar.

Os dias passaram e percebi que não tinha escolha. Comecei a procurar quartos para alugar no OLX e no Facebook. Os preços eram absurdos para a minha reforma miserável.

Uma tarde, enquanto fazia as malas no meu quarto — agora “o futuro quarto do Miguel” — ouvi passos atrás de mim.

Era o Miguel.

— Avó… vais embora?

Olhei para ele e senti o coração partir-se em mil pedaços.

— Vou, meu amor… mas vou estar sempre aqui para ti.

Ele abraçou-me com força e chorou baixinho.

No dia em que saí de casa, Sofia nem sequer apareceu para se despedir. O Tiago ajudou-me a pôr as malas no carro da Teresa.

Enquanto nos afastávamos, olhei pela última vez para o jardim e para as janelas onde tantas vezes vi a Sofia brincar em pequena.

Agora vivo num quarto alugado numa casa partilhada com duas senhoras idosas em Cacilhas. Não é o mar da Costa da Caparica, mas pelo menos vejo o Tejo ao longe.

Às vezes pergunto-me onde errei. Será que fui demasiado mãe? Será que devia ter pensado mais em mim?

A solidão pesa mais à noite. O telefone raramente toca; quando toca é só para ouvir o Miguel dizer “Avó, tenho saudades tuas”.

E eu pergunto: quantas Marias há por aí? Quantas mães deram tudo e ficaram sem nada? Será isto o preço do amor incondicional?